NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Nouvelle Vague - O disfarce bossa nova do punk

A fórmula é infalível: “Meninas bonitas cantando sensualmente um repertório em que não dá para colocar defeito, ainda mais com uma roupagem delicada, com arranjos doces e melódicos”, define Karina Zeviani. Aos 34 anos, ela não é nenhuma menina, mas é uma dessas mulheres bonitas que interpreta, em clima de bossa nova, os maiores clássicos do punk e do pós-punk com voz lasciva e sussurrante. Sobre o palco do Circo Voador, nesta sexta-feira, à frente do Nouvelle Vague, esta paulista de Jaboticabal não é bem a garota de Ipanema que o músico, produtor e idealizador do grupo francês Marc Collin imaginava: “Sou a primeira brasileira... E a ideia inicial era justamente ter brasileiras nos vocais”, explica a moça, que teve seu primeiro contato com Collin “há uns quatro anos, no camarim de um show que dividimos em Nova York”.

Anos após o primeiro contato e a promessa de colaboração oferecida por Collin, Karina aporta no terceiro álbum do grupo, NV3, e desde o ano passado assume um dos concorridos postos de vocalista de turnê – enquanto os álbuns são recheados com oito vozes femininas, o formato ao vivo conta com duas intérpretes. Antes de Karina, uma penca de meninas já desfilou à frente de Collin e seu fiel escudeiro Olivier Libaux; entre elas Camille e Melanie Pain, que fizeram de sua passagem uma plataforma de lançamento para álbuns solo. A ideia não é nada distante do que Karina planeja. Radicada em Nova York desde 2002, a ex-modelo vive dividida entre múltiplas conexões aéreas para dar conta de conciliar as agendas do Nouvelle e do Thievery Corporation, em que roda o mundo há cinco anos. Entre Paris, Nova York e São Francisco, “realmente não sei onde eu moro, tenho algumas bases...”, ela usa o ínfimo tempo livre para burilar os detalhes finais de seu primeiro voo solo, produzido por Collin.

– Outro dia me perguntaram se eu me incomodava em ser uma cantora de aluguel... Achei engraçado, porque para quem começou tocando para 100 pessoas no Nublu em Nova York poder cantar para 80 mil pessoas, como já aconteceu com o Thievery, e viajar o mundo todo com o Nouvelle é uma oportunidade gigante – conta Karina. – Antes eu engatinhava, tentava segurar o bambolê. Depois, fui jogada no mercado profissional, cresci como performer, ganhei confiança... São coisas que só acontecem depois que você encara grandes festivais. E é por isso que vou continuar com essas bandas até a hora em que for preciso. Quero conhecer pessoas, aumentar meu público e atrair atenção para o meu disco solo. Até porque daqui a pouco o repertório da Nouvelle acaba...

Produtor do álbum de Karina, Collin concorda que é preciso renovação na abordagem musical que serve como marca registrada do combo. Passados alguns anos desde a explosão mundial que catapultou o grupo como a banda “cover” mais interessante do globo, a bordo de hits como Love will tear us apart (Joy Division), God save the queen (Sex Pistols), Guns of Brixton (The Clash), The killing moon (Echo and the Bunnymen), Dancing with myself (Billy Idol), Heart of glass (Blondie), Too drunk to fuck (Dead Kennedys), entre outros, ele garante já ter formulado novos conceitos.

– É claro que quase tudo já foi dito ao longo desses três álbuns, então chega a hora da cobrança… Tenho que pensar numa ideia nova e forte o bastante. Mas isso às vezes pode levar um pouco de tempo – admite Collin. – Então, para evitar de lançar qualquer novo disco antes de essa ideia surgir, estamos preparando uma edição especial, em francês.

O novo trabalho segue formato similar, mas, em vez de mirar em pérolas punks inglesas e americanas, Collin se debruça sobre os ícones da new wave e do pop francês.

– Serão versões interpretadas por uma nova geração, como o Mika, Vanessa Paradis, Coralie Clement e uma porção de cantores muito interessantes – conta o produtor. – Mas são mudanças que sentimos desde que os dois álbuns foram lançados. Nesse último, por exemplo, evitamos a bossa nova e o reggae, que marcaram os anteriores. Tentamos algo mais intimista, folk, country, algo a ver com trilhas sonoras...

E foi baseado nas principais trilhas sonoras dos anos 80 que Collin arremessou no mercado, em 2008, a coletânea Hollywood mon amour, que recriava ícones do imaginário popular, como as faixas-tema de trilhas de longas como Rocky, Top Gun, Flashdance, entre outras. Como se vê, Collin não é apenas um profícuo arranjador, mas uma usina de ideias inusitadas. E é justamente a sua capacidade de se envolver em inúmeros projetos simultâneos que vem deixando Karina mais do que ansiosa.

– Estamos terminando o disco, não vejo a hora. Ele faz 15 coisas ao mesmo tempo. Começamos a trabalhar há três anos – diz a moça referindo-se ao debute, cantado em português, inglês e francês.

Inspirada em Tom Waits, Karina traz uma pegada creepy e cartoonish acompanhada por uma linguagem onírica e psicodélica (“Eu escrevo a partir dos meus sonhos”). Já Collin garante mais um sucesso na praça.

– Ela abriu um show nosso em 2005, e fiquei encantado com o seu talento e beleza. Mantivemos contato ao longo dos anos. Agora, o disco está quase pronto, e ficamos muito contentes com o resultado.

E mais aqui:
http://www.myspace.com/nouvellevague

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Macy Gray - Redenção de uma diva pop

Natalie Renee McIntyre, 42 anos, está em busca de redenção. Incensada após o estouro do single I try, pinçado de seu multiplatinado álbum de estreia, On how life is (1999), a cantora americana mundialmente conhecida como Macy Gray viu sua carreira passar do ápice ao caos de uma hora para outra. Apontada como a sucessora de divas da disco music, Macy caiu em descrédito a partir do lançamento de seus álbuns seguintes, Id (2003) e o sugestivo The trouble of being myself (2005), recebido com frieza por fãs e crítica. Após a resposta morna para um esperado álbum de “retorno”, Big (2008), coproduzido por Will.I.am (Black Eyed Peas) e Justin Timberlake, Gray aposta todas as suas fichas em The sellout, álbum em que diz retornar ao básico, mesmo que isso seja trafegar por gêneros diversos numa produção em que dá liga a suas diversas facetas.

– Quando comecei a fazer esse disco o que eu mais senti era uma vontade de ter liberdade, não queria saber de escrever sobre um tema determinado, sobre amor ou qualquer coisa do tipo... A ideia toda era apenas me liberar totalmente. Um sentimento parecido ao que tive quando eu fiz o primeiro – revela a cantora, por telefone, ao Jornal do Brasil.

