NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Guizado - Sopro novo e ancestral em 'Calavera'

Vozes e sons enfumaçados ecoam das profundezas de uma floresta tropical, urros entrecruzados decolam no espaço e remetem a antigos rituais latinos, enquanto embalos percussivos se misturam a beats eletrônicos e levadas afro. São algumas dessas particularidades – e muitos outros molhos – que compõem a sonoridade ao mesmo tempo ancestral e moderna salpicada pelo trompete do paulistano Guilherme Mendonça, vulgo Guizado. Para os mais atentos ao que acontece na nova música brasileira, sua alcunha é carimbo fácil de ser encontrado, impresso nos créditos de dezenas dos mais interessantes títulos lançados atualmente. Após emprestar seus dotes a nomes como Céu, Nação Zumbi, Cidadão Instigado e Karina Buhr, entre muitos outros, Guizado decidiu dar sopro criativo em benefício próprio. Em 2008, arremessou na praça o experimental e urbano Punx, e agora, dois anos depois, dispara na rede o tropical e onírico Calavera – disponível para audição e download gratuito através do portal Trama Álbum Virtual.

– No primeiro disco eu estava muito envolvido em descobertas eletrônicas. Escutava muito Kraftwerk, o pessoal do hip hop de vanguarda, underground, ligado ao instrumental, como os caras do Prefuse 73... – enumera Guizado, em entrevista por telefone, de sua casa no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

Guizado elegeu o trompete por acaso. Aos 16 anos, já dedilhava sua guitarra, mas sensibilizou-se pela engenhoca de metal que viu largada no canto da casa do avô de um amigo. Sócio de um pequeno sebo, começou a riscar as bolachas de Miles Davies, Dizzy Gillespie na vitrola de casa. Perseguia as notas como num rito, mesclando disciplina e intuição. De lá até o primeiro álbum, criou novos fetiches. Vasculhou sintetizadores e máquinas antigas, aprendeu a usar o Game Boy para programações e tratou de processar e manipular eletronicamente o som do seu trompete. Apelo que marca sua carga autoral e criativa.

Punx é o resultado do que eu vinha tocando ao vivo. As músicas eram mais desconectadas, com muitas colagens, enquanto Calavera é um passo à frente. Decidi criar um fio condutor para o disco.

O tal fio a que se refere o músico ganha liga não apenas através dos arranjos instrumentais que trafegam por rock, jazz, eletrônica, dub e muitas outras praias. A eles, Guizado adiciona letras e linhas vocais, cantando pela primeira vez em um de seus trabalhos. Para a empreitada, recrutou o amparo de vozes femininas: Céu e Karina Buhr.

– A ideia é tentar ser o mais direto possível, estabelecer um equilíbrio maior entre a comunicação direta e o abstrato – explica. – Acho que a letra tem esse papel, entre outros. Escutava Pink Floyd e me ligava sempre no instrumental. Até que me caiu a ficha de que o vocal poderia também soar como um instrumento, servir como um respiro. Céu e Karina me ajudam a construir essa ideia, e têm funções bem distintas no álbum.

Em seus versos, Guizado passa longe de um contador de histórias, de um narrador de experiências próprias ou alheias. Sua lírica carrega uma gênese visual, lisérgica. Serve como adorno, sempre revestida por efeitos diversos.

– Ao mesmo tempo em que compõem sentidos e passam mensagens, as vozes criam um clima. Procurei palavras que fortalecessem essa intenção, por isso privilegiei as vogais, os sons abertos. Busquei o som das palavras, mas sem perder o significado poético.

Além dos vocais e de seu trompete guiando cada uma das faixas, o músico pilota traquitanas diversas no disco. Teclas vintage como Minimoog, Júpiter 6, SH3A e Wurlitzer garantem colorido especial a Calavera, constituído sob inspirações orquestrais traçadas por nomes como Henry Mancini, Herb Albert e Tijuana Brass, assim como pelo trompete malicioso do mexicano Rafael Méndez (1906-1981). O elo entre a sonoridade erudita e as melodias popular, folclórica e carnavalesca conduz a uma viagem sem fronteiras bem definidas. Guizado explora conexões entre tradições musicais aparentemente descoladas, e, depois, as atrela ao porto seguro da música brasileira.

– O disco é o resultado de muitas viagens, comecei a conhecer melhor a música feita em outros lugares.

Canções como O marisco nasceram em algumas dessas escapadas da capital paulista.

– Ela tem um clima de praia, mais leve... Foi feita numa viagem – conta. – Entendi que as culturas mexicana, hispânica e latina traçam um elo com a música do Carnaval de Olinda, por exemplo; aquelas melodias tristes, em tom menor. Achei essa influência na música dos Balcãs e dos mouros também. Foi importante encontrar traços dessas culturas no Brasil. O trompete é muito rico nesses países.

Calavera – caveira em espanhol – não exibe o batismo hispânico em vão. Fascinado pelos cultos populares, em especial a Festa do Dia dos Mortos, celebrada no México, Guizado mergulhou em terrenos desconhecidos para imergir transfigurado, de corpo intacto e alma renovada.

– Buscava uma autenticidade maior. Existe uma razão espiritual para o título do álbum. Os mexicanos celebram o mistério e o desconhecido de forma festiva. Quis mergulhar ainda mais para dentro de mim, mas também me conectar ao cotidiano. É uma espécie de paradoxo. Uma vontade de entrar no mundano, viver essa festa, mas manter a espiritualidade. Sem negar qualquer um desses lados.

