NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

sábado, 31 de maio de 2008

Who is MGMT?



Formado em 2002 por Andrew Vanwyngarden e Ben Goldwasser, o MGMT é a dupla mais cultuada do experimental cenário artístico do Brooklyn. Radicados na cidade nova-iorquina, a banda excursiona desde o início do ano pelos EUA e Europa, com lotação esgotada na maioria das apresentações da turnê que, agora, cruza mais uma vez o velho continente com presença confirmada nos principais festivais de verão. Com o aval da mídia britânica e americana, a expectativa de se criar um novo hype também vingou por aqui e a banda está com datas marcadas para se apresentar no Brasil, no Tim Festival 2008.

Enquanto lia e respondia as questões desta entrevista, o vocalista do MGMT, Andrew, seguia viagem pelas estradas norte-americanas, ao sul do estado de Idaho, em direção à Califórnia. Era final de fevereiro e o inverno americano ainda servia de cenário.

– Tudo aqui está completamente branco, como se tudo fosse parte de um esquisito planeta das neves. Eu realmente preciso fazer minha barba, acabei de completar 25 anos, sabe como é... – viaja Andrew.

De acordo com o vocalista, originalmente o nome da banda era The Management, mas achavam um tanto quanto genérico e queriam algo mais ameaçador, que tirasse um sarro do corporativismo moderno sem que a brincadeira soasse tão óbvia e mesquinha como o universo dos negócios. Para o bem ou para o mal, o MGMT também foi cooptado pela indústria e seus integrantes, agora, curtem o prazer e os dissabores de uma proposta indie que se confunde com o mainstream.

– MGMT fez com que tudo se tornasse mais misterioso e unido. Escolhemos o nome muito antes de sermos contratados por uma grande gravadora, como a Columbia, mas as implicações paradoxais que surgiram desde que assinamos contrato com a Sony nos enchem de prazer e satisfação – Andrew.

Classificados pelo The New York Times, como “inexplicavelmente contratados de uma grande gravadora” (SonyBMG), o MGMT é composto por dois jovens hedonistas e psicodélicos que entoam em letras nonsense e melodias tortas, o que jovens da geração myspace diriam às primeiras lisérgicas imersões ao mundo do LSD.

– Escrever letras é sempre um processo que vem depois. Teremos sempre a música, todas as faixas produzidas e a melodia pronta para funcionar. A partir daí vou sozinho para um quarto e passo algumas horas escrevendo. Normalmente incorporo idéias de livros que estou lendo no momento ou invento mentiras e as combino com pensamentos em relação à vida e relações pessoais. Muitas das canções são inspiradas por um livro que estou lendo sobre a Primeira Guerra Mundial – explica Andrew.

Em uma viagem musical colorida e carregada na gênese do Flaming Lips, a dupla aposta em um pop espacial adaptado ao escopo do rock-eletrônico produzido atualmente na Inglaterra. Com tintas de Rolling Stones, dub e soul music, das décadas de 60 e 70, o MGMT enche os ouvidos e expande a mente de musicólogos virtuais.

– Definitivamente nunca pretendemos ter uma banda séria ou tradicional. Nossa missão original era confrontar e irritar ao máximo possível o nosso público. Mas isso se transformou em um estranho desejo de atordoar as pessoas enquanto simultaneamente queríamos dar prazer com levadas e melodias pop – afirma Andrew. – Acho que um ponto central das canções que realmente gostamos é uma boa dose de mistura de sonoridades estranhas e grudentas. Queríamos fazer referência a psicodelia do final dos anos 60, soft country dos anos 70, algumas coisas industriais dos anos 80, e o rock largado dos anos 90, mas deixando tudo isso com um aspecto único e original.

Dosando estranheza harmônica com melodias doces e letras inspiradas na Primeira Guerra Mundial, o MGMT apresenta-se em formato de quinteto e em seus shows um verdadeiro rodízio de instrumentos comanda a festa da dupla.