Antes de vender mais de 7 milhões de cópias e colocar na estante um Grammy de Melhor Cantora Pop pelo álbum de estreia, Macy Gray queria apenas ser compositora. E foi carregando algumas demos compostas em parceria com Joe Solo que ela se pôs à frente de um microfone para substituir uma cantora que deu cano no estúdio. Uma década depois, e após ter colaborado com os nomes mais importantes do pop mundial (Justin Timberlake, Common, Outkast, Rick Rubin, Carlos Santana, Erykah Badu, Fergie, Will.I.am, Mos Def, Natalie Cole e John Frusciante, do Red Hot Chili Peppers), tudo o que Macy Gray queria era se afastar de um batalhão de especialistas em hits a espreitar seus passos dentro do estúdio. Cansada de parcerias estelares, se fechou com músicos de confiança para gravar um álbum mais orgânico, visceral e versátil, apesar de, vez ou outra, soar como algo já experimentado pela artista.

– Nos últimos dois trabalhos eu estava sob a Interscope, envolvida numa máquina gigante, sempre ouvindo muita gente, muitas opiniões chegando de todos os lados... – reconhece Macy. – Agora tenho a certeza de que é um projeto totalmente diferente. Passei mais de um ano fazendo o disco sem qualquer pressão ou influência externas e pude escolher as pessoas que iriam trabalhar comigo.

The sellout é resultado de quase dois anos de trabalho. Ao longo de 12 novas faixas, Gray empresta sua voz rasgada, cheia de nuances e cores para trilhas dançantes guiadas por ondulantes linhas de baixo, sintetizadores e beats verticais sob medida para noites de festa, caso de Lately. Mixado pelo papa-Grammy Manny Marroquin – autor de hits para Lady Gaga, Jay Z, Rihanna, Alicia Keys, Kanye West e John Mayer – o trabalho, apesar de menos inflado por parcerias, não deixa de ser recheado por um punhado de colaboradores, caso do rapper recém-libertado da cadeia T.I., Bobby Brown e Kaz James (The Bodyrockers), além do trio Slash, Duff McKagan e Matt Sorum (ex-Guns N' Roses e Velvet Revolver).

– Conheço Slash há muitos anos e sempre conversamos sobre a possibilidade de trabalharmos juntos. Quando eu estava começando a fazer esse disco, liguei para ele e fiz o convite. Aí os outros caras também se interessaram e gravamos juntos – conta Macy, em referência à faixa Kissed it, um dos destaques do álbum.

Apesar de soar confiante e recuperada dos abismos que a fizeram “perder a essência” em meio aos apelos do showbizz, Gray não soa muito distante do pop de feições radiofônicas, por vezes artificial na composição das linhas vocais e nos backs de apoio, que manteve como linha ao longo da carreira. O que sobressai são os arranjos burilados para algumas faixas, assim como a quantidade de possíveis hits. A contagiante Lately, conduzida por energéticos grooves é seguida pela parceria assinada com os roqueiros, Kissed it, marcada por densas linhas de baixo e bateria, palmas e os solos (em baixo volume) de Slash. É o melhor momento do álbum, que é puxado por um single menos inspirado, Beauty in the world.

– Noto algumas diferenças marcantes entre os discos. Acho que a minha voz está bem diferente. E o que eu realmente busquei foi construir uma sonoridade grandiosa, que pudesse causar impacto. Acho que antes desse disco eu estava muito confusa... – observa. – Fui criada escutando soul music o tempo todo. Stevie Wonder, os discos da Motown... Depois cresci e fui impactada pelo fenômeno da MTV, o hip hop se juntando ao rock. Entrei de cabeça naquilo. Depois aprendi muito de jazz e reggae. Sempre quis ser aberta. E acho que The sellout conta a história de como encontrei minha salvação sendo apenas eu mesma.

Beauty in the world:




* Realmente um erro eleger Beauty in the world como single. Letra banal, melodia previsível e performance vocal abaixo do potencial de Gray. Parece que o clipe acompanha a pobreza. Chama atenção a total falta de ginga e tino da moça em frente à câmara. E olha que ela tem no currículo participação em alguns longas. Desenvoltura lamentável nesse vídeo.

E mais aqui: http://www.myspace.com/macygray

terça-feira, 27 de abril de 2010

Keane - Viagens de uma locomotiva pop

O instrumental à Gotham City que introduz Night train, numa embalagem sonora de clima caótico, soturno e industrial, anuncia a chegada de um álbum sofisticado, pretensioso e, até certo ponto, megalômano. Depois que Hopes and fears (2004) e Under the iron sea (2006) se incrustarem nas paradas mainstream a bordo de baladas pegajosas ao piano, o trio inglês tencionou mudanças estéticas para o álbum seguinte, Perfect simmetry (2008), que contava com guitarras e uma carga excessiva de sintetizadores. Dois anos depois, o novo EP amplia ainda mais os horizontes perscrutados pelo grupo. Com arranjos de cordas, metais, guitarras e sintetizadores conduzindo boa parte das canções, o álbum segue a linha dançante do anterior, mas indica uma guinada assertiva em direção ao mais (im)puro pop.

Em Night train, o apelo para pistas ganha força, a intervenção de instrumentos diversos tem dosagem em boa medida e o talento para cravar melodias instigantes ao primeiro sopro reverbera intacto por cada contorno harmônico. É o que se percebe em faixas como Back in time, entre outras. Exalando desprendimento, urgência em quebrar estigmas e ânsia por novas viagens sonoras, as oito faixas inéditas foram escritas ao longo da última turnê mundial realizada pelo grupo. A sensação de movimento é o que fica na dica deixada pelo título, escolhido não apenas porque o trem era o transporte favorito da banda na tal turnê, mas porque de faixa a faixa o trio parece aterrissar numa nova atmosfera sonora.

Se o passeio pelo brit pop, pelo dance e o flerte com a eletrônica sempre deram o tom, o Keane agora vai além, em faixas que contam, por exemplo, com a participação do rapper somalicanadense K’naan, caso do épico single Stop for a minute e Looking back. A participação da “MC de baile funk” japonea Tigarah para Ishin denshin (You’ve got to help yourself) garante um clima ainda mais multifacetado ao trabalho. A faixa, na verdade um cover do Yellow Magic Orchestra, exemplifica a geografia musical desterritorializada que a banda aposta como caminho: “Trabalhei em cima da ideia original no avião, Richard gravou a bateria em Londres, Tom fez os vocais em Copenhagen, Tigarah registrou os dela em LA e finalizamos a música no ônibus da turnê”, diz o tecladista, baixista e principal compositor da banda Tim Rice-Oxley. A faixa é seguida por Your love, cuja linha melódica entoada por RiceOxley remete imediatamente ao terreno sonoro traçado pelo The Killers. A comparação com o quinteto americano não é de hoje. Se Perfect simmetry afastava o trio das baladas ao piano que os conduziam até então, o último lançamento colocou os ingleses na mesma sintonia dançante que os músicos de Las Vegas.

Mais que um punhado de hits, Night train revela uma pungente necessidade de avanço. E se a banda realmente se deixa levar por estações desconhecidas o resultado dá a impressão de que nem sempre linhas e vagões se conectam ou levam o ouvinte a um destino musical certeiro. Como uma locomotiva solta, o trio opta por uma viagem sem roteiro ou destinos traçados. Ao jogar com o imprevisível, surpreendem positivamente ao mesmo tempo em que, vez por outra, deixam o trem escapar dos trilhos.