Ouça e baixe 'Calavera' aqui:
http://albumvirtual.trama.uol.com.br/

E mais aqui:
http://www.myspace.com/guizado

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Vincent Moon, The Take Away Shows - Música para os olhos

Em abril de 2006, o estudante de fotografia Vincent Moon sentava-se num bar ao lado da estação de metrô Porte de Clignancourt, em Paris, para tomar uma cerveja com os músicos da The Spinto Band. Além da sua inseparável mochila, carregava uma câmera na mão e não muita coisa ventilando a mente. Naquela tarde, fundava, sem saber, o primeiro Take Away Show, espécie de videocast produzido artesanalmente para ser postado num site de música criado por um amigo, o La Blogothèque. Além de servir como diferencial ao portal, criado no momento em que o YouTube começava a engatinhar, a ideia se baseava em um interesse simples e particular, o de “dividir um momento íntimo e musical com meus artistas preferidos, fingindo estar fazendo algo profissional e importante" – como resume o próprio Moon. Quatro anos depois, o videomaker conseguiu fazer com que todos levassem sua aventura a sério. E o site já ultrapassa a marca dos 100 pequenos “documentos musicais vivos”.

– Eu trabalhava em algumas ideias bem lo-fi, procurando filmar de um jeito que eu não via por aí, buscando transmitir uma intimidade autêntica com os músicos – conta Moon, durante uma rápida parada em Paris, recém chegado de uma viagem à África. – Assisti ao primeiro show que o Arcade Fire fez na França. Eles terminaram a apresentação tocando no meio da rua, e aí tive a ideia de filmar música ao vivo, mas fora do palco.

Numa época em que supreproduções à Lady Gaga não param de estender sua dominação em massa, valendo-se do poder interativo proporcionado pela internet – primordialmente do YouTube, ferramenta concebida, originalmente, para estimular a produção de vídeos independentes, caseiros e particulares – Moon atira para um caminho oposto. Aposta num retorno da experiência musical à essência. Desnuda os artistas aos quais mira sua câmera, retirando-os de seu contexto habitual, ou seja, os palcos das casas de shows.

Alterando o formato de suas canções, Moon registra takes acústicos ao ar livre. Pode ser em meio ao trânsito caótico de uma grande cidade, ou num vagão lotado de metrô. Pode ser na sala de estar da casa de um amigo, numa praça pública, num parque ou outro descampado qualquer. Tanto faz: o que interessa é encontrar um ambiente inusitado, inexplorado e sujeito a oferecer surpresas e riscos que seriam vetados por qualquer grande produção ou equipe de marketing de uma grande gravadora. Valendo-se da portabilidade da tecnologia digital, resgata o que há de essencial e mais cru no ato de se entoar uma canção: a vontade de encantar o outro.

– Uso minha câmera para expandir os limites criativos desses artistas – enfatiza. – Voltar ao básico. Alguém que pega uma guitarra para tentar tocar uma música. Tentar! Acho que a minha experiência como fotógrafo, de sair pelas ruas sozinho, à noite, tirando fotos sem permissão, influenciou bastante a forma como direciono a câmera.

Pesquisador insaciável
De lá para cá, tanto o La Blogothèque como Vincent Moon tornaram-se referência instantânea entre os caçadores de música alternativa, indie ou experimental. Apaixonados em descobrir novos e desconhecidos nomes, Moon é um pesquisador insaciável, que se deixa levar pelo fascínio do desconhecido, o que está escondido no underground e nos subterrâneos. Isso pode parecer estranho a quem acesse o seu site e veja circular vídeos de nomes já estabelecidos, como Wilco, Mogwai, Grizzly Bear, Animal Collective, Phoenix, Yeasayer e Arcade Fire – para quem produziu um documentário, cujo corte final lhe desagradou e o afastou da banda. Mas um olhar atento às datas mostra que Moon captou as imagens antes ou no começo da explosão desses artistas. O documentário dirigido para o Arcade Fire, Miroir noir, é, ao mesmo tempo, um dos melhores momentos de suas peregrinações e uma de suas maiores frustrações.

– O filme saiu, mas não a minha versão, porque houve um problema terrível no meio do processo. O empresário deles me ameaçou uma porção de vezes. Quis me demitir sem pagar por nada do que eu havia feito. Acabou saindo um filme muito estúpido, e eu me neguei a ser creditado por aquilo. Eu tenho aprendido muito trabalhando com essas grandes bandas, e vendo como eles colocam suas decisões mais importantes na mão de pessoas inescrupulosas.

A qualidade da fotografia e da direção do Moon, porém, não deixou de despertar a atenção de nomes fortes do mainstream – caso do R.E.M., que cresceu com os dois pés fincados na música alternativa, e requisitou o jovem diretor para captar as imagens de clipes e documentários.

– Eu não me interesso por filmes sobre música 99% do meu tempo, assim como também não me interesso por filmes em geral, com a exceção de uma coisa ou outra. Acredito que o sucesso desse projeto aconteceu porque o fizemos num momento em que as pessoas precisam se reconectar com a ideia de intimidade, com o intimismo. Precisamos de uma mudança radical.

“Como permanecer pequeno?”

Assim como para muitas das bandas alternativas retratadas no La Blogothèque, o maior desafio encarado por Vincent Moon é evoluir, ampliar seu poder de influência, mas sem perder a integridade. No seu caso, isso significa o caráter artesanal de seus takes, o frescor e a intimidade de suas abordagens. Uma carga autoral que se apoia na quebra de dois preceitos: o distanciamento e o jogo de poder e dominação travado entre quem filma e quem é enquadrado.

