NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 13 de abril de 2010

Stacey Kent - Requinte no tom

Stacey Kent e o saxofonista, arranjador, compositor e produtor Jim Tomlinson (também seu marido) constroem, dentro e fora do estúdio, um casamento exemplar. Além das rotinas diárias, ao longo de quase 20 anos de trajetória conjunta aprenderam a dividir e respirar um amor incondicional pelo jazz e pela música popular brasileira – gêneros marcantes nos trabalhos solos tanto de um como de outro. Juntos mais uma vez, em Raconte-moi... assinam um trabalho irretocável, em que a cantora reafirma seu talento e originalidade como intérprete.

Desde que se lançou a bordo de Close your eyes (1997), Kent não deixou de explorar e reconstruir standards americanos e peças clássicas do cancioneiro popular do Brasil. Acostumada a absorver a elegância de melodias cunhadas por Duke Ellington, Cole Porter e Tom Jobim, ela agora empresta seu ar contemporâneo a um repertório exclusivamente interpretado em francês.

Jobim à francesa
Ao abrir o álbum, porém, ela não deixa de registrar sua reverência ao maestro brasileiro, com a versão Les eaux de mars. No repertório que segue a faixa, peças de compositores renomados como Barbara, Paul Misraki, Georges Moustaki, Henri Salvador, Michel Jonasz, Keren Ann e Benjamin Biolay ganham interpretações majestosas, em que a cantora exibe o rigor de seus estudos da língua francesa. Entre as releituras, destacam-se também temas criados exclusivamente para o novo trabalho, assinados por novos talentos como Claire Denamur, Camille D'Avril, Pierre-Dominique Burgaud e Emilie Satt, responsável pelo single La Venus du melo.

Dona de um fraseado de divisões e métricas impecáveis, timbre cristalino e um estilo de sensibilidade singular, Kent deita sua voz no limiar entre o despojamento e a sofisticação. No álbum, ao mesmo tempo em que presta tributo às divas do jazz tangencia a simplicidade do canto popular; proximidade herdada do folk que a envolveu do longo da adolescência.

Entre as tradições do jazz e da canção francesa, Kent abole as divisões entre os gêneros. Escoltada pelo calor dos metais de Tomlinson, o balanço percussivo por vezes abrasileirado de Matt Skelton, assim como pela delicadeza e exuberância do piano de Graham Harvey, Kent passeia com a desenvoltura de uma veterana, imprimindo em cada nota e linha melódica o seu fraseado de tintas e contornos particulares.

Colecionadora de prêmios, Kent fincou de vez seu nome entre as grandes intérpretes de jazz a partir do festejado álbum Breakfast on the morning tram (2007), chancelado pela Blue Note, indicado ao Grammy e dono de cifras marcantes para a seara jazzística, com 300 mil álbuns vendidos. Metade desta soma foi condicionada pela admiração dos franceses. Então, torna-se mais que natural a reverência da artista pela chanson francesa neste trabalho. Mas a conexão com a cultura que molda o novo trabalho não é de hoje. Seu avô passou boa parte da vida no país e, sob os seus cuidados, Kent passou algum tempo estudando e absorvendo referências locais durante a adolescência. Em Breakfast..., sua francofilia já começava a despontar, a partir da regravação de Ces petits riens e La saison des pluies, assinadas por Serge Gainsbourg. Mas é em Raconte-moi... que o seu fascínio torna-se espelho, capaz de gerar devoção semelhante ao ouvinte.

Veja essa: Les eaux de mars




E mais aqui: http://www.myspace.com/staceykentmusic

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