– A turnê com o Yeasayer pelos EUA e na Europa foi arrebatadora. O público é qualquer coisa de inesperado, considerando que esta é a primeira vez que as duas bandas estão na linha de frente de uma grande turnê. É muito louco que estamos com lotação esgotada na maioria dos shows e que as pessoas saibam as letras de praticamente todas as nossas músicas. Acho que somos realmente "buzz bands", mas somos hypes como alma e coração.

Lançado no início desse ano, o álbum de estréia da banda, Oracular Spectacular (Sony&BMG), não conta com data de lançamento no Brasil e nem na América do Sul. No entanto, isso não impede que a banda se apresente no país e nem que o vocalista arrume uma solução para o problema:

– É maravilhoso saber que temos pessoas no Brasil que apreciam nossa música. Não sei por que não temos uma data de lançamento marcada para o Brasil ou algum outro país da América do sul, por isso mesmo todo mundo deve baixar o álbum ilegalmente o mais rápido possível. Acho incrível saber que as pessoas podem ouvir nossa música ao redor do mundo todo – entusiasma-se.


Entrevista MGMT

LFR: O que você acha que mudou no mundo e no negócio da música nos últimos cinco anos? Sites como myspace e youtube... gravações feitas a qualquer local e hora tendo em mãos hardwares e softwares como Mbox e Pro tools, qual o sentimento de ser um produto desse tempo? Está curtindo essa experiência musical cada vez mais veloz?

AV: Acho que o fenômeno da música digital ou online tem trazido muita música nova para os meus ouvidos, artistas que nunca havia escutado alguém falar. Acho constantemente bandas no myspace que têm idéias musicais e canções extraordinárias, e que apenas têm cerca de 200 amigos hehe. Então, na maioria das vezes, roubo as idéias deles e faço delas minhas próprias canções, sem dizer nada a ninguém, apenas a você.

LFR: À época em que estudavam música na universidade seus shows eram obscuros, barulheira eletrônica criada ao vivo, músicas cheias de loops e que duravam intermináveis 15 minutos. Hoje, se apresentam como uma banda convencional, com duas guitarras, baixo, bateria e teclados. Qual a versão MGMT mais divertida e por quê? Sentem falta daquela liberdade?

AV: Nos nossos antigos shows, na época da universidade, era mais fácil ficar bêbado de vinho e ficar caído em qualquer canto e tudo o que tinha que fazer era cantar em frente ao microfone. Algumas vezes usávamos até algumas linhas vocais pré gravados, ao vivo, então realmente ficávamos apenas flanando por aí e deixando as pessoas excitadas. Este estilo tinha suas vantagens, mas é mais difícil de segurar a onda quando você está fora da universidade, sem estar inserido em um contexto de impulsos universitários malucos que te levam a destruir e amar todo mundo e a todas as coisas. Agora estamos tocando em uma formação de banda de rock tradicional. Não nos sentimos esgotados ou de saco cheio de tocar desta forma, porque há uma porção de mudanças e partes do disco novo para lembrar. Estamos ficando cada vez melhores em nossos instrumentos e não acho que perdemos de jeito algum aquele espírito de destruição e amor. Isto é parte fundamental da nossa banda.

LFR: Em uma entrevista recente você declarou que nunca havia planejado que este projeto os levasse à gravação de um disco e a um contrato com uma grande gravadora. Disse também que achava um acidente que as pessoas gostassem de vocês... Até que ponto isto é verdade ou apenas um momento para fingir que não se importa? ("Time to pretend" é o primeiro single da banda)

AV: Definitivamente nunca pretendemos ter uma banda séria ou tradicional. Nossa missão original era confrontar e irritar ao máximo possível o nosso público. Mas isso se transformou em um estranho desejo de atordoar as pessoas enquanto simultaneamente queríamos dar prazer com levadas e melodias pop. Estamos excitados para gravarmos e entrarmos em estúdio novamente, o mais rápiso possível, porque para mim, como um músico, esta é a parte mais desafiadora e prazerosa de tudo isso.