– O grande desafio para muita gente hoje em dia é justamente esse: “Como permanecer pequeno? Como eu posso refutar a ideia de ficar maior?” – acredita o diretor. – Eu não falo aqui em me negar a crescer. Eu quero que o meu trabalho cresça, mas que ele mantenha o processo tão nu e cru quanto é desde o início. Meus filmes foram feitos sem dinheiro algum. E até hoje eu não ganho grana com a maioria deles... Não me interessa ganhar.

Música e imagem
Defendendo sua tese de entrega à pessoalidade, à ideia de proximidade entre espectador e artista, Moon descarrega sua metralhadora teórico-instintiva contra o modelo de negócios das grandes gravadoras, assim como na qualidade e no formato dos vídeoclipes produzidos atualmente. Confessa que já foi fã dos trabalhos de Gondry, Cunningham e Jonze, mas apenas porque “era fascinado pelos truques de câmera”. Influenciado por fotógrafos como Michael Ackerman e Antoine D'Agata, e filmes como Step across the border, de Werner Penzel e Nicolas Humbert, Moon se aferra à tentativa de construir um diálogo equilibrado entre peças de mesmo peso: música e imagem.

– Hoje em dia não suporto assistir a nada disso. Eu realmente não entendo porque as pessoas ainda fazem vídeos tradicionais – critica. – Sim, eu sei que faz parte de um antigo modelo de venda de música, mas me sinto completamente distante desse mundo. A sociedade não precisa de vídeos como esses, não mesmo. Eu não assisto a esses filmes, como não vejo os meus. Eu não entendo porque ainda queremos fazer mais imagens. Acho que atingimos a saturação. Mas ninguém nota, e à medida que fazemos mais imagens, em primeiro lugar, não criamos imagem alguma, e, em segundo, devastamos nossa cultura espiritual. Penso em parar todos os dias, mas o processo é tão bonito que eu continuo.

Em paralelo às filmagens de bandas alternativas para o Take Away Shows, Moon realiza série musicais retratando cenas e manifestações culturais espalhadas por diversas cidades e países do globo. Recentemente, circulou pela Tanzânia, Nova Zelândia, Japão, Chile e Buenos Aires, mas em seu site oficial (www.vincentmoon.com) e em seu blog pessoal (http://fiumenights.com) constam séries, experimentos e documentários que não são veiculados no Take Away Shows. Andarilho, não fixa o ponto em Paris. De cidade em cidade, joga-se na estrada, em aventuras constantes e vivências que, com o passar dos anos, costumam embotar e restringir suas lembranças.

– Tenho viajado pelo mundo, procurando por novos sons. Interesso-me por coisas que eu nunca escutei antes – explica. – Estou há mais de um ano sem casa, com as mesmas mochilas cheias de computadores, câmeras, microfones e algumas roupas. É uma experiência incrível poder experimentar o mundo dessa forma. Fazer filmes é apenas um pretexto para encontrar pessoas e dividir com elas um momento. Eu aprendo tanto vivendo na estrada! Por mais que isso soe banal, é a verdade. Eu construo a minha personalidade como uma tentativa de escape de quem eu sou. Então, todos os dias eu me forço a explorar novas sensações, filmar em novas situações. O único problema é que desse jeito a minha memória se desenvolve de um jeito muito parcial. Acho que é por isso que eu não paro de filmar... Filmo para recordar. É o principal motivo.

Alguns clássicos do Take Away Shows
Arcade Fire, 2007:



Yeasayer, 2008:


Fleet Foxes:


E muito mais aqui:
http://www.vincentmoon.com
http://vimeo.com/temporaryareas
http://www.blogotheque.net/-Concerts-a-emporter-?lang=en
http://www.temporaryareas.com
http://fiumenights.com

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Hole, Placebo, Goldfrapp, N*Grandjean e Julieta Venegas

Hole - Skinny little bitch:

Hole - Nobody’s daughter:
Ao anunciar Nobody’s daughter como o seu melhor trabalho, Courtney Love não só esquece a melhor parte de sua não muito extensa e significativa obra como compositora, como mente de forma deslavada – bem do seu feitio. O novo disco espelha uma caricatura canhestra da sonoridade cunhada nos anos 90. Os vocais gritados rangem fortes como antes, mas ventilam banalidades por melodias pouco inspiradas, algumas delas criadas em parceria com Billy Corgan, que também não atravessa a melhor de suas fases. Aí em cima ela ainda dá conta do recado, mesmo cercada por uma banda bem mais ou menos.


Placebo e Pixies - Where is my mind:

Placebo - Covers:
Lançado em 2003 como um álbum bônus, Covers joga luz em versões que prestam tributo a clássicos dos Pixies, The Smiths, Serge Gainsbourg, Depeche Mode, entre outras referências musicais do trio. Lançadas como singles ou lados-b, e gravadas em sessões espaçadas por anos, as peças aparentemente desconexas revelam os apelos melódicos que guiam a carga autoral da banda. Destaque para Where is my mind, gravada ao vivo – e uma das maiores canções dos anos 90.

Goldfrapp - Alive:


Goldfrapp - Head first:
Catapultado após o lançamento de Supernature (2005), o Goldfrapp conduz um revival da sonoridade pop oitentista neste quinto álbum. Orientado para as pistas de danças, apoia-se na diversidade de texturas conduzidas pelos sintetizadores de Will Gregory para criar faixas de apelo instantâneo, que bebem de referências como Roxy Music e ABBA. Mais urgentes que nunca, navegam por letras e arranjos que beiram a fantasia.

