NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

quarta-feira, 31 de março de 2010

Two Door Cinema Club - Power trio para pista de dança

Aos 15 eles começaram uma banda, aos 17 desistiram da universidade e aos 18 esses três moleques irlandeses são apontados como a maior revelação dos últimos anos do país que colocou no mapa o U2. Alex Trimble (voz e guitarra), Kevin Baird (baixo) e Sam Halliday (guitarra) cresceram e estudaram música juntos, na pequena Bangor, e, ao que parece, prescindiram de um baterista na formação original para construir a sonoridade pulsante do álbum de estreia do Two Door Cinema Club, Tour history, fincada entre o indie e o eletro que catapultou mundialmente nomes como Bloc Party e que fez dos atuais companheiros de turnê, Phoenix, uma das maiores sensações de 2009.

– É tudo muito surreal, e tentamos não ler muitas das coisas publicadas sobre a banda – revela Baird. – Nos conhecemos e começamos a tocar muito cedo, na escola. Formamos uma banda de rock antes dessa que não deu certo, mas continuamos a fazer música. Nos permitimos compor sem qualquer pretensão, conceito ou ideia de como deveríamos soar.

Daft Punk como influência
Unidos por referências musicais bem distantes do que produzem hoje, como Biffy Clyro e At The Drive-In, antes de entrar no estúdio o trio passou a misturar o eletro rock francês e alemão com o rock alternativo americano em produções caseiras a bordo de um laptop. A evolução da sonoridade está presente no debute, lançado este mês. Nele, usam a formação de power trio para passar longe do punk e acertar um indie rock sob medida para as pistas; resultado da fusão entre Death Cab For Cutie, aparente no timbre e nas linhas melódicas de Alex Trimble; com a base rítmica de Daft Punk e Digitalism.

– São alguns dos artistas que nos influenciam, mas não queremos deixar ninguém construir a ideia do que somos ou de como soa a nossa música.

Apesar da ascendência meteórica que infla o perfil do MySpace com mais de dois milhões de visitantes e uma agenda lotada, o TDCC passou por alguns maus bocados antes de ganhar a chancela do selo alternativo americano Glassnote. Foram quase dois anos de turnê em casas pequenas, sem bandas de apoio ou atenção da mídia.

– Ultrapassamos uma série de barreiras. A primeira delas foi conseguir sair da Irlanda do Norte e fazer os primeiros shows na Inglaterra sem conhecer ninguém – conta o baixista. – Rodamos a Europa num lixo que não chegava nem a ser uma van. Ficamos nessa por uns dois anos, sem ganhar dinheiro algum, até que conseguimos ganhar um pouco de destaque.

Tourist history começou a ser escrito há três anos, mas as gravações avançaram a partir do meio de 2009, em Londres. Produzido por Elliott James (Bloc Party) e mixado pelo ícone do house francês Phillipe Zdar (Phoenix e Justice), o disco alterna momentos de urgência com melodias delicadas e assobiáveis.

– As gravações foram muito intensas – diz Baird. – Tentamos criar uma atmosfera única que fluísse do início ao fim do disco, mas com sonoridades e timbres variados. Acho que deu certo e é inacreditável que agora temos um disco pronto, nas prateleiras das lojas. Acho que sonhamos com isso desde os 15 anos.

Não faz tanto tempo. E talvez por isso que os versos cunhados por Alex Trimble circundem dois pontos temáticos aparentemente simples: relacionamentos amorosos frustrados (“Mas não são canções de amor convencionais, evitamos o clichê”, ele diz) e versos que transitam pelo universo dos romances de formação, ou seja, o crescimento dos jovens músicos ao longo dos últimos três anos.

– Falamos sobre relacionamentos e todas as nossas experiências até agora, os altos e baixos que passamos juntos – resume o baixista.

Baird revela que antes de gravar o disco, dada tenra idade dos rapazes, uma questão fundamental se impôs: escolher entre a segurança de uma formação acadêmica e um emprego convencional ou se arriscar no meio de toda incerteza e adrenalina que rondam o atual mercado da música pop. Faixas como Undercover Martyn, What you know, I can talk e You're not stubborn perpassam tais questionamentos e inseguranças, mas reverberam, acima de tudo, uma energia jovem, certeira e em plena combustão.

– O disco como um todo reflete essa transição. Escrevemos sobre tudo que nos manteve no caminho e nos fez acreditar que se a gente trabalhasse muito tudo iria dar certo – explica.

Enquanto o verão europeu se aproxima e a temporada de festivais anuncia suas atrações, o trio já conta com lugar cativo nos maiores eventos do ano, como Hurricane, Oxegen, T in The Park, Benicàssim, Reading e Leeds Festival, entre outros. O segredo da agenda repleta até setembro eles não sabem, mas a faixa Something good can work parece resolver o mistério: talento.

– Sabemos que temos boas canções e que podemos fazer uma carreira com elas. Ter essa confiança é tudo o que precisamos. Não queremos ninguém para nos dizer que seremos a próxima grande banda. Isso serve apenas como instrumento de pressão.

Veja essa: Something good can work




E mais aqui: http://www.myspace.com/twodoorcinemaclub

terça-feira, 30 de março de 2010

MGMT - Congratulations: Surpresa e frustração se misturam

Máquina e música se contrapõem nas mentes de Andrew Van Wyngarden e Ben Goldwasser desde 2008. Se a escolha do nome da banda como MGMT (sigla para management, ou gerência) fora uma tirada de sarro com o corporativismo moderno, sem que a brincadeira soasse tão “óbvia ou mesquinha como o universo dos negócios”, a artimanha durou pouco. Em pouquíssimos meses, para o bem ou para o mal, o MGMT não escapou à fagocitose da indústria, que os embalou e os ofereceu como iguaria exótica, a ser saboreada por qualquer antenado de plantão: “...são inexplicavelmente contratados de uma grande gravadora”, cravou o jornal The New York Times.

Expectativa vira inspiração
Em meio ao prazer e o dissabor de uma proposta alternativa que se confunde e se imiscui no mainstream, a dupla alternou as sessões para o novo disco entre um casulo no meio de floresta e a ensolarada Malibu californiana. Com um pé lá e outro cá sobre a linha invisível que sustenta a integridade artística, em Congratulations eles podem se congratular por alguns méritos, entre os tais, além das intrincadas melodias, o drible que desnorteia os que aguardavam um álbum repleto de maneirismos, enjaulado na fórmula de hits certeiros que fisgou os executivos da gravadora Columbia e a grande mídia. O peso da expectativa exacerbada serviu como inspiração para confeccionar o disco. Predominam entre os versos referências à ascendência meteórica e irrefreável da banda desde que Oracular spectacular (2008) alçou voo.

Com uma estratégia enviesada que opta pelo não lançamento de singles – caberá às rádios escolher que faixa trabalhar – e pela liberação de todas as faixas em streaming – através do site oficial e da página no Myspace – a dupla parece querer selecionar seus fãs e testar seus entusiastas. Congratulations não é um álbum previsível ou grudento à primeira audição. Com uma linha de baixo pulsante à surf music dando corda, It's working dá as boas-vindas recobrindo os vocais de Van Wyngarden sob uma densa camada de teclados. E é assim que a voz do líder do MGMT atravessa suas novas composições: como um elemento decorativo às melodias, sem nunca ocupar o primeiro plano.

Produzido por Peter Kember (Spaceman 3), o disco carrega a mesma gênese atmosférica, espacial e lisérgica que impulsionou o début, mas passa ao largo dos refrões eufóricos e ensolarados que ecoavam de hits como The youth e Kids. Em meio a canções de dinâmicas esquizofrênicas e progressivas, destacam-se versos nonsense e visuais que servem tanto à irônica Brian Eno quanto à melancólica Someone's missing e à épica Flash delirium. Esta última é uma lufada de ar fresco, uma cartada estratégica que dissipa qualquer controvérsia quanto à criatividade do grupo. Longe do electro rock dançante de Electric feel, o MGMT percorre um caminho sinuoso e arriscado numa época de extremos, em que cada passo é encarado como um convite ao abismo ou a salvação. Conceitualmente autênticos e artisticamente íntegros, patinam numa musicalidade desconexa, mas com lampejos de brilhantismo.

Ouça: Flash delirium


Ouça Congratulations na íntegra e assista ao clipe de Flash delirium aqui: http://www.whoismgmt.com/
Ou aqui: http://www.myspace.com/mgmt

segunda-feira, 29 de março de 2010

Thiago Amud - Um autor barroco e contemporâneo

O semblante sereno, o corpo esguio e as passadas calmas do compositor e cantor Thiago Amud, 29 anos, escondem um turbilhão de referências artísticas que extravasam as óbvias comparações melódicas e líricas que perpassam o cancioneiro brasileiro. Prestes a lançar seu primeiro álbum, Sacradança, dia 26 de abril no Cinemathèque e 28 no Espaço Rio Carioca, o músico, que já foi gravado por Guinga e Milton Nascimento, é uma combustão que une à sua musicalidade a literatura de Dostoiésvky, a cinematografia de Fellini e, claro, ares tropicais e urbanos característicos de um morador da Urca.