Stop for a minute feat. K'naan

K'naan - Troubadour

K'naan - ABCs


Em seu segundo CD, Troubadour, o rapper mezzosomali mezzo canadense aposta numa produção acelerada e urgente, que se afasta dos batidões óbvios para colorir versos de métricas originais. Adornado por metais, elementos percussivos e camadas de sintetizadores, K’naan conta com a participação de Kirk Hammett (Metallica), Mos Def, Damian Marley, entre outros para misturar rap, funk, soul e rock num álbum de impacto, mas um pouco desgastante.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Theophilus London - A charmosa arte das mixtapes

O sujeito acima mastigando um biscoito e usando óculos de grau não pode ser considerado um rapper comum. De fato, Theophilus London foge ao comportamento, à tradição e à estética visual e sonora associada aos guetos mais populosos e pobres de Nova York. Longe da persona gangsta e machista que corrompe o rap americano, London é um dos pioneiros de uma nova cena de eletro pop e rap urbano. Assim como Kid Cudi, faz parte de uma geração de jovens negros criada, apesar do preconceito, com melhores condições, longe dos becos e mais integrada ao centro; no caso de London, pelo menos, ao epicentro criativo do cenário musical americano, o Brooklyn.

Incensado pelo universo da moda, London não ostenta cordões, brincos, piercings entre outros adereços de prata, ouro e diamante. Quando não está sob jaquetas de couro, surge em combinações coloridas, de blazer, camisa pólo, calças sociais e seu indefectível boné de aba reta. Veste-se como um integrante de banda indie da Inglaterra. E talvez por isso seja natural que entre um beat e outro surjam ecos melancólicos do pós-punk britânico nos arranjos de suas canções. A contextualização social e estética acima, no entanto, serve apenas como tentativa de entender um pouco do universo por trás do cara que arremessou nas esquinas virtuais as mixtapes mais criativas e comentadas – por gente como Mark Ronson e Marc Ecko – dos últimos tempos, Jam! (2008) e This charming mixtape (2009). Sim, London ganhou respeito, ou credibilidade de rua, justamente pela expertise em fazer daquela coleção casual de músicas prediletas um trabalho autoral. E é sob a expectativa do lançamento de sua nova fornada, I want you, que ele fala ao RP.

– Acredito que as mixtapes são muito mais do que um amontoado com as minhas canções preferidas. Acho que elas podem contar ou narrar histórias pessoais, e foi isso que me estimulou quando comecei a gravá-las.

Desde que Jam! e This charming mixtape ganharam a web, London coleciona admiradores na mesma proporção em que embaralha as referências e associações musicais dos ouvintes e críticos. Ao mesmo tempo em que metralha versos inteligentes, e não apenas espertinhos, conta com mais um diferencial, entoa alguns de seus melodiosos refrãos. Guiadas por dançantes linhas de baixo, as faixas de suas mixtapes destilam poesia urbana e contemporânea por entre batidas cruas, camadas de sintetizadores e samplers de ícones do soul, do r&b, jazz e do pós-punk – não é à toa que The Smiths, Ian Curtis e David Byrne são listadas como influências ao lado de medalhões como Michael Jackson, Marvin Gaye e Quincy Jones.

– Eu me enxergo como uma mistura. É claro que faço rap, mas tenho trabalhado bastante a minha voz, a minha forma de cantar e fazer melodias – explica London. – Acho que tenho que estar preparado para dar conta. Na frente do microfone tenho que ser o cara que pode dominar a situação. Sinto que preciso ter o controle do palco e da plateia, e quero exercitar cada vez mais esse poder de liberdade.

Se nos dois últimos trabalhos o rapper se aproveitou de trechos de peças de nomes como Kraftwerk, Amadou & Mariam, Whitney Houston, entre outros, em I want you (2010), mixtape que ele lança no dia 28, London conta com colaboradores de peso, como o produtor Mark Ronson e o cantor Sam Sparro, com quem forma o grupo Chauffeur, além do inglês Dev Hynes (Lightspeed Champion), para canções próprias, alguns covers e remix de gente como Marvin Gaye, Stevie Wonder, Missy Elliott, Vampire Weekend e a nova sensação indie The XX.

– Acho que neste trabalho estou fazendo mais rap e cantando mais também. Trabalhei bastante nisso – diz. – Dentro do estúdio foi realmente uma experiência marcante poder conhecer e criar com o Mark Ronson. Ele é o cara, trabalhou com o Gorillaz e fez uma porção de coisas interessantes. Queria ver como ele atuava, o que ele fazia no estúdio, e acho que o resultado ficou especial.

Apesar da vasta gama de referências, as primeiras faixas que vazam na rede apontam um caminho menos acelerado. London está mais cool e relaxado, sua música mais soul que rap e seu espírito com mais alma que pompa.

– Falo sobre as minhas emoções... Sobre os acontecimentos bons e ruins que me levam a responder. Passei por alguns momentos difíceis, onde estive mais fraco, alguns relacionamentos frustrados... Mas eu sei que posso criar a partir desse terreno.

A influência que a obra de Gaye tem lhe causado nos últimos tempos dá o tom.

– Passei muito tempo trabalhando nessas faixas e só agora começo a observar quais são as influências mais marcantes. Marvin Gaye está muito presente no que eu faço. Acho que criei um conjunto mais melancólico e reflexivo do que os trabalhos anteriores – constata London. – Eu tenho assuntos rodando na minha cabeça o tempo todo, e acho que posso realmente fazer as pessoas pensarem sobre certos temas. Então continuo produzindo, inventando, conhecendo pessoas e realizando parcerias.

Se 2009 foi um ano de turnês ininterruptas, 2010 insurge com mais intensidade e expectativa. Incensado por publicações como The Fader, NME e até pelo New York Times, London tem agenda cheia até o fim de maio e um futuro mais que promissor.

– O que me deixa excitado é poder deixar as pessoas elétricas, soltas, fazer todo mundo delirar. Desde o começo, meu único objetivo é o de atingir as pessoas. E é isso que me estimula a continuar a fazer essas mixtapes. Apesar de as pessoas já gostarem, eu sei que ainda posso fazer melhor.

Ouça essa: http://www.myspace.com/theophiluslondon



Baixe a incrível I want you mixtape here: http://theophiluslondon.net/

Dolores Duran - Uma cantora de múltiplos tons

Dolores Duran irrompe o silêncio e anuncia: “Sinceridad”. A palavra ecoa sozinha, dá aval para um bordão de violão e abre passagem para um vigoroso arranjo de cordas. Adornado com piano e percussão o instrumental cresce gradualmente até entrar em declínio, descansando suave para a chegada da voz dolente e macia que dá vida ao bolero de Gastón Perez. O ano é 1955, o Rio de Janeiro é a capital federal e o país atravessa uma época de transição política após o suicídio de Getúlio Vargas. Nesse contexto, a música popular brasileira mergulha no samba-canção, onde o sentido da fossa absorvia o espírito de músicos e intérpretes.