N*Grandjean - Heroes and saints:


N*Grandjean - Carrying stars:
Alinhado entre o folk, o pop e o indie rock, o dinamarquês Nikolaj Grandjean passeia pelo terreno cruzado por nomes como Damien Rice, tanto musicalmente como por sua figuração em trilhas globais. Adornadas por arranjos minimalistas, que valorizam sua voz suave, as melodias arredondadas do autor se encadeiam em bom fluxo, fazendo de Carrying stars uma surpresa agradável, apesar de certa previsibilidade.

Julieta Venegas - Otra cosa:
Guiada por arranjos de feições eminentemente acústicas, tratados com piano, cordas e violões, assim como outras em que guitarras e beats eletrônicos dialogam, a mexicana Julieta Venegas assina um trabalho bem amarrado conceitualmente, mas que patina em algumas melodias insossas. Salvo exceções, como Revolución, carece de uma carga autoral mais pungente. Dona de boa voz, é pena que passeie por terrenos sonoros tão seguros. Ouça Revolución aqui: http://www.youtube.com/watch?v=y3S9HryMlAI

Stone Temple Pilots - Dever de casa feito, nada mais...

A mais versátil e camaleônica das bandas surgidas no rastro da explosão grunge – na Seattle dos anos 90 – volta à cena com um trabalho que não supera nenhum de seus cinco álbuns precedentes. Apesar da ressalva, Between the lines não deixa de reservar boas surpresas: os vocais granulados de Scott Weiland soam mais à frente na mixagem – um pouco menos comprimidos e escondidos por trás das guitarras distorcidas de Dean De Leo – enquanto seus versos navegam por esferas mais amplas que as temáticas referentes à luta contra o vício das drogas, suas conturbadas relações amorosas com modelos sanguessugas, sua família desestruturada e à onipresente carga autodestrutiva cravada em todas as suas criações.

Inspirado por Bob Dylan e Leonard Cohen, arrisca-se em contar histórias e não apenas baseadas em suas obsessões, seu narcisismo exacerbado, confessional e autorreferente. Se a intenção é boa, algumas das faixas carecem justamente do apelo visceral, tripas abertas, inconsequente e alucinado que consagrou seu estilo dentro e fora dos palcos. Afastado do STP desde 2003, Weiland passou os últimos anos à frente do Velvet Revolver, por onde gravou dois álbuns – o ótimo Contraband o mediano Libertad. Este último, escrito sob a carga pesada da morte do irmão, por overdose, fez com que Weiland se deixasse levar novamente pela espiral decadente do consumo de drogas. Expulso da banda por Slash e Duff Mckagan, gravou seu segundo disco solo, “Happy” in Galoshes até que uma ação movida pela Warner o lembrou de que devia à gravadora um novo disco com sua banda original.

Novamente ao lado de Eric Kratz (bateria), e os irmãos Robert e Dean De Leo – responsáveis por baixo e guitarra, além de todas as composições – reuniu-se apenas virtualmente com os antigos parceiros para registrar estas 12 novas faixas. Gravadas em estúdios separados – Weiland escreveu letras e criou suas linhas melódicas sozinho – as novas canções navegam por estilos diversos, mas em nenhum momento a variedade de gêneros e dinâmicas responde por criações ousadas, imersões psicodélicas e certeiras no universo mais pop, o que sempre emprestou ao grupo um colorido e um frescor que nenhuma das bandas grunge alcançou.

Between the lines flerta com o country, com o folk, com o rock britânico e, sim, com o pop radiofônico, mas sempre impregnado por riffs distorcidos, baixos pulsantes e baterias secas, sem grandes concessões.Configura-se um STP essencialmente rock, mais linear, menos esquizofrênico e, talvez por isso, mais careta e cansativo.

Musicalmente, propõe um retorno às raízes, mas não apenas àquelas que sintetizaram o grunge como a junção da urgência punk e o peso do metal. Riffs à Led Zeppelin, dinâmicas melódicas e vocais que remetem ao Aerosmith, entre outras referências sugerem um mergulho no hard rock que invadiu os EUA nos anos 70. Apesar da inevitável tintura Beatles em alguns trechos, o quarteto deixa de lado um de seus maiores trunfos: a sensibilidade aguçada de Weiland para criar baladas e refrões açucarados, como os assinalados em clássicos como Sour girl, Lady picture show, Creep e Plush. Do balaio, o destaque fica por conta da faixa-título, a entorpecida e inflamável Between the lines.

Veja Between the lines ao vivo:




E mais aqui: http://www.myspace.com/stonetemplepilots

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ben Harper & Relentless7 - Deslubrado com a potência do rock, deixa de lado a sutileza do soul

Nem sempre as mudanças estéticas concebidas por um artista agradam aos fãs. O que geralmente ocorre quando a ruptura com o padrão sonoro estabelecido passa a navegar em frequências e gêneros tão distantes quanto, por exemplo, o funk carioca está da tradição musical nipônica. O caso de Ben Harper não espelha a hipótese. Guitarrista fincado nas raízes do blues e cantor atrelado aos maneirismos vocais dos soulmen, Harper criou um repertório cuja tinta roqueira esteve sempre ao redor, mas nunca em primeiro plano. Isso até que o músico prestasse atenção à fita demo entregue por um guitarrista texano chamado Jason Mozersky alguns anos atrás. Impressionado, Harper se juntou a Mozersky e seus companheiros de banda, o baixista Jesse Ingalls e o baterista Jordan Richardson para formar o Relentless7, power trio que o acompanhou no álbum White lies for dark times (2009) e que lança as bases musicais deste DVD gravado ao vivo no Montreal International Jazz Festival. A direção afunilada ao rock, porém, não responde pelo melhor momento de sua carreira.