Ao lado de Edu Kneip, Pedro Moraes, Chico Vervloet, entre outros, ele já foi colocado no cerne de uma neo-MPB. Crédito que educadamente repudia. Dono do seu nariz, acredita que os mais de R$ 10 mil tirados do próprio bolso para a gravação do debute, representam um esforço de repensar a condição autônoma do artista perante sua obra. Autor de todas as 10 canções, assim como dos arranjos para os instrumentos que povoam sambas, marchas, frevos, Amud propõe independência.

– Acho importante que as pessoas façam discos por conta própria, sem esperar as benesses de uma lei de incentivo, ou a chancela de uma gravadora – sentencia Amud. – Este é o caminho da arte. Sou um liberal defensor da autonomia artística.

Nietzschiano e ateu convicto durante a adolescência, agora convertido, Amud veste a capa do cristianismo, mas não deixa de provocar seus contemporâneos. A primeira canção de trabalho do álbum, Marcha dos desacontecimentos parte de uma perspectiva francamente cristã para fazer uma atual leitura de costumes. Inspirado pela leitura de Confissões, de Santo Agostinho, seus versos irônicos pregam o questionamento do politicamente correto.

– É uma espécie de crônica que denuncia um fenômeno atual: a tentativa das pessoas em substituir a responsabilidade individual por uma consciência coletiva – diz.

Sal insípido e Gnose song, que contam com a participação do compositor pernambucano Armando Lôbo, também compõem o viés apocalíptico do autor, diferentemente de Pedra de iniciação, que abre o trabalho.

– Somos compositores barrocos e expressionistas. Não nos furtamos a deixar a paisagem sonora cheia de reentrâncias, sobressaltos, abismos e criaturas estranhas – divaga.

No que o parceiro, de afinidades que transcendem o meramente musical, corrobora.

– A MPB está carente de ousadia e de certo veneno – dispara Lôbo. – Thiago percorre caminhos poéticos que não estamos acostumados a ouvir. Ele foge da velha tradição do lirismo amoroso e, quando entra no cotidiano, o faz de maneira corrosiva. Longe da irreverência gratuita, suas críticas têm substância e seu objetivo maior é a lucidez.

Navegando pelas águas bravias da polirritmia, da multiplicidade de camadas sobrepostas, Amud desbrava melodias que se desdobram ao ponto original das canções.

– Sei que corro o risco de ser tachado de hermético, já que a redundância é um marco central na história da canção popular.

Imbuído na tarefa de encontrar e propor uma nova síntese de brasilidade, aponta para a época de fragmentação de opiniões e considera seu trabalho um painel tropical de canções.

– Se o poeta ou o pensador retiram de si a incumbência da síntese, estamos selando a era do descompromisso e da substituição da responsabilidade do criador por um ar relativista – opina Amud. – Quero, sim, apresentar tensões nas letras e nos arranjos.

Para lidar com suas proposições de rupturas estéticas e existenciais, o artista aferra-se a referências nacionais, como Terra em transe, de Glauber Rocha; Choros nº 10, de Villa-Lobos; e Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.

– Apesar das influências externas, não recebi esse caráter na Rússia de Dostoiévski e muito menos da Itália de Fellini. Esta minha esquizofonia nasce aqui. Mas digo que não faço música popular brasileira, mas, sim, música bipolar brasileira. É um disco de catarse e não cerebral.

Além de Caymmi, compõem o manancial de referências de Amud Pixinguinha, Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo, Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Elomar e, é claro, Guinga, que, do repertório de Amud, gravou Contenda para o disco Casa de Villa. Agora o compositor retribui o gesto e convida o mestre para cantar, e não tocar violão, em Irreconhecível.

– Ele é uma hidrelétrica da MPB. Vejo que minha geração reconhece sua obra porque ele estiliza ao máximo nossos gêneros. Chamei-o para cantar porque sua voz rouca carrega um sentimento lindo.

Para Guinga, que conheceu o compositor há 10 anos ao integrar o júri para um concurso de jovens talentos, Amud é um dos maiores compositores de canções dos últimos anos.

– Eu me comprometo a assinar quantas vezes for preciso que ele é um verdadeiro gênio da música brasileira – exagera Guinga. – Está ao lado de Chico Buarque, Milton Nascimento e Noel Rosa. Só não o comparo a Jobim e Pixinguinha porque são maestros.

Dono de alma buarquiana, nas palavras de Guinga Amud é progressivo e conduz a música brasileira adiante:

– Ele sozinho redime a enxurrada de coisas horrorosas, mas repletas de fama que vemos enaltecidas por aí.

Ouça essa: Marcha dos desacontecimentos



E mais aqui: http://www.myspace.com/thiagoamud

domingo, 28 de março de 2010

Holly Miranda - Entre anjos e demônios, uma voz real

Muito antes de o sucesso bater à porta de seu apê no Brooklyn, em forma de contrato para o lançamento de The magician's private library pela XL Recordings (Radiohead), de extensa reportagem publicada no The New York Times, de elogios de Kanye West e Trent Reznor, e de cair nas graças de um dos mais renomados produtores atuais, o guitarrista Dave Sitek (TV on The Radio), Holly Miranda comeu o pão que o diabo passou longe de amassar. Acima de tudo que há sobre a Terra, havia Deus e uma igreja em Detroit. E só. Nascida no Michigan e criada no Tennessee, passou longos 14 anos, desde a infância até a adolescência, frequentando a igreja cinco vezes por semana. Tudo aparentemente normal se contarmos que suas influências remontam muitos ícones do r&b e da soul music. Mas não era porque a menina franzina e branquela se esgueirava em busca de espaço no coral da igreja que a música era algo rotineiro dentro de casa. Muito pelo contrário.

– Meus pais não me permitiam escutar música pop. Cinema era proibido. Eu não tinha TV a cabo, muito menos MTV, e certos desenhos animados eram tidos como demoníacos, como os Smurfs. A única permissão eram os discos da Motown – conta Holly, antes de um show que faria em Omaha, ao lado da dupla Tegan & Sara.

O motivo da exceção, aparentemente sem sentido, é simples. Seus pais eram de Detroit, berço da lendária companhia de discos.

– Tudo começou com a Motown. Escutava os discos de Smokey Robinson, Diana Ross, Aretha Franklin e muitos outros. Era o que me deixavam ouvir quando criança – recorda. – Mas eu só comecei a compor depois de descobrir Ani Difranco. Nunca havia escutado algo tão honesto, e isso me inspirou pelo menos a tentar.

Um pouco mais tarde, descobriu o paraíso de vozes e almas retumbantes que orbitavam entre os universos do jazz, blues e gospel. Entre eles: Nina Simone, Jeff Buckley, Leonard Cohen e Edith Piaf. A inspiração é evidente no álbum que acaba de lançar, por mais que se deixe levar pela produção contemporânea de Sitek, atravessada por guitarras com ampla ambiência, vocais modulados, e tintas referenciais que transitam pelo dream pop e pelo folk assinalado por nomes como Cat Power, Charlotte Gainsbourg, Feist e Beach House.

– São todos artistas fundamentais, que serviram para o meu desenvolvimento como musicista, compositora e performer – elege Holly. – Mas o que mostro agora é fruto de um longo trajeto. Comecei a tocar piano aos 14, compor aos 16, e quando conheci o Dave havia acumulado um arsenal de gravações.

Muito antes disso, numa casa em que a música pop era tratada com repulsa dogmática e como reverência diabólica, discos eram “contrabandeados” para adentrar os cômodos e fazer vibrar o aparelho de som da caçula. Sua irmã mais velha assinava às escondidas um serviço delivery de álbuns, sob os cuidados de um pseudônimo. Se valendo das noites endoidecidas da primogênita, Holly entrava em seu quarto de madrugada, de lanterna em punho, para roubar algumas peças. Foi assim que descobriu bandas como The Cure e Nine Inch Nails. Mas a alegria durou pouco...

– Meu pai descobriu o disco do Nine Inch Nails e quando leu versos como “fucking the devil in the backseat of your car” quebrou o disco ao meio e mandou minha irmã vender tudo.