Mas a abertura de Dolores viaja (1955), disco que abre a caixa Os anos dourados de Dolores Duran, já reverbera a versatilidade que marca sua trajetória. Sem afetações ou modismos que se dissolvem com o tempo, os oito CDs que compõem o box revelam uma artista inquieta, apaixonada, sincera e, sim, à frente do seu tempo. Ousada, no disco ela mistura o samba e o samba-canção com fox, bolero, valsa e baião. Com a mesma desenvoltura, passeia o seu canto do português ao francês, espanhol, alemão, italiano e inglês. Neste como nos CDs que seguem, Dolores exala o cosmopolitismo dos anos dourados. Vive a Copacabana de boates e nightclubs no seu esplendor, a sofisticação da Zona Sul em vias de abertura, buscando novos alicerces na mescla entre o requinte da produção internacional e a força do cancioneiro popular.

Crooner de ótima reputação, Dolores faz de Canta para você dançar (1957) uma coleção dos seus maiores hits, enquanto cantora da noite. Dançar aqui, é claro, ganha sinônimo de corpos colados em passos cadenciados, muito distante do que um álbum com mesmo título poderia sugerir nos dias de hoje. Com arranjos de Severino Filho, ela passeia por gêneros variados, em que se destacam Por causa de você, parceria com Tom Jobim; o lancinante samba-canção Quem foi, a bem-humorada Feiura não é nada, samba avançado assinado por Billy Blanco; a interpretação para o clássico Conceição, incensada por Cauby Peixoto um ano antes; além do blues Only you, eternizado pelos The Platters.

Computando os pedidos que lhe eram feitos em espetáculos, em Canta para você dançar nº 2 (1958) ela envereda pelas canções mais aplaudidas nos auditórios das rádios, nas boates, cinemas, clubes e festas particulares. No encarte original, Lúcio Rangel crava certeiro: “Dolores Duran consegue um milagre – canta todos os gêneros, em todas as línguas, os mais variados ritmos, e canta bem, admiravelmente bem”, sentencia. Entre faixas de sua autoria, onde temas como a solidão e o amor não correspondido dão o tom, ela também diverte o ouvinte com releituras de Geraldo Pereira, Vadico e Noel Rosa.

Entre o baião e a toada, Esse Norte é minha sorte (1959) cava as raízes do cancioneiro nordestino e caipira. Mais uma vez, a capacidade mutável e camaleônica de Dolores a guiam ao patamar de intéprete-atriz. Afinal, não é nada menos do que atuação a forma como encarna o sertanejo e o nordestino, seja pelo sotaque, entonação ou pela personalidade que assume ao dar voz a faixas como Prece de Vitalina, ou A fia de Chico Brito, também de Chico Anísio. Múltipla e talentosa, Dolores trilhava décadas atrás a tão em voga e onipresente globalização sonora que cantoras da atualidade apenas intentam, forjam ou simulam.

Na caixa, a compositora e letrista consagrada ganha destaque no duplo O negócio é amar. O trabalho de produção, pesquisa e garimpagem executado por Rodrigo Faour joga luz em 28 das 35 canções assinadas ao longo de oito anos de carreira – interrompida aos 29. Vítima de um problema coronariano congênito, não deixou de ser alertada por médicos sobre os riscos que corria ao trocar a noite pelo dia. Preferiu uma vida de excessos a uma conjunção de regras e cerceamentos que a levariam a um estilo de vida que não o seu. Não se pode dizer que viveu pouco, mas sim muito em pouco tempo. Também compôs muito nos quatro anos em que se dedicou aos dotes. De tudo que era diminuto ela fez o contrário, injetou amplitude e intensidade. E é por isso que pôde abrigar num coração debilitado, seja pela saúde ou por desilusões amorosas, um manancial de musicalidade. Sem purismos, mas com bom gosto, deu conta de gêneros e linguagens distintas e, talvez, opostas, até o dia em que o seu peito não pode mais marcar o compasso.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Stacey Kent - Requinte no tom

Stacey Kent e o saxofonista, arranjador, compositor e produtor Jim Tomlinson (também seu marido) constroem, dentro e fora do estúdio, um casamento exemplar. Além das rotinas diárias, ao longo de quase 20 anos de trajetória conjunta aprenderam a dividir e respirar um amor incondicional pelo jazz e pela música popular brasileira – gêneros marcantes nos trabalhos solos tanto de um como de outro. Juntos mais uma vez, em Raconte-moi... assinam um trabalho irretocável, em que a cantora reafirma seu talento e originalidade como intérprete.

Desde que se lançou a bordo de Close your eyes (1997), Kent não deixou de explorar e reconstruir standards americanos e peças clássicas do cancioneiro popular do Brasil. Acostumada a absorver a elegância de melodias cunhadas por Duke Ellington, Cole Porter e Tom Jobim, ela agora empresta seu ar contemporâneo a um repertório exclusivamente interpretado em francês.

Jobim à francesa
Ao abrir o álbum, porém, ela não deixa de registrar sua reverência ao maestro brasileiro, com a versão Les eaux de mars. No repertório que segue a faixa, peças de compositores renomados como Barbara, Paul Misraki, Georges Moustaki, Henri Salvador, Michel Jonasz, Keren Ann e Benjamin Biolay ganham interpretações majestosas, em que a cantora exibe o rigor de seus estudos da língua francesa. Entre as releituras, destacam-se também temas criados exclusivamente para o novo trabalho, assinados por novos talentos como Claire Denamur, Camille D'Avril, Pierre-Dominique Burgaud e Emilie Satt, responsável pelo single La Venus du melo.

Dona de um fraseado de divisões e métricas impecáveis, timbre cristalino e um estilo de sensibilidade singular, Kent deita sua voz no limiar entre o despojamento e a sofisticação. No álbum, ao mesmo tempo em que presta tributo às divas do jazz tangencia a simplicidade do canto popular; proximidade herdada do folk que a envolveu do longo da adolescência.

Entre as tradições do jazz e da canção francesa, Kent abole as divisões entre os gêneros. Escoltada pelo calor dos metais de Tomlinson, o balanço percussivo por vezes abrasileirado de Matt Skelton, assim como pela delicadeza e exuberância do piano de Graham Harvey, Kent passeia com a desenvoltura de uma veterana, imprimindo em cada nota e linha melódica o seu fraseado de tintas e contornos particulares.