O registro peca pela excessiva carga de distorção e agudos arremessados pela guitarra de Mozersky. A estridência, fluidez precária e a pouca criatividade de seus solos fartam os tímpanos em poucos minutos. Harper, que impulsiona sua steel guitar apoiada sobre o colo com maestria, chega a lançar olhares para o parceiro de palco quando este exagera, mas, logo depois, volta a fazer graça, mostrando ao público que o arsenal de notas escandalosas expulsas pelo guitarrista faz parte de sua nova fase. O trio que cerca Harper abusa da força e carece de sutileza, respeito à evolução de dinâmicas, ou, numa palavra, feeling.

O baterista Jordan Richardson espanca seu kit como se não houvesse amanhã. Impressiona pela agilidade, apesar dos quilos a mais ostentados. Mas também a ele falta algo de essencial. O baixista Jesse Ingalls oscila entre lampejos de brilhantismo e outros em que suas linhas de baixo parecem desconectadas da levada rítmica. A análise dos músicos que o rodeiam é inevitável. Desde 1997, Harper era acompanhando por um combo de dar inveja. Formado por Oliver Charles (bateria), Leon Mobley (percussão), Michael Ward (guitarra), Jason Yates (teclado) e o “monstro” Juan Nelson (baixo), sua ex-banda de apoio, The Innocent Criminals era responsável pelo baile ou banho de musicalidade negra oferecido nas apresentações ao vivo do músico.

Harper, que esteve no Brasil por três vezes, fez da sua última apresentação no Citibank Hall uma aula de sensibilidade e um tributo às mais diversas vertentes da música black. Neste registro em Montreal deixa claro o quanto a restrição a um repertório calcado no blues rock reduz o seu potencial criativo e o magnetismo de sua performance. O DVD se concentra no único álbum lançado com o Relentless7 e ignora todos os hits acumulados ao de oito discos lançados, como With my own two hands, Diamonds on the inside e Waiting for you.

Em 2006, Harper havia lançado o surpreendente Both sides of the gun, álbum duplo focado num repertório soul e rock, como num cruzamento entre Otis Redding e Rolling Stones da era Beggars banquet. O álbum seguinte, Lifeline, evidenciava certo desgaste em sua linhagem musical. Era preciso renovar. A tentativa com o Relentless7 originou um álbum de sonoridade genérica. E desemboca agora numa apresentação quente, mas que não se iguala a outros registros ao vivo do músico. Mais do que sua magnificência instrumental ou versatilidade captada dentro do estúdio, a música do americano sempre foi melhor apreendida ao vivo. Não à toa, este é o quarto registro do tipo. A expressividade corporal, as sutilezas da interpretação e seu carisma sempre saltaram aos olhos frente à plateia, mas são justamente estas qualidades que faltam neste lançamento.

Live from Montreal - Why Must You Always Dress in Black / Red House




E mais aqui:
http://www.myspace.com/benharper
http://www.youtube.com/user/benharper

terça-feira, 18 de maio de 2010

Rodrigo Maranhão - Passageiro entre o mar e a mata

Dizem que é bicho do mato, que se isola na toca para tocar e curtir o silêncio. E nada disso é muito distante da realidade. Longe do caos urbano, Rodrigo Maranhão mora com a mulher e seus dois filhos numa casa isolada, no bairro do Itanhangá, e faz da quietude florestal que cerca o lugar o adorno maior de suas canções. Entre a força do mar e a exuberância das matas, o cantor e compositor passeia com desenvoltura pelo manancial da música popular brasileira. Não à toa, seu novo trabalho leva o título de Passageiro: “Abro novos caminhos e possibilidades e me sinto um passageiro mesmo, como todos nós”, compara o músico. Nascido e criado entre o caos de Copacabana (“no meio daquela malandragem da Sá Ferreira”) e a calmaria da serra (“todo ano eu passava uns quatro meses por lá”), Maranhão parece ter optado pela serenidade como estilo de vida e pela quietude como concepção artística ideal.

– Moro aqui na roça, saio pouco de casa e alimento essa lenda de que moro na floresta, o que não é mentira – diverte-se o compositor, lançado por vozes femininas como as de Maria Rita, Zélia Duncan e Roberta Sá. – Minha casa é cercada por árvores, fico ouvindo o canto dos passarinhos, tranquilo. Saí da Zona Sul e fiz uma casa no terreno que era do meu avô. Acho que tudo isso interfere na criação, porque me considero uma espécie de cronista, mesmo que seja meio psicodélico ou um cronista da alma... Falo do que eu vivo. E estou curtindo muito estar em casa, os meus filhos, viver da forma mais simples possível.

É o que leva a crer canções como Valsa lisérgica e os versos de Camaleão: “posso dominar o mundo, eu não” e “eu só que o meu lugar, aqui”. Após o lançamento de Bordado (2007) – celebrada estreia solo, carregada de tintura ocre e sonoridade agreste – ele agora cruza marés e se permite navegar por correntes diversas. Descobre fontes, nascentes e desemboca numa musicalidade que presta tributo – mesmo que inconscientemente – a mestres como Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, João Gilberto, Tom Jobim, entre outros.