Cansada da repressão familiar – tanto religiosa quanto homofóbica – que a impedia de se entregar à música e à sua opção sexual, Holly seguiu os passos da irmã, que havia se mudado para Nova York. Com apenas 16 anos, abandonou a escola, fugiu de casa e se meteu numa enrascada: chegou perto de assinar contrato com um pequeno selo bancado pela máfia. Decepcionada, voltou para casa, compôs novas canções, até que retornou, definitivamente, para a Big Apple. Aos 17, chegou a gravar um disco pela BMG, mas o projeto foi engavetado. Pouco tempo depois, formou a Jealous Girlfriends, e à frente da banda lançou dois álbuns, Comfortably uncomfortable (2004) e Roboxulla (2007). Instalada no Brooklyn, alugou um pequeno espaço de ensaios em Williamsburg, e ao abrir a porta do estúdio, deu de cara com o vizinho que mudaria a sua vida, Dave Sitek. Conforme os esbarrões pelo hall ganhavam constância, Holly passou a distribuir algumas de suas 40 demos ao produtor, até que, há dois anos, iniciaram as gravações.

– Nos tornamos amigos e a decisão de gravar juntos foi muito orgânica e natural – conta ela. – Foi uma experiência super intensa. Começávamos a gravar com o pôr do sol e terminávamos quando ele começava a despontar, durante um mês. Dave é como se fosse da família, então o ambiente era super confortável. Mas é claro que ele me levou a sair dessa zona de conforto para que eu tentasse uma série de coisas que normalmente não faria. Mas não forçou, fez com que eu quisesse arriscar.

Em pouco tempo Holly Miranda passou a colecionar elogios da crítica, embora ainda assombrada com as suposições de que teve pouca autonomia na elaboração dos arranjos – uma resenha publicada no The Guardian chegou a afirmar que a cantora não seria responsável pela sonoridade sinestésica e ambiciosa contida no disco.

– Eu sei que rondaram especulações sobre até que ponto eu tive envolvimento na feitura dos arranjos e das canções. Estive presente em cada segundo, e toquei o máximo de instrumentos que pude. Componho e gravo canções há muitos anos, esse é apenas o primeiro álbum que ganha vida. Dave tocou bastante coisa também. Tentamos gravar o máximo de instrumentos até que qualquer pessoa entrasse no estúdio para registrar os metais, por exemplo.

Contando com o toque especial de outros dois integrantes do TV on The Radio – o guitarrista e cantor Kyp Malone e o multiinstrumentista Jaleel Bunton – The magician's private library descortina um repertório comovente em meio a paisagens sonoras acinzentadas, desoladas e, por vezes, fantasmagóricas. Sob uma torrente de metais, cordas, teclados, guitarras, beats eletrônicos carregados de reverbes, versos sobre amor (Waves), sonhos e contos de fadas (Sweet dreams, Everytime I go to sleep e Sleep on fire) criam uma atmosfera envolvente e única.

– Só faltou o Tunde (Adebimpe, vocalista do TVoTR) – lamenta. – Não pensamos em nenhum conceito, as coisas fluíam conforme íamos nos relacionando. Seguimos nossos instintos...

Finalizado em 2008, Holly penou um longo tempo até que o trabalho chegasse às mãos da badalada XL Recordings. Diz que a angústia da espera foi um dos momentos mais difíceis da carreira.

– Acreditar e permanecer firme foram as maiores dificuldades que eu enfrentei – afirma. – Há muito tempo que trabalho essas canções, e chega uma hora que você começa a se perguntar: “Será que é isso mesmo que eu tenho a dizer?”. Isso fica cada vez mais pesado, ainda mais morando em Nova York.

Na metrópole, onde todo mundo vê, ouve e lê de tudo, do melhor ao pior, onde os estímulos sensoriais ganham carga e são excitados a cada segundo, onde artistas crescem exponencialmente para logo depois serem despejados na vala comum, voltarem para suas casas e arrumarem um emprego rotineiro, Holly sentiu todo o peso e a adrenalina de ser uma total desconhecida e, nos últimos meses, se tornar uma das mais comentadas artistas em ascensão.

– Aqui é tudo muito duro. Mas sempre soube que eu não poderia fazer nada diferente. Eu nunca seria feliz fazendo qualquer outra coisa – explica. – Independentemente de ter um contrato ou atenção da mídia, estarei sempre compondo. Mas nem tudo é ruim, é claro que tem o lado bom de estar aqui e poder conhecer pessoas maravilhosas.


Dave Sitek, Kyp Malone e Jaleel Bunton são algumas delas.

Ouça essa: Every time I go to sleep



E mais aqui: http://www.myspace.com/hollymiranda

sábado, 27 de março de 2010

Laura Marling - Uma voz que (en)canta e tem algo a dizer

Cerca de dois anos atrás Laura Marling era, aos olhos de cá, uma espécie de Mallu Magalhães à inglesa; ou talvez a nossa Mallu fosse uma resposta tupiniquim, uma Marling para inglês ver. Não importa... Aos 17 anos, tímida, franzina e delicada, a menina chegava a ser barrada na porta de alguns clubes em que ela própria era a atração da noite. A bordo de Alas I cannot swim, seu álbum de estreia, Marling fugia à onda soul e enveredava num caminho próprio, navegando fundo pelo folk, sempre acompanhada, no estúdio ou em shows, pelos músicos do Noah and the Whale. Chamava a atenção não apenas pelas melodias bem tramadas ou pela pouca idade, até porque ícones precoces de talento não faltam no cenário pop. Mas Marling não era exatamente pop, e o que surpreendia ia além de suas delicadas e sinuosas canções, ou de sua voz doce, plácida e envolvente. Era a densidade de suas letras que pregara a atenção; o caráter até certo ponto soturno de sua sensibilidade poética havia fisgado a todos.

Era claro que a menina era diferente, tinha algo além da superfície; e em vez de apenas romantizar à frente da TV, embebida por seriados teen, filmes pipoca ou revistas/sites de fofoca – algo comum na sua idade –, naturalmente ela se deixava guiar e passar o tempo imersa em romances e poemas. Não que seus versos refletissem uma intelectualóide esnobe em formação. Apenas denotavam uma carga de entrega admirável, passavam longe do risível, do lugar-comum e da banalidade. Se falava de amor, surpreendia pela maturidade com que abordava o tema, se lançava os olhos para solidão, era nítida a sinceridade como encarava o que dizia...

O fato é que Marling cresceu, bateu a casa dos 20, rompeu com o primeiro grande amor, tingiu o cabelo louro branco de castanho, modelou a voz antes falseada em tom mais grave e encorpado, e rascunhou versos mais melancólicos para ressurgir com o segundo disco de carreira. O título, I speak because I can. Pretensão e empáfia inglesa? Nada disso. Apenas, se permite a falar sobre perda, culpa, medo, morte e solidão sem tanta timidez. Pena que a aura ainda mais densa deste novo trabalho tenha retirado de sua poesia um pouco de cor, de frescor pop, e de uma saudável ingenuidade, notada desde a arte gráfica até os videoclipes que envolviam o début. I speak because I can é um disco para ser absorvido aos poucos, esmiuçado em suas quebras melódicas e sentido em seus baques percussivos. Uma jornada intensa.

Veja essa: Devil's spoke



Veja essa: Ramblin man

quinta-feira, 25 de março de 2010

Wilder - Hype às avessas

Até uma semana atrás eles não tinham nem uma conta aberta no Youtube, e o perfil no Myspace havia sido montado no final de outubro. Mas isso não impediu que a Rough Trade Records, atenta que é, pousasse suas garras nesse quarteto muito antes que qualquer outra major. Aliás, quando o quesito é se adiantar ao hype a RTR parece ter os melhores A&Rs. O burburinho rolou à moda antiga, sem o auxílio das tão disputadas, hipervalorizadas e inchadas ferramentas de promoção, socialização e marketing via web. O quarteto de Bristol optou por um caminho arriscado, e parece que deu certo. Há algumas semanas eles rodaram as principais casas de Londres abrindo os shows para a turnê europeia de Julian Casablancas. O sucesso foi grande, e todo mundo passou a perguntar: "Que banda é essa?", "Vieram de onde?" e etc. Mas não foi apenas por sua tática às avessas que o grupo estampa, por exemplo, a sessão Radar da NME desta semana – não que isso diga muita coisa, sabemos.

O que fica na cabeça é a mistura de um rock tipicamente inglês, cru, com cheiro de garagem, mas que, numa troca ou outra de marcha, passa a acelerar o motor sob a pressão de sintetizadores e recursos eletrônicos. Até agora soltaram duas canções no Myspace, e um vídeo na conta recém-aberta do Youtube. O burburinho geral aponta: "Eles vão ser grandes". A Rough Trade já deu o recado: "Trabalhem bastante, vocês têm talento". Formado por Bec (bateria), Joe (baixo), Jay (synths) e Sam (voz e guitarra), o Wilder – nome-tributo ao mestre do cinema noir Billy Wilder – pega emprestado o frescor de Friendly Fires, The Whip, Rapture e Gossip, mistura com a new wave ou o art rock de Talking Heads e Velvet Underground, e adiciona algo de "Neu!, Kraut, Captain Beefheart, Little Richard, 50's R&R e um pouco de foxy old art-school era Roxy Music", como escrevem na bio do Myspace. E arrematam: "Pelo menos é o que as pessoas nos dizem". E vão dizer muito mais daqui para frente. Resta saber até quando.