Colecionadora de prêmios, Kent fincou de vez seu nome entre as grandes intérpretes de jazz a partir do festejado álbum Breakfast on the morning tram (2007), chancelado pela Blue Note, indicado ao Grammy e dono de cifras marcantes para a seara jazzística, com 300 mil álbuns vendidos. Metade desta soma foi condicionada pela admiração dos franceses. Então, torna-se mais que natural a reverência da artista pela chanson francesa neste trabalho. Mas a conexão com a cultura que molda o novo trabalho não é de hoje. Seu avô passou boa parte da vida no país e, sob os seus cuidados, Kent passou algum tempo estudando e absorvendo referências locais durante a adolescência. Em Breakfast..., sua francofilia já começava a despontar, a partir da regravação de Ces petits riens e La saison des pluies, assinadas por Serge Gainsbourg. Mas é em Raconte-moi... que o seu fascínio torna-se espelho, capaz de gerar devoção semelhante ao ouvinte.

Veja essa: Les eaux de mars




E mais aqui: http://www.myspace.com/staceykentmusic

Lil Wayne - Rebirth


Drop the world ft. Eminem

Enquanto desfruta os primeiros meses de sua pena de um ano no presídio de Rikers Island, em Nova York, com a função de observar internos com tendências suicidas, o multimilionário astro do rap vê por trás das grades seu sétimo álbum colher as críticas mais desfavoráveis de toda a sua carreira. Em Rebirth, o rapper clama por um renascimento meramente estético, em que tenciona moldar suas canções dentro de um álbum conceitualmente roqueiro. No encarte, o jovem Dwayne Carter, 27 anos, ostenta, além de suas inúmeras tatuagens, uma guitarra elétrica sobre o colo. É tudo tão caricato e superficial quanto a agressividade que tenta emular através de versos guturais, interpretados entre o grunhido e o grito de sufoco. A angústia de Wayne, como se pode imaginar, não vai além de certos dramas por mulheres, tretas com inimigos do mundo do rap e crises egoexistenciais, em que o músico diz querer largar o mundo de lado, pegar a sua nave espacial e voar para bem longe.

Perdido entre as piores referências que poderia encontrar no rock, Wayne se aferra à sonoridade nü metal, predominante nas guitarras que passeiam pelo disco, e no pop emo de melodias assépticas cultivado por bandas como Fall Out Boy. Wayneocêntrico, atira para todos os lados sem o menor pudor, acreditando que qualquer cusparada que escorre de seus lábios torna-se arte instantaneamente. Se aqui ele não funciona como rapper, o que dizer de sua tentativa alquebrada e até certo ponto inocente de se fazer um rock star? Para Wayne, um rock star é um sujeito que grita, esperneia e faz cara de mal. Em meio a um amontoado de clichês, de fraseados vocais desconexos, de melodias previsíveis e letras tão pobres quanto sua pretensa criatividade, o artista produz um dos álbuns mais vergonhosos do ano. Salva-se apenas em Drop the world, onde a participação de Eminem serve como uma aula.

Mais aqui: http://www.myspace.com/lilwayne

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Chew Lips - Ousadia entre o rock e a eletrônica

Em 27 de abril de 2008, a londrina Alicia “Tigs” Huerta tirava o telefone do gancho para fazer uma ligação arriscada; talvez o ato de ousadia mais importante da carreira que só agora começa a deslanchar – a bordo do álbum Unicorn, lançado na Inglaterra em janeiro último. O número discado servia para marcar o primeiro show do Chew Lips. Mas até então a banda não tinha nome, o grupo sem nome não tinha canções, e os integrantes do tal conjunto sem batismo não sabiam que estavam numa nova banda, nem que esta já tinha um show agendado. Por isso, sim: ousadia. Tigs, James Watkins (baixo e teclados) e Will Sanderson (guitarra e teclados) levaram dois dias de ensaio para construir as bases de cerca de 20 canções. Não tinham tempo a perder. A vocalista havia agendado a apresentação para duas semanas à frente, antes de qualquer verso ganhar rascunho. E foi numa festa entre amigos, em diversos níveis de entorpecimento, que os embriões musicais passaram no teste, numa noite em que Tigs terminou sua performance em cima de uma máquina de lavar. Poucos shows depois, o burburinho selava o destino. Dois anos mais tarde o trio londrino é apontado como uma das forças do rock dançante feito nos últimos anos na Inglaterra.

– Acho que a maioria das bandas começam a tocar pensando em sucesso e fama. Ou por uma vontade qualquer, tipo “vamos fazer umas músicas? Vamos marcar uma hora no estúdio?” – diz Tigs. – Não tivemos chance de analisar sob uma perspectiva maior a motivação que nos juntou. Eu já os conhecia, e marquei as datas. Eles tinham criado algumas bases e eu comecei a escrever... Depois de uns cinco shows as coisas começaram a mudar.

Unicorn é um combo de 10 peças de apelo pop instantâneo, com levadas dançantes guiadas por potentes linhas de baixos e refrões grudentos, implacáveis aos ouvidos mais céticos. Afeitos à eletrônica, sintetizam techno, eletro e house com uma pegada ao mesmo tempo minimalista e grandiloquente, em que sobressaem as linhas vocais amplas e melodiosas de Tigs. Faixas como o single Play together, Karen, entre outras navegam entre beats pesados, sintetizadores pulsantes e linhas de guitarra dedilhadas repletas de colorido. No fim das contas, esculpido sob uma atmosfera que une crueza e sofisticação, Unicorn é uma coletânea de potenciais hits de pista, e que já vêm fazendo a festa de DJs, com uma série de remixes disponíveis pela web.

– Tentamos criar um disco com muitas dinâmicas, multifacetado, com camadas e níveis diversos. Algo que pudesse impactar já no primeiro segundo, mas que depois pudesse revelar certas sutilezas e detalhes numa escuta mais cuidadosa – explica a vocalista. – O disco tem uma série de delicadezas e manipulações sonoras que vão sendo descobertas aos poucos. Temos canções abertas e extremamente pop, assim como outras mais obscuras, que sugerem ao ouvinte momentos de maior introspecção.

Sob o aval da crítica e de bandas como os Killers – “Acho que abrir o show deles para mais de 20 mil pessoas no Hyde Park foi um dos pontos altos”, revela Tigs – a sonoridade calcada entre a luxúria dos 80 e o underground dos 90 já rende comparações com nomes como Yeah Yeah Yeahs, Gossip, La Roux e LCD Soundsystem. Mas Tigs não segue a risca da obviedade e prefere listar referências que navegam por outros corredores.

– Somos apaixonados por Pavement, Sparklehorse, Dinosaur Jr. e Yo La Tengo, ao mesmo tempo em que temos fascínio por discos que continuam a ser sampleados 20 anos depois, como os álbuns do Scritti Politti, Prince...

Além da sonoridade dos anos 60, dos clássicos de Neil Young, David Bowie, Fleetwood Mac… Produzido por David Kosten (Bat For Lashes) em parceria com o multiinstrumentista James Watkins ao longo de seis semanas, Unicorn ganhou as lojas sob a chancela do pequeno selo francês Kitsuné. Motivo de orgulho para uma cantora de feições pop mas de ímpeto absolutamente independente.