– É uma bênção ser músico no Brasil e partir de um nível tão evoluído. As influências de Gonzaga, Caymmi, Tom, entre vários outros estão entranhadas – constata o fundador do grupo Bangalafumenga. – Eu percebo essas marcas depois que as canções ficam prontas. Fiz Camaleão e quando terminei vi que Caetano poderia ter feito. Samba quadrado tem a cara do Chico, Samba pra vadiar é o Caymmi carioca, assim como Um samba pra ela é Velha Guarda da Portela. Mas é claro que eles fariam muito melhor.

Mesmo sem data definida para o show de lançamento no Rio, Maranhão já planeja viagem ao exterior. Neto de português, sonha voltar ao país. E não é à toa a participação do fadista António Zambujo em Quase um fado. Depois de conhecer as canções do músico quando percorria de carro a estrada que liga Lisboa ao Porto, Maranhão encontrou-se com Zambujo após um show numa de suas três estadas na terrinha.

– Carrego uma carga lusitana muito forte. Desde pequeno ouvia as histórias do meu avô, que sempre se emocionava ao falar de Portugal, sobre as travessias marítimas... – recorda. – Ficava imaginando visitar o país com ele um dia, o que infelizmente não foi possível. Então, foi um presente duplo ter conseguido apresentar o meu disco lá e depois ter conhecido o Zambujo. Fomos jantar na casa de uns amigos, tomamos vinho e numa hora eu peguei o violão, comecei a mostrar umas canções, e acho que ele gostou. Acabou gravando duas, e o convidei para participar do meu disco.

Em Passageiro não há atropelo de notas, choque de instrumentos ou acidentes de trânsito. Tudo segue um fluxo próprio sem interferir no caminho alheio. Mas isso não impede que se diga que o maior trunfo do álbum é justamente a conversa entre os instrumentos. Em torno das 12 faixas, cada um deles parece aguardar a vez para sentar-se ao redor do violão dedilhado por Maranhão. O instrumento define a base das sinuosas assinaturas do músico.

– Às vezes você abre uma música com mais de 30 instrumentos e não consegue ouvir nada. Quando você coloca uns quatro para conversar e eles se entendem bem, é o ideal.

A conversa entre os instrumentos é fundamental nesse disco. Combinando sofisticação e crueza, Maranhão cerca-se da percussividade ancestral da música afro-brasileira assim como pelos sofisticados arranjos de cordas desenhados por Leandro Braga. De sonoridade cristalina, Passageiro facilita a absorção de cada contorno melódico. Minimalista, Maranhão atua como um artesão cuja matéria-prima é a mais básica possível.

– Acredito na filosofia de que menos é mais em muitos momentos da música. Tudo parte do violão, e quem consegue falar com ele entra na história. Ao optar por arranjos enxutos, valoriza o talento de instrumentistas que “são realmente um dream team”, elogia.

O orgulho responde pela percussão de Marcos Suzano, Marçal e Pretinho da Serrinha, pelos sopros de Zé da Velha, Andrea Ernest Dias e Zé Nogueira (produtor do álbum), as cordas arranjadas por Leandro Braga, além de outros craques como Marcelo Caldi, Ricardo Silveira e Siba.

– Depois que um cara como o Marçal coloca a percussão você tem pouca coisa a acrescentar – enaltece Maranhão. – Toco violão, cavaquinho e percussão, são instrumentos muito íntimos e que já haviam aparecido em primeiro plano em Bordado. Quando me propus a trabalhar com o Zé Nogueira me abri às novidades que ele trouxe. Queria oxigenar, porque o primeiro é centrado no meu universo, atrelado ao Bangalafumenga. Quis separar as coisas. Na música você não precisa ter essa fidelidade, e eu queria trabalhar com alguns dos meus ídolos.

Samba pra vadiar:

Rodrigo Maranhão - Samba pra vadiar by luizfelipereis

sábado, 8 de maio de 2010

Lissie empresta fôlego renovado à música folk, country e gospel

Empunhando uma inseparável Fender Telecaster como escudo, aos 26 anos Elizabeth Maurus mergulha fundo nas raízes musicais da América e volta à tona para emprestar fôlego renovado à música folk, country e gospel. Melodista aguçada, e dona de timbre ao mesmo tempo áspero e cristalino, extrai peças harmônicas que já fazem a cabeça de gente graúda do mercado fonográfico assim como de músicos destacados do cenário alternativo americano. De apelo pop instantâneo, mas nada superficial em seus versos, leva uma vida tranquila na fazenda de Ojai, no interior da Califórnia. E é de lá que acaba de soltar o EP Why you running e se prepara para lançar em junho seu álbum de estreia, Catching a tiger (Sony), coproduzido por Jacquire King (Kings of Leon) e pelo líder da Band of Horses, Bill Reynolds.

– Gosto das coisas simples da vida. Acabei de voltar de bicicleta do mercado dos fazendeiros aqui perto... Comprei um monte de frutas e verduras. Estou tentando ser saudável essa semana e me afastar dos cheeseburguers. As coisas voltam a ficar malucas daqui a poucos dias. Tenho que aproveitar – brinca a cantora, que embarca no dia 14 para uma turnê europeia. – O disco está saindo e estou vivendo essa espera. Me preparando, promovendo e começando a fazer os primeiros shows. Então, quando não estou ocupada, aproveito para descansar, ficar em casa, cozinhar, sentar no gramado sob o sol...