Ouça essa: TBT



Veja essa: Girls vs boys



Para baixar as duas faixas é preciso se cadastrar aqui: http://mailinglists.beggars.com/?p=subscribe&id=47

E mais aqui: http://www.myspace.com/wearewilder


quarta-feira, 24 de março de 2010

Citadels - Psicodelia folk na medida certa

Antes um quinteto, mas agora com três peças no jogo, o Citadels vem ganhando espaço na Inglaterra a bordo de um single que é, sem dúvida, um dos melhores lançados esse ano. Chemical song, lançada no ep Animals, já rendeu ao grupo comparações positivas com The Flaming Lips, MGMT e Grizzly Bear. O trio entra em estúdio em maio para gravar o début. O que chama a atenção, além das chapantes prformances ao vivo, são as harmonias vocais e as melodias épicas criadas pelo líder e guitarrista Bramble. O grupo mistura levadas folk com o imediatismo do pop, e afina a história com arranjos atmosféricos, amplos, que não deixam de pegar emprestado da eletrônica sua porção moderna. Nas letras, amores ganhos e perdidos, o absurdo da existência e a obsessão-fetiche pelo novo que atravessa a nossa era. Entrevista com os moços sai em breve, aqui e no Caderno B.

Veja essa: Chemical song



E mais aqui: http://www.myspace.com/citadelsmusic

segunda-feira, 22 de março de 2010

Lissie - Diamante bruto em lapidação

Nascida em Rock Island, Illinois, às margens do caudaloso rio Mississippi, Elisabeth Maurus mais parece ter sido teletransportada de uma comunidade hippie californiana dos anos 60. Dona de longos e desgrenhados cabelos loiros, que emolduram sua pele sardenta, veste-se de forma comum e empunha um inseparável violão acústico como escudo. A timidez protege um diamante em fase de lapidação. Uma menina que mergulha fundo nas raízes musicais da América e volta à tona para emprestar fôlego renovado à música folk e gospel. Cantora de timbre áspero e melodista aguçada, extrai peças harmônicas simples e pegajosas. De apelo pop instantâneo, mas nada superficial em seus versos, leva uma vida tranquila na fazenda de Ojai, no interior da Califórnia. E é de lá que a moça acaba de soltar o belíssimo EP Why you running, produzido pelo líder da Band of Horses, Bill Reynolds. Em breve entrevista exclusiva com a moça no Caderno B e aqui.

Veja essa: Wedding bells


E mais essa: In sleep

E mais aqui: http://www.myspace.com/lissiemusic

Rox - Soul sem comparação

Se nos últimos anos o cenário musical brasileiro parece ter sido inundado por uma enxurrada de novas vozes femininas, na Inglaterra um fenômeno parecido se instala, mas fincado na fusão do pop com a soul music. Faltava, porém, uma voz versátil o bastante para englobar todo o lastro de gêneros que a black music abarcou em seu pulsar nos últimos tempos. Com seu timbre cristalino e de extensão invejável, Roxanne Tania Tataei – ou simplesmente Rox, seu nome artístico – aposta na diversidade e acerta num caminho próprio.

Desde que Joss Stone e, depois, Amy Winehouse redesenharam as ondas sonoras de cores sessentistas, uma profusão de meninas se lançou em releituras para a sonoridade esculpida por selos como Stax e Motown décadas atrás. Nomes como Adele, Duffy, VV Brown e até a novata discípula de Miss Winehouse, Dionne Bromfield, seguiram o fluxo esquemático do rastro deixado por grupos vocais femininos da época, como Martha and the Vandellas e The Supremes, assim como a receita quente de Sharon Jones and The Dap-Kings. Afastada de qualquer nostalgia, Rox, é claro, não quer saber de comparações.

– Para ser sincera, eu tento realmente ignorar comparações do tipo. É claro que eu fico feliz, mas eu planejo estar na estrada por muitos anos e quero ter a certeza de que possa sobreviver a qualquer hype que cruze o meu caminho – esclarece a cantora, a bordo do Eurostar que a leva de volta a Londres depois de uma apresentação em Paris, para um programa de TV.

Influência do musical 'Chicago'

Rox rescende às divas do soul e ao tratamento classudo e renovado que nomes como Sade e Lauryn Hill emprestaram ao rhythm and blues. De traços delicados e corpo escultural, também por isso chamou a atenção das principais publicações inglesas e, antes mesmo de lançar seu álbum de estreia, Memoirs, previsto para o meio do ano, marcou presença no concorrido palco de Jools Holland. Atravessada por referências musicais aparentemente desconexas, cita o musical Chicago como uma delas, assim como deposita em seu balaio de influências nomes como Frida Kahlo, Portishead, D'Angelo e Elton John. Autora de métricas sinuosas, em que sua articulação é exigida e mostra elasticidade, Rox embala desde levadas reggae como Rocksteady a canções mais diretas, guiadas pelos cânones do pop e do rock.

– Amo praticamente todos os estilos musicais, mas os trabalhos de Eva Cassidy, Mahalia Jackson, Elton John, Joni Mitchell e Common me inspiram bastante.

Nascida em Londres há 21 anos, Rox solta a voz desde a primeira infância. Filha de uma cantora jamaicana e de um artista iraniano, dos cinco aos 10 anos dedicava suas manhãs e tardes de sábado, das 9h às 17h, aos ensaios com um grupo vocal da igreja de Norbury. E foi ali, em meio a encontros religiosos e churrascos de famílias jamaicanas, assim como em peças de teatro e excursões com o grupo Youth Musical Theatre durante a adolescência, que descobriu a sua potência vocal e a energia e desenvoltura que hoje emprega sobre o palco.

– Tudo começou muito cedo, mas eu sempre soube que deveria cantar. Acho que sou realmente sortuda em poder escrever minhas próprias canções e fazer com que elas possam afetar as pessoas.

A ousadia em pisar terrenos distintos chamou a atenção de um selo majoritariamente dominado por nomes da cena alternativa inglesa. Casa de artistas como The Strokes, The Libertines, Belle and Sebastian, Antony and the Johnsons e Little Joy, a Rough Trade Records não tardou em oferecer uma proposta, vencer uma batalha entre executivos de A&R e ampliar o seu quadro com uma artista de irrefutável apelo comercial.

– Eu não tenho mais nada a pedir, ou tenho? – brinca. – Senti que teria liberdade com eles. Daqui em diante o que eu quero é viajar e tocar muito para as pessoas que curtem as minhas músicas.

As primeiras canções começaram a ser buriladas há cerca de dois anos. Assim que teve em mãos um conjunto coeso o suficiente arrumou as malas para trabalhar com o produtor Commissioner Gordon (Lauryn Hill e Damian Marley), em Nova York. De volta a Londres após algumas sessões, juntou-se ao talentoso Al Shux, responsável pelo hit Empire state of mind, lançado pelo rapper Jay-Z.

– Commissioner me ajudou a construir um feeling, dar um rosto ao trabalho. Mas foram as sessões com Al Shux que sedimentaram a minha visão. Ele foi fundamental e me ajudou a acertar os detalhes finais para o disco – conta ela. – Gravar esse disco foi uma das experiências mais desafiadoras da minha vida. Apesar de confiar num repertório que havia sido testado em dezenas de shows em Londres, na Holanda e em Paris.

Odisseia romântica

A bordo de hits instantâneos como o single My baby left me e baladas de tirar o fôlego como Sad eyes, faz de Memoirs um álbum conceitualmente clássico, que espelha uma odisseia de contornos românticos. Entre a euforia da paixão e o vazio de uma decepção amorosa, Rox marca seu espaço como uma das mais promissoras cantoras deste início de década.

– Construí canções sobre as diferentes fases do amor, e acho que o disco te carrega por uma montanha-russa de emoções – observa. – Espero que daqui a 20 anos ele possa sustentar o significado do que estou cantando. E que eu consiga chegar até lá e me conectar com as pessoas, com as suas histórias.

No enredo que conecta e dá sentido à ordem do disco, Rox parte de uma relação amorosa estável. Algumas faixas depois, rompimento, desesperança e frustração guiam versos sobre a perda de alguém que não lhe fez bem, até que, finalmente, ela se deixa levar por um novo amor. Tudo muito óbvio, não fosse o seu inquestionável apuro melódico.