– Acho que termos seguido adiante sem contrato e o suporte de uma grande gravadora tornaram as coisas um pouco mais difíceis. Mas realmente não queremos dividir o controle da nossa banda. Além disso, estamos em outros tempos, modernos... Não temos que fazer nada que não seja do nosso agrado – afirma. – Por isso foi tão maravilhoso contar com David e James. Eles se tornaram inseparáveis durante a produção. Eu e James escrevemos todas as canções. Combinamos muito bem, apesar de eu preferir os shows e ele de brincar com botões. Ele é um gênio.

Antes de iniciar o grupo e de se trancar em estúdio, o trio havia deixado projetos anteriores de lado. A ansiedade experimentar novas possibilidades explodiu logo ao primeiro encontro. As primeiras 10 faixas compostas começaram a ser delineadas sem que houvesse um plano, um objetivo, uma sonoridade em comum a ser alcançada.

– Escrevemos o mais rápido que podíamos, porque passamos mais de um ano sem tocar. Tínhamos muita energia acumulada e muito material para vir à tona – lembra. – Não fazíamos a menor ideia de como deveríamos soar, mas sabíamos claramente o que não gostaríamos de ser, ou seja, uma dessas bandas de guitarra como o Bloc Party, Foals, Strokes... Queria dar vazão às coisas que haviam acontecido com a minha vida ao longo desse tempo sem tocar.

Tigs classifica Unicorn um disco de transição, mas nem por isso deixa de defender o álbum como uma peça fundamental de sua curta mas incensada trajetória.

– Escrevo ali sobre o meu crescimento, sob a perspectiva de realmente me sentir uma partícula pequena e solitária no meio do mundo – elabora.

– Mas no fim das contas, é maravilhoso saber que o disco vai permanecer vivo, extravasar a nossa existência. Até o fim dos tempos ele estará aí, disponível para quem se interessar em ouvir. Isso me conforta.

domingo, 11 de abril de 2010

Sergio Mendes - Bom tempo para o maestro

Aos 69 anos, Sérgio Mendes pode ser considerado o músico brasileiro em atividade com maior prestígio no exterior – e mais precisamente no mercado americano. Radicado nos Estados Unidos desde meados dos anos 60, o maestro, como é conhecido desde então na América do Norte, pegou carona na explosão bossanovista capitaneada pela santíssima trindade Tom, Vinicius e João, ganhou Grammy, encabeçou paradas de sucesso, apresentou-se em estádios, cerimônias do Oscar e em plena Casa Branca para os presidentes Lyndon Johnson e Richard Nixon. Fez de tudo para se tornar um dos baluartes da brazilian music mundo afora. Conseguiu. E agora celebra quase cinco décadas de carreira com o lançamento do álbum Bom tempo, seu 36º.

– Tudo começou com Stan Getz e Charlie Byrd com Astrud e João Gilberto tocando as músicas do Tom. Foi um dos mentores e um amigo – relembra Mendes, pelo telefone de sua casa em Los Angeles. – Depois veio o meu trabalho com Cannonball Adderley e Ron Carter, mais tarde Frank Sinatra e Ella Fitzgerald gravando com Jobim, David Byrne fazendo discos com músicos brasileiros, até chegarmos nos meus últimos trabalhos, Timeless e Encanto que atraíram uma série de jovens músicos americanos que amam a nossa música.

Como se sabe, o reconhecimento e a fama não são de agora, apesar de o músico ter tido sua importância reforçada a partir de meados dos anos 2000. Produzido em parceria com Will.I.ame lançado após hiato de uma década, Timeless (2006) redimensionou a grife Sergio Mendes, trajou com nova roupagem suas criações, reacendeu a carreira, renovou seu público e reapresentou as particularidades rítmicas e melódicas da música popular brasileira para milhões de jovens americanos – em sua maioria fãs dos maiores astros do pop e do hip hop americano. Isso porque, na ocasião, Mendes fora surpreendido com um convite feito pelo famoso produtor e líder do grupo pop Black Eyed Peas. Ao bater em sua porta, o americano carregava na memória os arranjos de Mendes e, debaixo do braço, uma coleção de vinis recheada por clássicos como Brasil'65, Sergio Mendes & Brasil'66, Equinox, entre outras gemas das décadas de 60 e 70.

– Timeless foi realmente um diviso de águas. A primeira surpresa foi descobrir que Will tinha todos os meus discos. Ele cresceu escutando o meu trabalho e nos tornamos bons amigos – diz. – Foi a partir dele que descobri que existia uma nova geração de artistas americanos que havia absorvido a minha música lá atrás. Foi muito importante descobrir esse interesse. E foi desse encontro que nasceu Timeless. Não foi nada programado, coordenado por gravadora, ou coisa parecida... Simplesmente uma porção de gente queria fazer parte do disco.

Uma porção de peso: de Will.I.am e sua parceira Fergie a astros pop como Justin Timberlake, John Legend, Erykah Badu e Black Thought, passando por antigos amigos como Stevie Wonder e recentes como Marcelo D2. A salada tropical contemporânea azeitada por Will e Mendes embalava o samba, a bossa nova e o flerte com o jazz sob as bases sintéticas do hip hop e do r&b. Puxado pela releitura de Mas que nada, o disco emplacou e moldou a estética que o artista seguiu em Encanto e que repete em Bom tempo, apesar de agora dar preferência a participação de mais artistas brasileiros, como Milton Nascimento, Carlinhos Brown e Seu Jorge.

– Depois desses dois discos notei uma grande renovação do meu público. A partir deles muita gente começou a redescobrir Brasil'66 e outros – explica. – Agora faço um disco mais brasileiro, recheado com artistas do Brasil. Alguns amigos de longa data, como o Milton e Carlinhos, que foi um dos grandes responsáveis por Brasileiro (1992). É um disco para cima, até porque foram grandes momentos.

Apesar de poucas visitas ao país, sendo a última há dois anos, Mendes tenta manter-se minimamente atento à produção musical nacional. E foi através de amigos que conheceu o trabalho e entrou em contato com Seu Jorge.

– Consegui entrar em contato com o Seu Jorge através do Mario Caldato – conta Mendes, referindo-se ao produtor brasileiro responsável por discos de artistas como Beastie Boys. – Gostei muito da voz dele e o convidei para duas canções. Recebo e compro discos, então estou sempre de olho no que as pessoas estão fazendo no Brasil.

Seu Jorge empresta seu vozeirão para canções escolhidas a dedo pelo arranjador, Maracatu atômico e Maracatu, nação do amor, de Moacir Santos.

– Eu tenho boas lembranças com Moacir por essa música. Toco ela desde quando tinha 17 anos e morava em Niterói – recorda. – Foi bonito ter o seu Jorge e a Gracinha (Leporace, sua mulher) nesta versão. Foi como o encontro com Marcelo D2, que faz uma música brasileira super contemporânea. Gosto de apostar em novos artistas, porque sempre dão uma energia extra ao disco.