LFR: Ao ouvir pela primeira vez o som de vocês, a primeira coisa que veio à cabeça foi: novos garotos psicodélicos! OK, mas não só isso. Próximo passo: Rolling Stones, soul music, música eletrônica e dub! Uma combinação estranha de harmonias e texturas não tão comuns, ao mesmo tempo doces e amargas. Como estes distintos elementos e sonoridades foram concatenados para formar este quebra-cabeças?

AV: Eu e Ben sempre escutamos uma ampla e variada coleção de bandas dos últimos 60 anos da história da música. Nós dos fomos criados ouvindo a coleção de discos de nossos pais, que consistia basicamente em rock clássico e folk dos anos 60 e 70. Na universidade começamos a entrar na onda de Spaceman 3, Sonic Youth, Rolling Stones, Suicid, dub, entre outras coisas. Basicamente todas as coisas que gostamos de falar que nos inspiram hoje, descobrimos e começamos a amar na universidade. É muito legal que você tenha percebido influência de dub na nossa música!

LFR: Além da estranheza das músicas você escreve letras totalmente chapadas. Fale um pouco dos seus temas prediletos, o que te instiga a pegar caneta e papael e escrever uma letra? Qual sua favorita do álbum?

AV: Escrever letras sempre foi um processo que veio depois para mim. Teremos sempre a música, todas as faixas produzidas e a melodia pronta para funcionar. A partir daí vou sozinho para um quarto e passo algumas horas escrevendo algumas letras. Normalmente incorporo idéias de livros que estou lendo no momento ou invento mentiras e as combino com pensamentos em relação a vida e relações pessoais. Provavelmente minha letra favorita do disco é "Pieces of what". Muitas das canções são inspiradas por um livro que estou lendo sobre a Primeira Guerra Mundial.

LFR: Da tranqüilidade em meio aos pastos verdejantes da universidade de Wesleyan, em Connecticut, para à loucura psicodélica e frenética do Brooklyn. O quão esquisito e apaixonante é para você viver em NY?

AV: Embora esteja morando em NY, eu pouquíssimas vezes estive em casa nos últimos meses. Estamos em turnê, sem parar. Amo NY, assim com o Brooklyn. Só a comida já é razão bastante para se morar em NY, assim como Brooklyn durante o verão, não há melhor lugar para se viver.

LFR: E o que está rolando no cenário do Brooklyn, NY está viva de novo? Quais as bandas mais interessantes do momento?

AV: Nós amamos o Yeasayer. O show deles é incrível e lançaram um disco maravilhoso. Acho que as melhores bandas de Nova Iorque atualmente ainda não explodiram. Chairlift, Suckers, Francis Starlite e Boy Crisis, são bandas que fazem um tipo de som para expandir mentes, abrem a nossa cabeça!

LFR: Após o lançamento do EP "Time to pretend", vocês decidiram dar um tempo com a banda. Apenas quando assinaram contrato que decidiram retomar o projeto. Por que houve este intervalo, alguma briga, o que ocorreu?

AV: No período em que não estivemos nos falando, pois estávamos vivendo em diferentes partes do país, eu tentava continuar fazendo música, o máximo que eu podia. Comecei a fazer algumas coisas com o Kevin do Of Montreal, trocamos muitas idéias musicais pelo computador. Eu não poderia nem pensar em alguma outra coisa que poderia fazer além da música. Assim que assinamos o contrato, meio que nos forçamos a nos motivar e voltar a trabalhar nas nossa composições que estavam meio paradas.

LFR: Certa vez você disse que a Columbia havia lhes dado autonomia para conduzir todo o processo criativo do álbum. No entanto, o Midas barbudo, Rick Rubin, adiou o lançamento do disco e pediu para que vocês retornassem ao estúdio. Ele é o tipo de produtor que ama fazer com que os artistas escrevam mais de 40 músicas e muitas bandas já desistiram de trabalhar com ele, como o Velvet Revolver, recentemente, que por conta desse método obsessivo desistiram da parceria. Até que ponto trabalhar com ele foi um problema e uma satisfação para vocês?