– Acredito que a música ainda continua a funcionar como a trilha sonora da vida de cada de um de nós. E de uma maneira muito poderosa. Só de imaginar que uma música minha possa significar tanto a ponto de ser escolhida para um casamento me faz sorrir. Não tem jeito, sou uma romântica irrecuperável.

E, além disso, uma cantora de sonhos.

Veja essa:
Breakfest in bed

sexta-feira, 19 de março de 2010

Franz Ferdinand tonight

A estrutura de madeira e ferro que punha em lados opostos a banda e o público que lotava a Fundição Progresso em setembro de 2006 veio literalmente abaixo. Era o início do show, e o Franz Ferdinand arremessava os seus primeiros hits na plateia, que correspondia à altura. A paralisação aumentava ainda mais a tensão e os decibéis, com urros que se valiam do altíssimo pé direito para preencher o ambiente. Era a segunda vez que o quarteto escocês se apresentava no Rio em menos de um ano. Poucos meses antes, em fevereiro, um Circo Voador lotado estufava sua tenda para receber uma das mais incendiárias apresentações que a Lapa já viu. Não era para menos. O FF estava no auge do hype. Havia dois anos que o o disco homônimo chegara às lojas. Seguido por You could have it so much better (2005), o rock cru, de riffs angulados e melodias pegajosas do grupo garantia espaço de destaque para o FF no cenário mundial.

– O último show que fizemos aí foi realmente incrível – recorda o baterista Paul Thomson. – Ficamos até preocupados de as pessoas não entrarem em surto. Foi algo bastante físico. O lugar estava quase entrando em colapso, e não queríamos causar uma catástrofe. Foi muito bom. No ano passado pudemos tocar em São Paulo, era um lugar menor, mas uma excelente casa, com muitas pessoas. Estamos ansiosos para voltar a tocar no Rio.

Quatro anos depois, o grupo volta a se apresentar hoje na mesma Fundição Progresso. Mas, definitivamente, será uma experiência diferente. Ao lado de hits como Take me out, The dark of the matinée, Michael, This fire, Do you want to, Walk away, The fallen, Eleanor put your boots, entre outros, estarão canções com uma nova roupagem, pinçadas do mais recente álbum do grupo, Tonight (2009).

– Vamos tocar basicamente as canções desta turnê, mas é claro que sempre mudamos alguma coisa de um show para o outro... Acho que desde que começamos a excursão nossa apresentação já evoluiu bastante. Mas tudo depende do clima da noite. Se estamos tocando no frio de Glasgow é uma coisa. Tenho certeza que aí vai ser algo bastante diferente. A única coisa que mantemos é a espontaneidade. O nosso maior trunfo é poder ser livre para mudar as coisas quando bem entendermos.

E foi isso que os músicos tinham em mente quando decidiram entrar em estúdio para gravar Tonight. O Franz Ferdinand já havia se tornado uma das maiores sensações britânicas. Mais que isso, haviam definido uma nova estética para o rock atual. O pós-punk cortado por guitarras secas, rápidas e angulosas havia se tornado modelo para uma infinidade de novas bandas do cenário independente. Na sala de gravação, Kapranos e companhia deveriam inventar um novo molde para que a carreira não desandasse em meio à veloz corrida de novas bandas na ilha. O cantor de pouca extensão, mas dono de métricas um tanto quanto originais, perseguia um novo caminho para as suas letras hedonistas, sobre garotas, relacionamentos amorosos frustrados, comportamento urbano e madrugadas de festa e bebedeira. E encontrou. Saíram da cena dos pubs e moquifos underground e invadiram porta adentro os clubes dançantes, mas dessa vez escoltados por densas camadas de sintetizadores.

– Demos muita atenção a tudo que envolvia o primeiro disco. E só o gravamos depois de tocarmos muito, ou seja, mais de 200 shows – recorda Thomson.

No primeiro álbum, como é de costume em bandas iniciantes, foi reunido o que de melhor foi produzido durante a adolescência e o início da vida adulta. Já o segundo, apressados pela expectativa gerada pelo primeiro álbum, soava próximo do debute.

– Tivemos pouco tempo para fazer o segundo disco... Tínhamos feito uma longa turnê e logo depois fomos para o estúdio. Oito meses depois já tínhamos o disco pronto. E então foi bom que, para este terceiro, pudemos ter mais tempo. Ficamos realmente envolvidos em pesquisar novas sonoridades. Estávamos muito mais focados, e mesmo assim as coisas levaram mais tempo para ficarem prontas. Aproveitamos o máximo que podíamos. Nos divertimos bem mais que o segundo, com certeza. O segundo é um disco muito rápido e direto, já Tonight é mais denso e pesado, mas para dançar também, é claro.

Depois de cruzar a América Latina e retornar à Europa, em abril, o FF deve tirar alguns meses de folga. Mas o quarto álbum já está nos planos.

– Não começamos a gravar, mas já temos umas canções. Não há nada muito definido. Ainda vamos trabalhar bastante nelas, e sem pressa. Agora ainda é hora de tocar.

Ulysses

quarta-feira, 17 de março de 2010

Free Energy - Guitarras à moda antiga

Enquanto queimava os tímpanos para finalizar o último álbum do LCD Soundsystem, James Murphy dividia as atenções no estúdio com uma sonoridade bem distante do que costuma produzir. Fora da trepidante atmosfera de beats eletrônicos, o produtor esmiuçava amplificadores valvulados para extrair riffs crus e as levadas rítmicas simplórias que emolduram o álbum de estreia do Free Energy. A fórmula sintética do minimalismo – menos é mais – servia a intenções nada modestas: reinventar o tão fora de moda classic rock americano que serve de base ao quarteto. Atravessados pela filosofia “faça você mesmo”, o grupo vinha batendo cabeça há alguns anos em sessões caseiras pouco satisfatórias. Em vez de frustração, o resultado deixava clara a necessidade de um produtor – e de peso.

– Eu amei fazer esse disco. Foi tão bom gravar guitarras novamente. Eu havia realmente esquecido que fazia isso tão bem – disse Murphy, numa entrevista recente.

Lapidado à exaustão, Stuck on nothing chegou às lojas há duas semanas e carrega nos versos “We're gonna start a new life, and see how it goes”, que embala o single Free energy, a centelha que moveu o grupo da acinzentada Minnesota aos estúdios da DFA Records, em Nova York.

– O disco é resultado de anos e anos de gravações. Algumas músicas são novas, mas há outras que eu e Paul (Spranger, vocalista) compusemos para bandas antigas. Foi um processo realmente longo, e eu nem me lembro quando realmente começamos a fazer as versões finais com James – lembra o guitarrista Scott Wells.

Ele encara as idas e vindas ao estúdio, assim como as mudanças na formação do grupo como um processo de aprendizado.

– Tocar com caras com quem nunca havia dividido um estúdio antes e conseguir construir uma massa sonora com o mínimo de coesão é algo realmente mágico – diz. – E agora perceber que tudo deu certo e que as pessoas estejam curtindo o nosso som é melhor ainda.

De Thin Lizzy a Cheap Trick

Respaldado pela crítica, o grupo, que é a atração de quarta-feira do talkshow de David Letterman, confere boas doses de ironia e diversão à seriedade do rock produzido atualmente. Lançando mão de distorções setentistas, sinalizam influências como Thin Lizzy, Fleetwood Mac, Tom Petty & the Heartbreakers e Cheap Trick, em canções como Drak trance e Hope child. No entanto, deixam a agressividade de lado em favor de uma combustão eufórica, desprendida e relaxada, que serve a refrões ganchudos muito mais afeitos ao power pop que ao rock de arena.

– James é um dos maiores responsáveis pelo clima descolado do disco. Ele reduz a estrutura do que tocamos aos movimentos mais básicos. Isso faz com que um movimento qualquer de slide ganhe uma potência enorme. Ele sabe como valorizar cada elemento, é muito meticuloso.

Canções ensolaradas como Dream city avalizam a ideia de uma sonoridade um tanto quanto “libertadora e para cima”, como diz Wells; sob medida para aturar a “rotina entediante dos escritórios, momentos difíceis num relacionamento amoroso ou as horas perdidas em meio ao trânsito caótico” das grandes cidades. Como se vê, Stuck on nothing é mais que um bom título, e, sim, perfeitamente adequado às intenções libertárias de versos como “We are young and still alive / And now the time is on our side”.

– Cantamos sobre o nosso crescimento, descobertas, amores, inspirações e toda a energia e desprendimento necessários para viver as belezas que encontramos por aí – diz. – Mas são as melodias, as linhas de guitarra e as dinâmicas que instruem o que devemos dizer. Os temas nascem do que os sons nos levam a pensar. As letras precisam estar perfeitamente conectadas com os arranjos.