Nascida em Rock Island, Illinois, às margens do caudaloso Mississipi, Lissie parece ter sido teletransportada de uma comunidade hippie californiana dos anos 60. Dona de longos e desgrenhados cabelos louros, que emolduram sua pele sardenta, se veste com roupas puídas e desbotadas de uma típica colegial do interior. O ar de timidez e certa ingenuidade protege um diamante em fase de lapidação. Movida por ícones folk como Johnny Cash, Stevie Nicks & Chrissie Hynde e comparada a nomes como Cat Power, Feist e Sheryl Crow, não dá muita importância às tentativas de definir seu estilo. Diz que, como muitos adolescentes da sua geração, cresceu “escutando gangsta rap e uma porção de outras coisas” que igualmente serviram como influência.

– Cresci ouvindo musicais, os standards, folk, blues e rock classic, mas sempre mudando, abrindo espaço para outras coisas. Ano passado mergulhei nos discos de Bobbie Gentry e Fleetwood Mac – conta.

A consciência aberta e atenta a diversas vertentes da música pop se revela no canal de YouTube da moça. Lá, se destacam versões brilhantes para canções de Lady Gaga (Bad romance) e Metallica (Nothing else matters), ícones do pop e do metal um tanto quanto afastados do arquétipo bluesy que molda suas canções. De fato, a versatilidade é um dos grandes trunfos da artista, mas foi justamente por sua multifacetada personalidade que ela teve de mergulhar fundo até encontrar o tratamento estilístico adequado às suas canções.

– Passei algum tempo tentando descobrir um caminho para este trabalho solo, fazer com que ele tivesse um estilo. Depois que montei a minha banda no ano passado tudo ficou mais claro – explica a cantora. – Toquei sozinha em bares e na noite por muito tempo e queria que o disco tivesse mais força ao mesmo tempo que fosse versátil. Tive muita sorte de poder contar com músicos incríveis e de ter autonomia para dizer o que eu gostava ou não.

Tintas confessionais Gravado entre Holywood, Nashville, Carolina do Norte e algumas sessões caseiras em Ojai, Catching a tiger mescla canções embaladas por arranjos orgânicos, captadas nas primeiras gravações comandadas por Bill Reynolds, assim como faixas mais condicionadas aos padrões radiofônicos, assinadas por Jacquire. A liberdade em poder trabalhar com dois produtores é destacada pela cantora.

– Acho que o Bill vai se tornar em pouco tempo um daqueles produtores lendários, que ficam marcados na história – aposta Lissie. – Tive sorte em poder contar com músicos incríveis e de ter Jacquire por perto. Ele é um super profissional. Confiei totalmente nele nele para encontrar o que eu precisava, mesmo sem saber muito bem como controlar e planejar as coisas dentro do estúdio. Apenas entrava lá e torcia pelo melhor.

Construído como uma tentativa de se recuperar de um relacionamento amoroso frustrado e em meio a angústia de descobrir seu lugar no mundo, o disco apresenta uma compositora confessional, de veias quentes e abertas para o amor e conflitos internos que rangem a alma.

– Estava tentando me recuperar... Componho instintivamente, apenas quando eu sinto que devo. Já tentei escrever e me guiar por determinados assuntos, mas entendi que as minhas melhores letras surgem quando estou realmente sentindo.

Bad Romance (Lady Gaga):




When I'm alone:

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Usher - Talento moldado sobre clichês

Aos 32 anos, Usher Raymond IV é apontado como o mais bem-sucedido artista do r&b americano dos anos 2000. Pelo menos é o que dizem os números – o bastião referencial a guiar a cultura pop contemporânea. Com mais de 50 milhões de discos vendidos e cinco estatuetas Grammy na bancada de casa, esse americano de Dallas, Texas, se apóia em quatro elementos básicos para atingir os quatro cantos do planeta em larga escala: sexo, amor, trapaças e drama – sempre envolvendo mulheres, é claro. E é assim que ele segue em seu sétimo lançamento, Raymond vs. Raymond: revisando clichês e disparando rumo ao topo. É o terceiro trabalho consecutivo a aportar no primeiro lugar das paradas da Billboard.

Mas seria a compreensão arguta e a utilização despudorada deste quarteto fantástico de tópicos que o diferencia dos demais representantes da música popular americana? Talvez. Usher não tem a voz, a dança, a beleza, o carisma, o comportamento e as ideias ousadas ou impactantes de ícones da sua geração, como Jay-Z, Kanye West, Justin Timberlake, Beyoncé, Alicia Keys e Black Eyed Peas. Mas não é por isso que ele deixa de ser absoluto quando o quesito em questão é o que importa para a debilitada indústria fonográfica: vendas. E se, definitivamente, não é um artista que se destaca pela proeza de um talento específico, é um expert em absorver referências e age como um potente catalisador.

E é por esse caminho que se verifica que, artisticamente, este novo álbum oferece muito pouco ao ouvinte. Usher escreve, acompanhado de uma penca de produtores, compositores, hitmakers e tastemakers – todos com o devido crédito no encarte – mais uma leva de canções que soam como um apanhado genérico do que se produziu na música pop americana nos últimos anos. Sua preocupação em enfileirar hits com beats certeiros para pistas e melodias chiclete para as rádios o impossibilita de criar, e o condiciona a função de emulador; um retransmissor de padrões estéticos e sonoros testados ad nauseam por marketeiros, empresários e produtores do showbiz americano. De braços trançados com o mercado e de olhos e ouvidos atentos, Usher conta com a participação de gente como Will.I.Am, Ludacris, T.I. e a revelação Nicki Minaj para esta saga mercadológica.