AV: Isto não está muito claro para as pessoas. Quando o Rick Rubin veio para a columbia o nosso disco já estava gravado. Ele estava revendo todo o catálogo da gravadora, antigos e novos, e quando ele chegou a nossa música ele ficou impressionado, mas achou que talvez precisássemos de mais algumas canções para fechar o álbum. Nós pensávamos o contrário e marcamos de nos encontrar. Nos conectamos de cara e ele acabou decidindo apenas mudar a ordem das canções no disco. Rick Rubin é um cara extremamente inteligente.

LFR: Soube que você tem verdadeiro fascínio pela América do Sul e que adoraria viver em um país como o México. Garanto a você que aqui a loucura iria ser muito mais divertida, quando vêm para cá?
AV: Mal posso esperar para ir ao Rio. Com certeza, está no topo da nossa lista de lugares para conhecer. Espero ver vocês em breve!

* Matéria e entrevista na íntegra que serviu à publicação do Cad. B em 04.03.2008. À época, a banda chegava à casa do milhão em seu perfil do myspace. Agora, dois meses depois, atingem quatro milhões de visitantes.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Simon Reynolds - Bring the noise




Óculos de aro grosso e armação moderna, em cor negra, descansam seguros sobre um semblante branquelo; à primeira vista o bastante para enquadrá-lo como um típico e, talvez pedante, jovem intelectual inglês. No entanto, aos 45 anos ele é possivelmente o mais influente crítico de música pop da Inglaterra, tendo atrás de si uma carreira como jornalista dividida entre Londres e Nova York e artigos em publicações como The New York Times, Village Voice, Spin, The Guardian, Rolling Stone e Melody Maker.

Ao aliar o discurso verborrágico e a virulência do polêmico crítico americano Lester Bangs com a teoria crítica e psicanalítica de pensadores como Gilles Deleuze e Sigmund Freud, o jornalista e escritor Simon Reynolds, radicado desde 2002 em Nova York, vai muito além daquilo que o estereótipo poderia lhe emprestar. Ao partir desta explosiva combinação de influências, carregada ainda na filosofia nietzschiana, o autor redigiu verdadeiros tratados sobre a cultura rave dos anos 80 e 90; cunhou termos como o "pós rock" e revelou a subestimada cena grime inglesa.

Após ter nos dado um gostinho do seu estilo com a publicação de muitos destes textos no livro Beijar o céu (Conrad, 2006) – compilação de artigos publicados tanto na imprensa como nos livros Sex Revolts e Rip It Up and Start Again –, Simon Reynolds lança este mês (a princípio no mercado internacional) seu quinto livro, Bring the noise (Faber & Faber), onde analisa fenômenos recentes da música pop a partir de uma coletânea de escritos jornalísticos publicados entre 1985 e 2005.

Como o subtítulo do trabalho sublinha: 20 Years of Writing About Hip Rock and Hip Hop, Simon compôs, a partir de um emaranhado de entrevistas, artigos e resenhas, um quadro de referências inédito que ilustra conexões precisas entre a geração indie inglesa ("hip" rock) e a cena rapper dos guetos americanos e ingleses (hip-hop) – o que inclui R&B, dancehall reggae, grime, entre outras vertentes.

– Essa complicada e fértil relação entre a música branca e a negra sempre esteve ativa na minha cabeça, desde o início da minha carreira – revela Reynolds, que, ao invés de reunir um apanhado de seus melhores textos, preferiu estabelecer a relação entre o indie-rock e a black music moderna como o tema, ou espinha dorsal, a guiar o projeto.
– Trata-se de uma área de interesse cada vez mais ampla, já que a história do rock foi catapultada justamente a partir do romance que o branco sempre alimentou em relação à negritude. Um ímpeto particularmente muito forte na história do rock e do pop britânicos. Temos uma intensa e magnética atração pela música da América negra e, também, pela influência da cultura jamaicana e caribenha, devido à imigração massiva nos anos 50 e 60; legado do império britânico. Acho que a música negra alimenta algo que os britânicos necessitam. Parece que isso nos amplia em relação a nós mesmos, ameniza alguns dos menos atrativos traços do nosso caráter e essência – acredita Reynolds.