A sintonia fina do Free Energy você ouve aqui:

Dark trance



Bang pop



E mais aqui: http://www.myspace.com/freeenergymusic

terça-feira, 16 de março de 2010

Jimi Hendrix - Valleys of Neptune

Gravada em 1966 e lançada como lado B do clássico Hey Joe, a furiosa Stone free serve como cartão de visitas mais do que adequado para este álbum póstumo, cercado de expectativas e alguns mistérios. Considerada uma das mais pesadas da carreira de Jimi Hendrix, a faixa é um líbelo contra o comodismo e a caretice que tanto incomodavam o músico. Acelerando numa jam session, assim como boa parte do disco, explode num refrão que urge pela psicodélica e entorpecida liberdade ventilada pelo músico.

Mesclando sete faixas inéditas, dois covers e três previamente lançadas, Valleys of Neptune denota o apuro da musicalidade de Hendrix, mesmo em canções consideradas inacabadas, como a faixa-título. Para ela, Hendrix experimentou toda uma diversidade de músicos e arranjos em mais de 15 diferentes sessões; as gravações seguiram até poucos meses antes de sua morte, em 1970. Se esta não é a versão final idealizada pelo gênio, serve como belo retrato final para as suas obcecadas e constantes variações sobre um mesmo tema.

Produzido em sua maior parte por Hendrix, que é acompanhado quase todo o tempo pela formação básica do The Jimi Hendrix Experience (o baixista Noel Redding e o baterista Mitch Mitchell) o disco é um precioso registro do processo criativo do ícone. Em Hear my train a-coming, ele envereda num blues carregado, em que vocifera as dores de um homem solitário que aguarda a chegada do trem na plataforma da estação. Nela, improvisos vocais e solos atiram notas livremente até o fecho dos extensos 7m29s que a conduzem. Já na curta Mr. Bad Luck Hendrix ataca num rock direto, um pouco menos arraigado à verve bluesy que molda suas outras criações. Em seguida, emenda com a versão em estúdio de Lover man, conhecida dos fãs em sua versão ao vivo, executada em performances lendárias (Woodstock, Berkeley, Isle of Wight).

Quanto mais o ouvinte se aproxima do meio de Valleys of Neptune fica claro o caráter laboratorial dos registros, não apenas pela imprecisão dos versos como também pela estrutura ainda pouco coesa dos arranjos, nos quais os solos de Hendrix prevalecem por longos minutos antes ou após versos esparsos de pouco significado. Entre as mais conhecidas pérolas ocultas, destaca-se Fire. A incendiária canção, frequentemente associada à abertura dos shows de Hendrix, recebeu inúmeras releituras até hoje, de Alice Cooper ao Red Hot Chili Peppers, que arremessou a sua versão no caótico Woodstock de 1999, quando um incêndio de grandes proporções se alastrou justamente quando o grupo embalava o cover. Também lançada como bônus, em Are you experienced? (1967), Red house é um blues dramático, arrastado e melodioso; um dos pontos de carga emotiva mais intensa da coletânea. Contando ainda com as instrumentais Lullaby for the summer e Sunshine of your love, do Cream, Valleys of Neptune é uma produção valiosa, mas sem o poder de impacto das jóias raras produzidas pelo músico em sua meteórica carreira.

Assista Bleeding heart:


domingo, 14 de março de 2010

Delphic - O futuro é agora

A cada ano torna-se mais desafiadora – quando não frustrante – a tarefa de acompanhar de perto a enxurrada de canções produzidas e veiculadas por novos artistas todos os dias. Em meio a um cenário pop multifacetado, do indie ao mainstream, cujas barreiras perdem definição gradativamente, se espraiam uma infinidade de nomes que, em questão de dias, horas, minutos e segundos são catapultados ao centro de um furacão midiático. Num tour de force para sacar o que anda rolando, preguei os ouvidos em mais de 50 nomes nas últimas semanas com a missão de separar o que realmente importa. A partir deste domingo, uma série de entrevistas exclusivas se empenha em apresentar e destacar as mais relevantes promessas do ano. Entre elas o trio britânico Delphic, assim como os nove nomes listados abaixo, entre outros que aparecerão por aqui mais tarde.

De volta a Manchester

Enfim uma banda inglesa ultrapassa a velocidade do hype; e sem dar tempo para os semanários musicais deixarem escorrer um novo gênero da ponta da língua. Dando adeus às sirenes ravers, às guitarras angulares, entre outros modismos, o Delphic mescla a house music dos clubes noturnos com a grandiosidade do rock de arena. Enquadram-se num cenário atual de bandas que aposentam a formação instrumental clássica. James Cook (vocal), Matt Cocksedge (guitarra) e Richard Boardman (multiinstrumentista) definem o trabalho como “música eletrônica executada por uma banda de rock”, e dão um tapa na cara do som eufórico e bem-comportado de alguns de seus contemporâneos. Primando pela originalidade, arremessam a sonoridade e a forma convencional de tocar guitarra na lata de lixo e apontam para um revival da Manchester oitentista – época em que os álbuns futuristas do New Order ditavam as ondas de rádio. No fim das contas, não revolucionam a máquina, mas garantem inventividade o bastante para emprestar novo fôlego à saturada cena inglesa.

– O que nos interessa é fazer com que as pessoas se emocionem e, é claro, fiquem estimuladas a dançar. Acho que Manchester precisa aprender a se mexer novamente. Queremos ser os maiores responsáveis por trazer o dance de volta ao mapa – afirma Cook,enquanto descansa após um set de DJ realizado em Newcastle.

A bordo de Acolyte, aclamado álbum de estreia, o grupo desponta como um dos mais energéticos da atualidade. Navegam por referências como Björk, Radiohead, Kraftwerk, Aphex Twin, Sigur Ros e Chemical Brothers para construir uma atmosfera singular, num arco de gêneros que embala o techno minimalista e o pop mais radiofônico.

– Todas as sonoridades que absorvemos estão gravadas no nosso subconsciente, então é difícil entender de onde vêm as conexões. Quando começamos a escrever juntos percebemos o cruzamento de influências comuns – conta o vocalista. – O que faz a nossa cabeça é um tipo de música que leva em conta a noção de pioneirismo. Mas é claro que admiramos e sabemos o quanto é difícil fazer canções que atinjam as massas. É algo tão valioso quanto criar a sonoridade mais original.

A mescla de sonoridades distintas, a quebra de barreiras entre gêneros musicais e o desprendimento quanto à formação sobre o palco não são as únicas facetas que denotam a contemporaneidade do grupo. Dono do próprio selo, Chimeric, o trio elaborou todo o material gráfico do álbum de estreia, assim como os vídeos promocionais. Perfeccionistas, escolheram a dedo o produtor Ewan Pearson, depois que ele fez da faixa Counterpoint o reflexo exato do que os três idealizavam.

– Somos extremamente detalhistas, então gravar e compor se torna um trabalho muito penoso e estressante. Ewan impediu que nos matássemos – brinca. – Ele transformou em realidade tudo o que estava dentro da nossa cabeça. Ele mora em Berlim, que é casa do techno. Foi tudo muito inspirador já que estamos imersos nessa cultura há muitos anos.

Jovem, ambicioso e inventivo, o guitarrista Matt Cocksedge diz estar cansado do rock calcado em riffs de guitarra.

– Passamos muito tempo ouvindo bandas que ditavam “A guitarra está morta, vida longa à guitarra”. Esse tipo de música se tornou cansativa e entediante. Sentimos que deveríamos usar a nossa criatividade para inovar e capturar uma sonoridade única.

Conceitual, a abordagem de Acolyte tem na faixa-título a matriz dos arranjos que moldam as outras nove canções.

– Acho que construímos um álbum fluido e consistente, áspero e bonito – diz Cook. – Acolyte é a peça-chave. Tudo gira em torno e deve caber dentro dessa atmosfera.

A cada uma das questões respondidas, o trio deixa escorrer certezas e um otimismo que vez por outra se confunde com prepotência. Celebrados por resenhas favoráveis e pela instantânea glorificação do jornalismo musical britânico, eles sabem, porém, que ainda lhes resta um longo e instável caminho à frente.

– Fico eletrificado, mas sei que é só o começo. Acabamos de lançar o primeiro disco, mas já estamos profundamente envolvidos com os conceitos do segundo. É claro que é incrível poder rodar o mundo tocando, mas fazer novas músicas é o que nos move. É como uma obsessão. Estamos sempre de olho no futuro.