O artista, que fez de sua discografia um mosaico contemporâneo, mesclando clássicos de Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Baden Powell, João Donato, Jorge Ben com versões para pérolas dos Beatles, Cole Porter, Michel Legrand, Burt Bacharach, entre outros, segue recriando peças marcantes do cancioneiro nacional. Aberto com Emorio, de João Donato, Bom tempo navega por releituras de peças consagradas do cancioneiro brasileiro, como Caminhos cruzados, Só tinha de ser com você e País tropical, além de uma nova versão para The real thing, escrita por Stevie Wonder especialmente para Mendes, para o álbum Sergio Mendes and the New Brasil '77; e a gravação de Caxanga, com a participação de Milton Nascimento.

– As participações foram incríveis. Brown é um percussionista sensacional. Tenho uma admiração enorme pelo trabalho dele e por isso o chamei novamente. Já Milton me fez uma surpresa. Depois de aceitar o convite ele veio com a ideia de fazer Caxanga, uma canção lindíssima que eu não me lembrava. A música tem um perfume especial, como tudo o que ele faz. Gostaria muito de voltar a tocar no Brasil. Quem sabe numa turnê com Brown, Milton, Seu Jorge... Só falta o convite.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Record Club - Beck e cia. recriam álbum clássico do INXS


New sensation

Já tem algum tempo desde que Beck fez do seu site oficial um laboratório musical aberto. No meio do ano passado ele começou a convidar uma série de artistas para colaborar com as gravações do projeto Record Club. A ideia do clube do disco é bem simples e instigante: pinçar álbuns clássicos de ícones como Leonard Cohen, Velvet Underground, Skip Spence, entre outros e regravá-los integralmente numa sessão de 24 horas num estúdio. Contando com brechas na agenda dos convidados, assim como na sua, Beck já reuniu ilustres e novatos, gente como Jamie Lidell, MGMT, Devendra Banhart, Feist, o elemento X do Radiohead Nigel Godrich, e mais um punhado de músicos. Sem ensaio ou arranjos pré-definidos, o que interessa é captar o frescor dos primeiros takes, a espontaneidade de uma recriação a partir da memória, o registro documental de músicos reunidos trocando referências sobre tais pérolas e nos dar a oportunidade de absorver novas dinâmicas para canções incrustradas há muito em nossos cerebelos e canais auditivos.

A última jornada recria o melhor disco do INXS (!!!), Kick (1987). No estúdio, como sempre, uma combinação inusitada: os roqueiros experimentais e barulhentos do Liars, a doçura folk de St. Vincent, o tropical Sérgio Dias (Os Mutantes) e, é claro, toda a versatilidade de Beck. Gravado em 12 horas, no dia 3 de março, as canções já começaram a pipocar em posts no site do músico. As sessões, geralmente bastante inspiradas, dessacralizam as obras e contrariam, é claro, os mais xiitas. Acima e abaixo, duas sensacionais releituras em vídeo:

Guns in the sky


E mais aqui: http://www.beck.com

domingo, 4 de abril de 2010

Phantogram - Do bucolismo rural ao caos da metrópole

Ao contrário do que parece, não é só do Brooklyn que explode a mais excitante produção musical do cenário americano. Entre os poucos mais de 20 mil habitantes da remota Saratoga Springs, cidade interiorana ao norte de Nova York, Sarah D. Barthel (voz e piano) e Joshua M. Carter (guitarra) – o duo Phantogram – catapultam um trabalho que une a placidez ao caos. Como se uma ponte de notas abolisse os quilômetros e as diferenças atmosféricas que separam a cosmopolita metrópole do recanto rural. Entre o trepidar veloz e crispado de beats eletrônicos, melodias fluidas e vocais enevoados, Eyelid movies, debute recém-lançado pela dupla, ressoa cada vez mais intenso nos centros urbanos dos EUA. Incensado pela crítica, assim como por artistas de destaque do cenário alternativo, como o Yeasayer, o grupo assina um trabalho cruzado por referências modernas e clássicas, mas que constitui uma paisagem sonora predominantemente futurista.

– Ainda estamos aprendendo a lidar com essa resposta, assimilando a ideia de que as pessoas estejam realmente curtindo o nosso trabalho depois de tanto tempo de experimentações. Fico ansioso porque temos muito mais trabalho para fazer e canções novas para mostrar – revela Carter.

Beats produzidos na fazenda
Antes do primeiro registro oficial e do contrato assinado com o selo Barsuk, o guitarrista transformou o celeiro da fazenda de seus pais num laboratório. Sentado ao piano, empunhado sua guitarra ou colado à tela do computador pilotando traquitanas diversas, trabalhou por três anos ininterruptos na construção de beats eletrônicos, linhas de bateria e guitarra, experimentando texturas e timbres inusitados. Após uma tentativa de carreira frustrada em Nova York, ele retornou ao interior e decidiu que era hora de avançar, a princípio sozinho.

– Quando voltei a Saratoga mergulhei em milhões de testes. Não que eu quisesse ser um artista solo, mas era o meio que eu tinha encontrado no momento – revela.

O isolamento, porém, durou pouco. Em poucos meses, Sarah regressava da universidade. Pianista e dona de um timbre vocal peculiar, não tardou até que as afinidades musicais se transformassem em canções.

– Começamos a sair juntos e decidi mostrar algumas coisas que eu vinha trabalhando – conta. – Eu sabia que ela tinha uma voz incrível e que tocava algumas coisas bem legais no piano. Ela aceitou colocar uns vocais numa música e ficou muito bom... Acho que a partir daí entendemos que estávamos começando uma banda. De lá para cá foi tudo muito rápido. As pessoas em Nova York começaram a falar sobre a gente. E agora é uma bola de neve.

Eyelid movies avança sobre a música neoclássica, krautrock, shoegaze, afro beat e uma porção de referências. Aliás, ao contrário de 9 entre 10 artistas, Carter faz questão de enumerar dezenas de músicos, artistas, produtores e cantores que fazem a sua cabeça e o ajudaram a esculpir a sonoridade entrecruzada do grupo.

– Nunca pensei na ideia de seguir um determinando gênero. O que importa é sugar o que é bom das vertentes mais diferentes, desde os Beatles ao My Bloody Valentine, do Sonic Youth ao Madlib – exemplifica. – Para ter uma ideia, quando eu era criança era fascinado por hip hop, Public Enemy e Beastie Boys. No fim da adolescência mergulhei em Pavement, Smashing Pumpkins, Beck, Nirvana... Acho que agora deixamos um pouco de lado essas influências. Temos escutado J. Dilla, David Bowie, Curtis Mayfield, Sparklehorse, Joy Division, Serge Gainsbourg, Flying Lotus.

Produzido pela dupla, entre 2007 e 2008, o disco foi construído sem pressa, ao longo de inúmeras sessões na fazenda do guitarrista.

– Ficávamos tocando horas e horas em cima daquelas bases, testando melodias e ideias. Era um quebra-cabeça fazer daquilo algo real, que pudesse ser tocado ao vivo. Apesar de também criarmos sozinhos, acho que as nossas canções preferidas são as que fizemos juntos. Foram feitas num estalo, fluíram naturalmente.