Apesar de não demonstrar entusiasmo com a nova onda de cantoras neo-soul inglesas, como Amy Winehouse, ou das novas divas de 2008, inspiradas pela junkie-diva, caso de Adele e Duffy, o autor deixa claro que este é um exemplo louvável da projeção massiva que os ingleses catalisam em direção a música negra americana.

– Sempre fiquei fascinado em ver como a boemia branca era fustigada e extirpada pela cultura negra – conta.

Segundo ele, em meados da década de 80, a timidez e o ar reservado de muitos artistas ingleses, influenciados pelo estilo da fonte menos negra do rock americano, o Velvet Underground, se acentuou.

– O indie-rock inglês sempre foi muito pálido, em termos vocais. Faltava-lhe energia e, nos anos 80, era crescente o desapego dos alternativos em relação à influência da música negra – assevera.

Longe da levada funk e do dance, além da auto-glorificação personificada pelo egocentrismo da música pop negra, em algumas bandas a negritude se esvaia por completo, ao ponto em que se segregavam a si mesmos.

– Em termos políticos e estéticos, sou a favor da mistura, daquilo que é mestiço. Apesar de saber que o purismo estético sempre foi e será um caminho válido. Amo artistas estritamente brancos e essencialmente britânicos, como os Smiths, minha banda predileta – ressalta.

No entanto, impelido a seguir e acompanhar duas direções musicais quase antagônicas, Reynolds não hesita em afirmar que, até hoje, o rock alternativo, "muito reprimido emocionalmente", ele diz, peca pela ausência da exuberância e vitalidade características da música negra.

– O que me fascina no rap é que, musicalmente, eles continuam a evoluir e construir caminhos sonoros que o indie-rock nunca ousou. Nomes como NWA e Timbaland nunca deixaram de se arriscar, experimentar novos ritmos e sonoridades – avalia.

Segundo Reynolds, o rap o toca pelas mesmas razões que fora instigado, ainda na adolescência, pelos críticos de rock dos anos 80, que agiam e escreviam como se fossem líderes proféticos.

– Também sou muito egocêntrico, então reajo e me identifico com esse elemento do rap, especificamente no que diz respeito à tiração de onda e auto-glorificação. Na vida real tendemos a nos afastar de pessoas que estão sempre elogiando suas próprias e mesquinhas habilidades, sua saúde, além de banalidades, como a quantidade de mulheres que um sujeito já levou pra cama. Porém, eles transformaram toda essa ameaçadora agressividade em arte – atesta.

Formação jornalística

A adolescência de Simon, assim como a de muitos jovens da geração-myspace, foi marcada por tardes de leitura de artigos musicais. Para ele, alguns dos críticos da época eram tão importantes quanto às bandas, pois, além de audaciosos, estabeleciam desafios, assim como os mais eloqüentes músicos.
– Eles tinham o poder de definir quais idéias e valores eram sexy e quentes o bastante. Fui formado por esta idéia profética e fatalista de crítica. Aspirei a ser como Lester Bangs e muitos similares, como Paul Morley e Barney Hoskyns. Ambos adotavam o estilo delineado pelo crítico de arte Clement Greenberg e Susan Sontag, que tinham uma visão muito clara e faziam vencer bandas e gêneros musicais em detrimentos de outros, uma espécie de evangelização.


Jornalista de uma época em que o semanário musical NME vendia 200 mil cópias por semana e era lido por aproximadamente 700 mil pessoas, Simon recorre à nostalgia para descrever a poderosa experiência de influenciar o destino de bandas, que podiam assinar e rescindir seus contratos a partir de seus artigos.
– Havia muito espaço para escrever, toneladas de jornalistas competindo loucamente para tecer as opiniões mais arredondadas e delinear o estilo de escrita mais marcante, além da corrida frenética para apresentar a banda nova mais quente do momento - conta Reynolds. – Era um universo pequeno e incestuoso, mas nos alimentávamos disso e das respostas dos leitores nas seções de cartas, algo super estimulante, pois recebíamos textos tão inteligentes como totalmente imbecis. Mas o mais interessante disto eram as cartas enfurecidas dos artistas e músicos criticados e insultados.