Veja essa: Halcyon



E mais aqui: http://www.myspace.com/delphic

Chew Lips - Em busca do pop perfeito

Escoltada pelos multiinstrumentistas Will Sanderson e James Watkins, a lourinha Tigs tem a fórmula do pop gravada na boca. Envolta em bases eletrônicas e sintetizadores pulsantes, constrói refrões grudentos com a mesma facilidade que desenha linhas melódicas sinuosas de forte apelo sensual. Fã do rock alternativo cravado por ícones como Pavement, Dinosaur Jr. e Yo La Tengo, enfileira hits certeiros como a hipnótica Play together. Produzido por David Kosten (Bat For Lashes), Unicorn é um apanhado de chicletes que fixam à primeira orelhada e versam sobre a passagem para a vida adulta. “Não sabíamos muito bem onde chegar, mas era claro que não deveríamos soar como algo pós-Strokes, Bloc Party e Foals. É um disco de transição”, revela Tigs.

Veja essa: Salt air




Veja essa: Play together



E mais aqui: http://www.myspace.com/chewlips

The Drums - Nas ondas do surf pop

Enquanto a eletrônica continua a mexer com o som e a cabeça de roqueiros – seja pela sobreposição de sintetizadores ou pela imersão em beats programados – Jonathan Pierce (voz) e Jacob Graham (guitarra) trilham o caminho inverso. Cansados das eletronices produzidas na Flórida, juntaram uma grana, arrumaram as malas e partiram para Nova York, onde se juntaram a Adam Kessler (guitarra) e Connor Hanwick (bateria). De guitarras em punho, mergulham na década de 50 e no surf pop dos 60, pegando carona na sonoridade oitentista de Orange Juice e The Smiths. Relegados a moquifos de segunda categoria nos EUA, ganham fama sob a grita da atenta mídia britânica, que os tem como “a banda mais cool de Nova York”. Ecoando Factory e Beach Boys, assinam hits pegajosos, dançantes e ensolarados como Let's go surfing e Saddest summer, assim como melancólicas e nostálgicas baladas. Down by the water é um caldo de tirar o fôlego.

Escuta essa: Down by the water



Veja essa: Best friend


E mais aqui: http://www.myspace.com/thedrumsforever

Rox - Do reggae ao soul com personalidade

Desde que Amy Winehouse e Mark Ronson pintaram seu set de tintas sessentistas, uma profusão de jovens cantoras se lançaram à sonoridade Motown. Se em 2009, Adele, Duffy e VV Brown fizeram suas releituras, em 2010 a jovem Rox... já não tem mais nada a ver com isso. Entre Sade e Lauryn Hill, cita de Portishead a Elton John como influências. Cruzada por referências aparentemente desconexas, essa inglesa de 21 anos, metade jamaicana, metade iraniana, assina em Memoirs uma odisseia amorosa. “Começo o disco falando sobre uma relação estável, depois falo sobre perder alguém que não lhe faz bem e, finalmente, o caminho até encontrar um novo amor”, diz Rox. Dona de um timbre cristalino e de uma extensão invejável, aposta na diversidade. Hits instantâneos como No going back cruzam o terreno do soul, reggae e o mais puro pop.

Veja essa: My baby left



E mais aqui: http://www.myspace.com/roxmusik

Phantogram - Eletro pop hipnótico

Procedente da remota Saratoga Springs, a poucos quilômetros de Nova York, não demorou para o duo formado por Sarah D. Barthel (voz e piano) e Joshua M. Carter (guitarra) aterrissar na metrópole. Avançam sobre a música neoclássica, krautrock, shoegaze e o afrobeat para embalar melodias soturnas e as letras sobre amor e morte que recheiam o début, Eyelid movies. “Tentamos fazer a música que gostaríamos de ouvir... Algo fresco e novo, mas que seja familiar e estimule a nossa criatividade, como os Beastie Boys, Flying Lotus, Pavement, Bowie, Sparklehorse...”, enumera Josh, que anda escutando Beach House e excursionando com bandas como XX e Yeasayer.

Escuta essa: Mouthful of diamonds


Veja essa: Running from the cops



E mais aqui: http://www.myspace.com/phantogram

Two Door Cinema Club - Indie rock pra dançar

Amigos desde os tempos de colégio, Alex Trimble, Kev Baird e Sam Halliday são apontados como a grande revelação irlandesa dos últimos anos. Usam a formação de power trio para passar bem longe do punk e se filiar à sonoridade eletrônica. Expoentes do indie rock sob medida para as pistas de dança, desenham refrões melodiosos à Death Cab For Cutie e “levadas rítmicas chupadas de Daft Punk e outros combos eletro, como Digitalism”, diz Kev. Produzido por Eliot James (Kaiser Chiefs, Bloc Party), Tourist history já embarca os irlandeses numa turnê ao lado do Phoenix e confirma o nome da banda no line-up dos maiores festivais de verão da Europa em 2010.

Veja essa: Undercover Martyn

Chapel Club - Infinita herança do pós-punk

Entra ano e sai ano, o cenário britânico catapulta uma releitura do pós-punk cunhado por Ian Curtis e seu Joy Division. Com a mesma verve carregada de bandas como The Editors e White Lies, o vocalista Lewis Bowman desenlaça melodias soturnas mas de irrefutável apelo pop. Barítono, empresta vocal encorpado para preencher arranjos que valorizam linhas de guitarras pontuais e estridentes. Citando Sonic Youth, New Order, Yeah Yeah Yeahs, Atlas Sound e Liars, Bowman ainda revela desconforto à frente do microfone. “É a minha primeira banda. Tive que aprender a cantar, escrever canções e me apresentar ao vivo. Fico surpreso que os nossos shows estejam chamando atenção. Ainda me parece um pouco ridículo”, confessa.

Veja essa: O maybe I


Theophilus London - A nova cara do rap

Fugindo à tradição gangsta arraigada aos guetos mais populosos e pobres de Nova York e dos EUA, London passa longe da persona machista que corrompe e empobrece o rap americano. Incensado pelo universo da moda, por trás de seus óculos de grau, jaqueta de couro e influências pinçadas do rock britânico metralha versos inteligentes e – mais um diferencial – entoa alguns de seus refrões. Guiado por dançantes linhas de baixo, destila poesia urbana e contemporânea por entre batidas cruas e camadas de sintetizadores. Conhecido por mixtapes em que sampleia ícones do soul, R&B, jazz e até do pós-punk, conta com colaboradores de peso, como o produtor Mark Ronson e o cantor Sam Sparro. Se não deixa o materialismo excessivo de lado, ao menos redimensiona a estética e a sonoridade das ruas.

Veja essa: Humdrum town

Baixe de graça The charming mixtape aqui.

E mais aqui: http://www.myspace.com/theophiluslondon

Holly Miranda - Folk com tinta eletrônica

Dona de uma voz suave e de canções de tinta folk, Holly Miranda caiu nas graças de um dos mais celebrados produtores da atualidade, o guitarrista do TV On The Radio, David Sitek. Sob o estofo de uma cuidadosa produção, seu disco de estreia, The magician's private library, chancelado pela XL Recordings, ganha a companhia das originalíssimas vozes de Tunde Adepimbe e Kyp Malone, ambos do TVOTR. Sob uma torrente de metais, teclados e guitarras, a moça desfila um repertório comovente em meio a paisagens sonoras acinzentadas, desoladas e, por vezes, fantasmagóricas.

Holly Miranda canta, toca violão e é acompanhada por um violinista enquanto passeia por Williamsburgh, num giro de mais de 17 minutos:


Veja essa: Waves:


E mais aqui: http://www.myspace.com/hollymiranda

Free Energy - Back to the basics

Eles não reinventam a roda mas emprestam generosas doses de diversão e ironia à seriedade do rock produzido atualmente. Distribuindo riffs clássicos em distorções setentistas, prestam tributo ao hard rock, mas deixam de lado a agressividade para construir uma sonoridade despojada. Refrões ganchudos fizeram a cabeça de James Murphy (LCD Soundsystem), que produziu o álbum de estreia, Stuck on nothing, e agora o distribui pelo seu selo DFA. “James nos encorajava, dizia que deveríamos nos divertir no estúdio. É ele é o responsável pela atmosfera relaxada do disco”, ressalta o guitarrista Scott Wells.

Escuta essa: Dream city



Veja essa: Free energy


quinta-feira, 11 de março de 2010

"Era no tempo do rei" embalado por canções inéditas de Aldir Blanc e Carlos Lyra

A ansiedade é incontida. Assim como irremediável qualquer “Fique tranquilo” amenizado pelo repórter. “O que você vai assistir não é exatamente a peça. O som ainda não está muito bom. Estamos sem o figurino...”, ressalta João Fonseca, segundos antes de simular o terceiro sinal que daria partida ao ensaio corrido do musical Era no tempo do rei, baseado no romance homônimo escrito por Ruy Castro. O relógio anda em contagem regressiva. A menos de uma semana da estreia o diretor dá a impressão de que ainda tem muito com o que se preocupar. Mas, ao que parece, não é bem assim. E, no fundo, ele demonstra saber disso. Aos primeiros minutos, já relaxado na poltrona de uma das primeiras fileiras do teatro João Caetano, ele se refestela em gargalhadas irrefreáveis ante à marcante atuação de Alice Borges, que dá vida à voluptuosa e histérica Dona Maria, a Louca. A matriarca da família real portuguesa serve como narradora onisciente do espetáculo; comenta e interage com os atores e com a plateia em meio a tiradas de lascar. Entre uma pontuação e outra, Fonseca deixa transcorrer sem grandes intervenções as cenas que, mesmo sem figurino, som e seja lá o que for, denotam a excelência da produção que o público carioca está prestes a conferir nesta sexta-feira (12), quando a montagem definitivamente entra em cartaz.