Ao lado do líder do Black Eyed Peas, entoa OMG, o maior hit do novo trabalho. Entre arranjos vocais que imitam os coros de torcida de futebol, palmas e batidas pesadas, versa sobre seu tema principal, as mulheres: “Eu me apaixonei por ela quando eu a vi na pista de dança... Nunca uma dama havia me acertado à primeira vista. Foi algo especial, foi como uma dinamite”. Já com o auxílio de Ludacris, Usher não entende porque a musa de seus sonhos mantém certa distância e frieza: “Ela não sabe que está me fazendo desejá-la?”, indaga. E mais à frente dispara: “Ela sabe o que eu sei, mas ela mantém sua boca fechada. Ela é muito sexual, e sabe disso. Ela não sabe que está me matando por dentro por eu desejar o seu corpo”.

Dividido entre faixas para dançar – a (boa) primeira metade do disco – e outras para chorar – da segunda metade em diante – trata-se de um desafio cansativo manter-se atento ao longo de 58 minutos de um jogo desesperado por aceitação estimulado por clichês milimetricamente estudados.

OMG:

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Chapel Club - Tons soturnos: rock noir

– Foi como o George Clooney em Onze homens e um segredo... Mike nos juntou e decidiu que deveríamos fazer alguma coisa, talvez montar uma banda – lembra o vocalista do Chapel Club Lewis Boman.

Até o fim de 2008, Michael Hibbert (guitarra), Liam Arklie (baixo), Alex Parry (guitarra), Rich Mitchell (bateria) e Boman (voz) eram apenas amigos que se encontravam eventualmente nos mesmos bares e festas londrinas, até que as inevitáveis afinidades musicais construíram o elo que levou o poeta, escritor de contos e agora vocalista a se aventurar em sua primeira investida musical. Boman nunca havia tido um banda, escrito canções e muito menos testado seus dotes em cima do palco. Primeiro passo: perder o medo da plateia. Segundo: rumar ao topo até o fim de 2010.

– Lembro que Mike tocou algumas linhas de guitarra e mergulhei naquelas ideias, porque realmente soavam especiais. Começamos a ensaiar num porão minúsculo em Londres – recorda. – No primeiro ano nos focamos em escrever canções e aprendendo a tocar juntos, como uma banda. Tive que aprender a cantar na frente das pessoas pela primeira vez. Então, realmente é uma surpresa que os nossos primeiros shows tenham chamado tanta atenção. É um pouco ridículo até... Lembro que achava tudo muito estranho, mas é engraçado encontrar formas diferentes para se fazer uma mesma coisa. Hoje eu acho até interessante, porque realmente não sou um frontman tão óbvio.

Juntos desde ó começo de 2009, em poucos meses o quinteto passou a ser apontado pela imprensa como uma das mais promissoras do cenário inglês. A engrenagem audiovisual da rede BBC, o apelo instantâneo do semanário NME e a penetração massiva da revista independente The Fly incensaram o grupo até que a Universal se prontificou a apresentar um contrato. Confiante na potência da visceral O maybe I, primeiro single lançado pelo grupo, o Chapel Club inicia a primeira turnê como banda principal, percorrendo datas europeias até o fim de maio.

– Até agora gravamos apenas algumas canções e o nosso single, com o Claudius Mittendorfer, em Nova York. Começamos a trabalhar no álbum em março, e devemos lançá-lo até o fim do ano – planeja. – O que tenho certeza é que vai ser algo estrondoso, limpo e melódico... E espero que possa ser o mais diverso possível em intenções e efeitos.

Num balaio de mais de 20 faixas, os músicos pinçaram as 10 melhores para o repertório. Leitor voraz e ávido por poesias, Boman é o autor das letras sentimentais que versam sobre paixões, perdas, crescimento e fé.

– Boa parte das letras foi retirada de poemas meus. Alguns são muito antigos, outros bem recentes. Uns são absolutamente pessoais, enquanto outros mais universais – explica o compositor. – Eu não tive muito tempo nem chance de planejar ou definir os temas. Geralmente reajo em relação à música, tento expressar o que aquela sonoridade sugere. Parece que Deus continua editando as coisas por aí, apesar de eu não ser muito religioso... Pelo menos eu acho que não sou... Sei lá, está cada vez mais difícil julgar.

Nas canções disparadas no Myspace do grupo, a autodepreciação irônica e o humor negro tipicamente inglês se misturam a uma atmosfera melancólica e noir impulsionada pelas duas guitarras que comandam a banda. Ecoando uma mistura entre a sonoridade alternativa americana (Pixies e Sonic Youth) e o pop rock inglês dos anos 80 (The Smiths, Joy Division e New Order), o Chapel Club busca oferecer mais do que uma releitura do pós-punk, terreno atravessado com assiduidade por nomes como Interpol, The Editors e White Lies.

– Londres é completamente obcecada por modas e tendências, e assim que montamos a banda queríamos que a nossa música existisse de forma separada de toda essa celebração. Algo que pudesse realmente durar, que valesse à pena. Passamos um bom tempo nos sentindo absolutamente isolados do que acontece na cidade, pensando se alguém iria gostar de algumas das nossas músicas. Não tínhamos nenhuma certeza de que haveria algum espaço para nós. Acho que estamos abrindo aos poucos esse caminho.

Ouça aqui:
http://www.myspace.com/chapelclub