Segundo Reynolds, à época, as redações funcionavam como verdadeiros pontos de encontro para noitadas. Os jornalistas não mandavam seus artigos via e-mail e chegavam às redações carregando debaixo do braço seus textos escritos em papel.

– Sentávamos e começávamos a beber, conversar e discutir sobre temas diversos. Era uma relação face a face, muito mais viva e direta com os seus parceiros e com os seus inimigos. Hoje, a comunicação é por e-mail e as redações mais parecem grandes navios fantasmas.

De acordo com Simon, a explosão de opiniões disparadas virtualmente pelas páginas de blogs e revistas digitais torna difícil enxergar o papel do crítico musical como em sua época: um legislador.

– Dada às devidas proporções, faço uma alusão à frase do poeta Percy Shelley para ilustrar minha idéia em relação à função do crítico musical: "os poetas são os ilegítimos legisladores do mundo". Alguém que deixa as normas de lado e determina o que é e o que não é quente. Na minha concepção, o crítico hoje tem o papel de enriquecer a diversão ou o entendimento sobre música, fazendo conexões e contextualizando música, sociedade e a história, ou seja, um universo mais amplo. Trabalho e acredito nisso, se não já teria desistido.

Vanguardista, apostou sem medo, desde sempre, na filosofia instantânea do hype, termo que desde os anos 80 circulava impresso nos inflamados artigos musicais publicados em semanários como New Musical Express (NME), Sounds e Melody Maker – onde após editar o fanzine Monitor, em 1985, iniciou sua carreira profissional.

– O hype faz parte da natureza da imprensa musical britânica. Sempre achei excitante a competição para descobrir a nova banda do momento. Não concordo com a idéia de que é preciso esperar uma banda chegar ao terceiro para que possa ganhar a capa de uma revista. Prefiro o hype a precaução conservadora de publicações como a Rolling Stone. O hype é o molho que alimenta a vida pop. É o negócio que estou envolvido e não tenho como criticar alguém por fazer o mesmo. Fiz isto desde o início da minha carreira e ainda mais recentemente, quando tentei inflamar a cena grime inglesa – faz meaculpa.

Simon compara a explosão dos blogs com a antiga imprensa musical britânica que ascendia bandas novas e desconhecidas ao topo apenas pelo orgulho em deter a opinião mais interessante. Hoje, com as vendas reduzidas a 68 mil exemplares por semana, a única publicação remanescente daquele período, a NME, luta para não ser engolida pelo fenômeno da web 2.0.

– Não acho isso destrutivo e nem sem sentido, mas tenho uma frase de estimação que ilustra bem este quadro: a pobreza da abundância. Muita música mata o apetite por música. Muitas opiniões sobre música fazem com que você evite ler sobre. Provavelmente leio menos do que nunca, em relação à música. Raramente algum artigo me afeta da forma como na minha juventude. Na minha idade e com a experiência que tenho, já não me impressiono tanto com as coisas. Tenho minhas próprias idéias e, como escritor, consigo enxergar os truques de retórica que muitos jornalistas se utilizam – garante.

Com sensibilidade para captar boa música, independentemente de gêneros, o autor à época, com 20 e poucos anos, conseguiu captar o início da esquizofrenia estética que vivenciamos hoje e pôde fazer de sua trajetória jornalística um passeio pelo pós-punk, a música eletrônica e o hip-hop que, unidos, fomentaram o multifacetado pop dos anos 2000.

– Até agora esta década tem sido um período de limpeza, uma espécie de faxina e lavagem musical. Os anos 2000 começaram super excitantes, com uma série de artistas de R&B e rap, especialmente do sul dos Estados Unidos. Depois houve o surgimento do grime que eu alimentei esperanças altas. Mas ambos foram desenvolvidos a partir de coisas que começaram no final dos anos 90, Não há nada que defina esta primeira década do século XXI, apenas a corrida pela novas formas de distribuição e consumo de música.