– Fui pego de surpresa. Até agora foi tudo muito corrido. Eu estreei uma peça no comecinho do ano e só pude começar a ensaiar no dia 18 de janeiro. A minha sorte é que eu tenho um elenco de sonho, além da riqueza do texto e das canções lindíssimas – elogia Fonseca, diretor de espetáculos como Gota d'água, assim como o recente e premiado musical Oui oui, a França é aqui.

Quando deixa escapar “canções lindíssimas”, ele se refere às 19 músicas inéditas criadas por uma igualmente debutante parceria entre Carlos Lyra e Aldir Blanc. Não é todo o dia que uma dupla de craques da MPB empresta talento melódico e lírico ao teatro. Exemplos marcantes, como o lendário encontro entre Tom Jobim e Vinicius de Moraes, para Orfeu da Conceição, ou as contribuições de Chico Buarque e Paulo César Pinheiro, entre outras emblemáticas, atiçam a memória e instigam a expectativa. Passeando por lundus, maxixes, modinhas, marchas-rancho, choros, valsas, fados, viras, entre outra infinidade de ritmos, o espetáculo ganha vigor com a execução de uma banda ao vivo, adornada por cordas e sopros, além de bandolim e cavaquinho.

– Compositores como esses criando canções exclusivas faz toda a diferença do mundo – derrama-se Heloisa Seixas, mulher de Ruy Castro e corroteirista da peça ao lado da filha, Julia Romeu. – Não chegam a ser 19 ritmos diferentes, mas Carlinhos é de uma inventividade... Só não temos samba porque o texto do Ruy se passa em 1810, dois anos após a chegada da corte ao Brasil. O samba não havia sido criado e o carnaval tinha outro nome.

Apaixonado pelas palavras pesquisadas e cravejadas no romance, Aldir Blanc encarou o desafio de criar faixas que respeitassem a linguagem da época, mas que, ao mesmo, tempo sugerissem uma entonação confortável. Em uma das passagens, Solilóquio para Vidigal, o letrista lançou mão de seu malabarismo poético para emprestar 15 sinônimos à palavra canalha.

– No livro, Ruy já havia pesquisado 10, mas Aldir não repetiu nenhum. Ele é de uma riqueza vocabular impressionante. Consegue ser culto, coloquial e escatológico ao mesmo tempo – destaca Heloisa. – Ele é louco pelo Memórias de um sargento de milícias, que dá certa base ao trabalho do Ruy. O Carlinhos sabia disso e o convidou logo no início do trabalho. Ele se apaixonou pela ideia.

Autor de canções para musicais como Pobre menina rica, ao lado de Vinicius de Moraes;Gata borralheira, com Maria Clara Machado; Vidigal, com Millôr Fernandes e Cangaceiro, com Zé Celso Martinez, Lyra não teve dúvidas, ao imaginar a trama cantada sobre o palco, em ligar imediatamente para Ruy Castro: “É a história do príncipe e de um menino. Isso dá um musical!”, disse.

– Senti todo o clima do Brasil império e a vivência desses garotos. Ele se empolgou e me perguntou se eu gostaria de criar com o Aldir, pensando que eu não fosse concordar... Aldir nunca foi meu parceiro, mas o nosso encontro foi magnífico. Queremos gravar a peça para lançá-la em DVD e as músicas em CD.

Enquanto afinavam as notas para a empreitada, Lyra sugeriu que Blanc lhe enviasse alguns escritos.

“Você vai colocar música nas letras?”, perguntou Blanc, ainda desconfiado.

Ante à afirmativa do compositor, o escritor retrucou desconfiado: “É porque nunca funciona assim com outros parceiros”.

– Ele ficou surpreso, e aí começou a escrever aquelas letras incríveis, verdadeiras obras-primas. Comecei a imaginar um ritmo para cada uma delas. Só não compus sambas, porque iríamos pecar pelo anacronismo. Foi muito gratificante, porque é o inverso do que faço no samba ou bossa nova. É um compromisso com a letra e a situação dramática. Não é qualquer um que quer ou sabe fazer.

Escrito em 2007, Era no tempo do rei recria de forma bem-humorada a chegada da corte portuguesa ao Brasil. Exatos 200 anos atrás, o ainda menino D. Pedro foge do palácio para curtir “as músicas melodiosas, as mulheres deliciosas e as paisagens lindíssimas”, como assinala o texto, em pleno Carnaval de 1810. Assim como o autor do livro, Heloisa Seixas e Julia Romeu sentiram-se desobrigadas a reproduzir fielmente a trama e as intrigas palacianas desenvolvida por Castro. Em pleno Centro da cidade, o cenário faz referência ao Rio antigo. Em meio a nove painéis, Pedro (Christian Coelho) e seu fiel assecla, Leonardo (Renan Ribeiro) – personagem emprestado do clássico Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antonio de Almeida – aprontam de tudo enquanto passeiam pelos Arcos da Lapa e do Telles, assim como pela Praça 15 e o Paço Imperial.

– Tomamos muitas liberdades. Fundimos personagens e transformamos alguns vilões em heróis – conta Heloisa. – Quando você transpõe uma obra literária para o teatro é natural a recriação e, com ela, a criação propriamente dita. É aí que surgem as alterações.

Mudanças que servem ao tom farsesco de uma comédia musical fiel ao pano de fundo cultural e histórico detalhado no texto original.

– Ruy foi muito generoso, e se manteve totalmente afastado até que concluíssemos o trabalho – revela Julia. – Deve ser difícil para ele perceber que muitos de seus personagens não estão na peça. Ele só assistiu quando estava pronto.

Apesar dos cortes, o que se vê é o mesmo frescor e safadeza contidos no livro.

– Evitei participar da adaptação porque acho que o autor não deve se meter. São linguagens diferentes – analisa Ruy Castro. – O mais importante é que se preserva o espírito, a densidade verbal e a ação. É a história de Portugal se defrontando com o Brasil. O jovem príncipe sendo recebido por um brasileiro que lhe ensina a arte das ruas.

No palco, em meio às peripécias dos adolescentes, se desenrola um golpe armado por Carlota Joaquina (Izabella Bicalho) para destituir D. João (Léo Jaime) do trono. Contando com o auxílio do diplomata inglês Jeremy Blood (Tadeu Aguiar), seu amante, ela se embrenha num Rio mezzo fictício mezzo real, onde passeiam figuras exóticas como o Major Vidigal (Luis Nicolau), o pilantra Calvoso (André Dias) e a prostituta Bárbara dos Prazeres (Soraya Ravenle), personagem real que, na trama, é mostrada como ex-amante do príncipe D. João. Leo Jaime ressalta uma necessária revisão da importância do governante português e ressalta alguns de seus feitos, como a criação do Banco do Brasil.

– Ele foi um grande estadista, que teve um trabalho gigantesco para trazer toda a biblioteca de Portugal para o Brasil de navio. Todo o planejamento urbano, paisagístico e estético que faz do Rio uma cidade maravilhosa também começou com ele – destaca o ator e cantor.

Preocupado em emprestar a D. João uma série de matizes, Léo Jaime canta, dança e rodopia em saltos no ar, sempre com sotaque azeitado e humor em boa medida.

– Não posso deixar o meu personagem cair num tom monocromático, simples e bobo. Depois do centenário começamos a entender que o brasileiro não tinha a concepção exata do que representou a família real portuguesa ao Brasil.

Parece que a gente nunca se redime da nossa alma de cachorro vira-lata, como dizia Nelson Rodrigues, sempre como se não fôssemos donos da nossa própria história.

Com um extenso currículo em musicais – Os cafajestes, Viva Elvis, Rock horror show, entre outros – o cantor ressalta o sinuoso repertório cunhado por Blanc e Lyra.

– As canções dão um toque de brilhantismo. É um apanhado de valor inestimável para o teatro musical brasileiro. Nós, que somos tão musicais, merecemos um repertório mais extenso, original, e que represente com beleza a nossa história.

Ruy Castro concorda:

– Não quero me antecipar, mas tem cheiro de clássico.