Mesclando sonoridades eletrônicas e orgânicas, o que se houve em faixas como Mouthful of diamonds, When I'm small, You are the ocean, entre outras, é uma atmosfera borrada e furtiva característica do dream pop. Mais do que criar sentidos bem definidos em seus versos, as canções assinadas pela dupla tencionam apagar a linha que separa o sonho da realidade, “aquele estágio inebriado logo que acordamos”, define. No álbum, isolamento e solidão dividem forças com momentos menos acinzentados, em que a banda visita referências mais dançantes e injeta colorido aos arranjos a partir de samples pinçados da black music. Entre o abstrato e o concreto, o Phantogram estrutura melodias suaves a partir de batidas secas e precisas.

– O nosso objetivo sempre foi criar um tipo de canção que gostaríamos de ouvir. Algo fresco e familiar, que pudesse inspirar as pessoas – diz. – Tenho uma imagem que ilustra bem o que fazemos. Imagino fios e alto-falantes surgindo em meio a sujeira e brotando como flores.

Em versos, arranjos e visualizações repletas de ideias opostas, elegem uma dualidade atemporal como elemento temático e sonoro central: o jogo entre a vida e a morte, intermediado pelo amor.

– Seria difícil escrever sobre qualquer outra coisa, porque é o que desperta a nossa sensibilidade. Existe uma carga emotiva e de honestidade muito forte nas nossas letras, mas mesmo assim acho que é um disco gostoso para se ouvir com fones ou durante uma viagem de carro pela estrada.

Veja essa: Mouthful of diamonds




E mais aqui: http://www.myspace.com/phantogram

sábado, 3 de abril de 2010

quinta-feira, 1 de abril de 2010

These New Puritans - O ataque dos gêmeos

Eles se autodenominam os novos puritanos e têm uma missão precisa: mexer com paradoxos. Quem se deixa levar por sua atmosfera multifacetada tende a definir o som do grupo como experimental ou vanguardista. E é tudo o que o líder do quarteto, Jack Barnett quer passar longe de ouvir – muito pelo tipo de desleixo, hermetismo e pretensão associados aos termos. Enquanto muitas das novas bandas inglesas trazem para dentro do estúdio a previsibilidade e para as páginas das revistas e jornais o ar blasé e descolado da pseudogenialidade, os gêmeos Jack e George Barnett fazem o contrário. Nerds, tímidos, feios e branquelos, assumem uma disciplina estrita, foco e rigor estético para produzir o que há de mais ousado no cenário musical britânico, o álbum Hidden, recém-lançado pela Domino Recording.

– Quando eu era mais novo adorava Lou Reed. Devia ter uns 8 anos e ficava imaginando como seria viver naquele mundo louco que ele descrevia nas músicas. Era legal, mas já passei da adolescência e acho que estamos a milhões de milhas de distância desse tipo de música – dispara Jack.

Percussividade tribal
Entre o pop e referências clássicas, entre a eletrônica e a percussividade tribal, ao lado de Thomas Hein (baixo, bateria e samplers) e Sophie Sleigh-Johnson (teclados e samplers), a dupla de irmãos cria em Hidden uma narrativa musical de estrutura inusitada, mas ainda assim instigante e imediata.

– Tenho escutado tudo de Benjamin Britten. Ele é incrível, ao mesmo tempo estranho e completamente direto. São qualidades musicais que eu realmente admiro – comenta Jack, a respeito do compositor, maestro e pianista inglês – Gosto de escrever sobre acontecimentos ou situações não muito claras, escondidas, inexprimíveis, sem a preocupação de fazer com que as pessoas assimilem instantaneamente uma ideia ou outra. Quero estabelecer uma narrativa entre as canções.

Afastados do hype e indiferentes à lógica radiofônica de hits e à corrida industrial e pelas paradas de sucesso, tratam este segundo trabalho como peça de uma engrenagem maior.

– Ainda enfrentamos muita resistência, conseguir sobreviver nesse cenário é o nosso maior desafio. Já houve épocas melhores para se fazer música – afirma o vocalista. – Bandas novas, especialmente aquelas que não se encaixam no pop têm sofrido bastante. Mas tivemos sorte de assinar com a Domino e, principalmente, de eu ter tido coragem de pegar o telefone e ligar para marcar o nosso primeiro show. É muito importante começar fazer as coisas se tornarem reais.

Coproduzido por Graham Sutton (Bark Psychosis e Boymerang) e mixado em Los Angeles por Dave Cooley (Madvillain e J Dilla) Jack compara o processo de gravação de Hidden a uma operação militar. Metódico, escreveu todas as seções de sopro, percussão e arranjos vocais antes de entrar em estúdio. Apesar do pragmatismo autocentrado, o que se ouve é uma miríade de possibilidades sonoras, e não um trabalho hermético.

– Foi complicado gravar o disco, precisamos nos organizar muito. Fazer música não é algo difícil. Ao contrário, é sempre muito divertido, mas gravar é diferente – observa Jack. – É muito estressante tentar fazer justiça às ideias.

Antes de acionar o rec, Jack e o produtor realizaram um tour de force de experiências numa loja de ferramentas. Nas potentes Attack music e Fire-power, ouvem-se a estridência de facas sendo afiadas, correntes de ferro chacoalhadas, e o corte seco de um machado atravessando um melão recheado com biscoitos.

– Queríamos simular as técnicas usadas em trilhas sonoras de cinema. Sempre achei que os discos não têm o mesmo crispado, o relevo das músicas dos filmes.


Fascinados pelas possibilidades rítmicas, alugaram um imenso galpão para captar o rufar estrondoso dos grandes tambores taiko, normalmente usados em cerimônias japonesas. No disco, o grave imponente das peças se mistura a sopros de madeira e metais um tanto quanto exóticos, gravados durante uma viagem a Praga, na Polônia.

– Os tambores eram gigantescos, e tivemos que transportá-los num caminhão. O problema é que eles cabiam no estúdio, então precisamos alugar um galpão. E foi sorte, porque a acústica era maravilhosa e eles soaram ainda mais grandiosos.

Após toda milimétrica logística, o grupo levou ínfimas seis horas para registrar a outra metade do álbum dentro do estúdio.

– Foi muito interessante trabalhar sob essa perspectiva de que tempo é dinheiro – reconhece Jack. – Sem aquela autoindulgência de ficar seis meses em gravações intermináveis.

Misturando partes desconexas com a ajuda de um sequenciador, ou rabiscando diagramas para combinações improváveis, Barnett lançou mão de uma série de técnicas próprias para mesclar a sonoridade fake do universo dancehall e do pop americano com a organicidade de gravações orquestrais. Entre o barroco e o futurismo, os puritanos do novo milênio assinam uma libertinagem sonora altamente moralizante.

– Tinha ideias absolutamente contraditórias para ligar. Escrevi músicas para instrumentos de sopro de madeira, assim como trechos super agressivos e hiperrealistas. Decidi que deveria quebrar todas as barreiras e fazer com que essas referências coexistissem. Quero unir o ancestral à última novidade.

Veja: Attack music




Veja: We want war



E mais aqui: http://www.myspace.com/thesenewpuritans