Formação intelectual

Fã de ficção científica dos anos 60 e 70, para ele "uma literatura muito rica em idéias", Simon lia de tudo durante a adolescência, em especial autores como J.G. Ballard. Mais tarde, descobriu os encantos da imprensa musical inglesa, uma máquina quente de idéias banhadas em filosofia e teoria crítica. Ao ter acesso e mergulhar nas obras de Marx, na corrente situacionista, na psicanálise de Freud e no feminismo – em parte influenciado pela imprensa musical e por bandas que faziam referências a estas questões –, Simon tentou uma vaga na faculdade de filosofia e política em Oxford, mas acabou aceito no curso de história.

– O acaso trabalhou de forma valiosa, pois eu estava mais interessado em filosofia ocidental, nas idéias de Nietzche e no existencialismo, o que geralmente é desdenhado em Oxford. Ironicamente, me tornei um historiador da música pop.

Nas horas livres se atulhava em bibliotecas onde saboreava um cardápio de leituras regado à teoria crítica, em particular o pós-estruturalismo francês de autores como Roland Barthes, Michel Foucault, Kristeva, Bataile e muitos outros. Todas estas influências circulavam na minha cabeça quando comecei a escrever para a Melody Maker, em 1986.

– Minha formação em teoria crítica é não-acadêmica. Além disso, lia bastante a obra de Nietzche, um interesses certamente despertado por uma das minhas maiores inspirações, Barney Hoskyns, meu escritor favorito da NME. Mais tarde entrei na onda eletrônica, dance e na cultura rave e descobri que as idéias de Gilles Deleuze, Féllix Guattari e Paul Virilio eram extremamente aplicáveis àquilo tudo. Devo dizer, no entanto, que fui bastante influenciado por artistas do mundo da música que são verdadeiros pensadores, como Brian Eno e Green Gartside da banda Scritti Politti.

Obcecado pela cultura popular negra americana, ultimamente ensaia um retorno às idéias marxistas básicas e a noção de Bordieu de como os gostos são influenciados pelas classes.

– Ambas parecem ter uma relação muito forte e bastante útil para entender a atual cultura hip-hop – acredita.

domingo, 25 de maio de 2008

Condor - Victor Biglione



Há dez anos sem lançar um trabalho autoral, o guitarrista argentino radicado no Brasil, Victor Biglione, se escora em dois projetos distintos, mas complementares, para retomar atenção à sua obra. A ser lançado nesta segunda-feira no Mistura Fina, em Ipanema, seu novo CD, Condor (Delira Música), serve também como trilha sonora do premiado documentário homônimo, escrito e dirigido pelo jornalista e cineasta Roberto Mader.

Com apresentações anuais em diversos palcos mundo a fora, Biglione é dono de uma bem sedimentada carreira internacional. Seus dois discos gravados em parceria com o guitarrista do The Police, Andy Summers, Strings of desire (1998) e Splendid Brazil (2005), também acabam de ser lançados em toda a Europa pelo selo inglês Repertoire Records.

– Ele me telefonou há poucos dias e disse que assim que a turnê do Police acabar quer excursionar por alguns festivais europeus para apresentar nosso trabalho - revela. - É justamente nesta época do ano que os convites para apresentações internacionais começam a aparecer. Até o final do ano também devo fazer uma série de shows com o Wagner Tiso (pianista e maestro).

Vencedor do prêmio especial do júri para o filme e do prêmio qualidade artística para a trilha sonora, no Festival de Gramado de 2007, Condor chega, neste mês de maio, às prateleiras físicas e virtuais de discos, como também às salas de cinema das principais capitais brasileiras e de países da América Latina, como Argentina e Chile.

Biglione explica que a carga emocional registrada em Condor parte de sua ligação profunda e familiar com a história registrada no documentário. Conexão esta que despertou, após uma década, sua inspiração e verve autoral.

– Não estava recebendo convites para trabalhos do tipo e, também, não sabia em que me inspirar para compor um novo álbum. Quando o Roberto Mader me fez o convite fiquei sensivelmente emocionado e abracei de imediato a idéia – recorda. – Este trabalho surgiu a partir de uma coincidência. Minha vida faz parte deste enredo e do começo de toda esta história, no que diz respeito à minha origem argentina.

Seu pai era presidente da juventude comunista argentina quando, à época, em 1964, foram convidados a se retirar do país. Ele lembra que o regime ainda não havia apertado, não contava com um sistema de torturas, mas a Operação Condor já armava seus pesados tentáculos.

– Em 1974, a situação piorou e os seqüestros de crianças e assassinatos aumentaram consideravelmente. Durante o meu crescimento acompanhei esta história de perto, já que durante este período de violência extrema, chegamos a receber e abrigar, em minha casa, refugiados – conta Biglione.

Ao contrário do que possa parecer, ao aceitar a indicação do cineasta Murilo Salles, que, em 1996, havia trabalhado com Biglione para a trilha de seu filme, Como nascem os anjos, o diretor Roberto Mader desconhecia a conexão histórica entre a vida de Biglione com a Operação Condor. A surpreendente coincidência alimentou ainda mais a afinidade entre ambos e a experiência criativa da dupla para compor as trilhas musicais do filme – em cartaz na cidade desde o dia 01 de maio.

– Foi um processo muito rico. Um trabalho realmente de equipe, arquitetado durante muitas horas em estúdio. Estávamos sempre juntos e a música do filme reflete esta troca, esta afinidade. A trilha sonora carrega o filme para frente. A música tem papel fundamental e me ajudou em diversos momentos da narrativa, pois tinha o poder de me fazer achar o tom certo para cada passagem, cada cena – afirma Roberto Mader.

Para lapidar as faixas que compõem a trilha do filme, Biglione tratou de buscar referências e pesquisar o processo criativo de músicos como o argentino Dino Saluzzi e suas misturas com o tango. Filmes como o Tango e o assassino, além de diversos documentários também serviram de inspiração para o músico que, enquanto assistia as cenas do documentário, mergulhava no universo da música latina.

– Para compor uma trilha de cinema, o segredo é colar no diretor. Sair à noite, almoçar, ou seja, namorar o condutor da obra – brinca Biglione. – Colei no Roberto e, conforme ele me apresentava imagens, começava criar a partir do que meus olhos capturavam. Já havia feito bastante coisa com a Lúcia Murat para televisão, mas em cinema o processo é completamente diferente – compara o músico.


Ao longo desta caminhada músico-cinematográfica, Biglione revisita sua Argentina em um tema composto em homenagem a Las madres de plaza de mayo – foco de resistência à ditadura argentina em que mães protestavam, ao redor da Plaza de Mayo, pelo desaparecimento de seus familiares – assim como em um tango estilizado, adornado por cellos e acordeom, batizado
Lusco-fusco.

Do Brasil, Biglione resgata a história do guerrilheiro comunista Carlos Lamarca, e a partir da história de sua execução, no município de Brotas de Macaúbas, localizado no agreste da Bahia, incorpora um baião delineado em conjunto com o percussionista Marcos Suzano. A cidade de São Paulo também fomenta uma das faixas de Condor. É a partir do clima da metrópole paulista que o músico pinça uma legítima batucada de samba.

- Procurei fazer uma trilha sonora que abarcasse a música de quatro países envolvidos nesta cooperação militar do Cone Sul: Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. O trabalho conta com tango, baião e batucada de samba em temas arranjados de forma estilizada – afirma o guitarrista, que retorna à cena do tango para retratar a musicalidade da capital uruguaia, Montevidéu. Apoiado na obra do multi-instrumentista e compositor, Hugo Fattoruso, Biglione promove uma fusão de ritmos portenhos com o auxílio dos músicos Marcos Nimrichter, David Chew e José Lourenço.
Segundo Biglione, o disco conduz o ouvinte a um passeio pela música latina, mas não a partir de instrumentos típicos e folclóricos.

– Fiz questão de fundir elementos sonoros distintos para ilustrar nossa musicalidade sem ter que apelar para as flautinhas peruanas, aquele estereótipo da sonoridade andina. Queria fugir da obviedade, mas sem descaracterizá-la. Praticamente não utilizo guitarras, é um trabalho em que privilegia violões de náilon e de 12 cordas, instrumentos característicos do nosso hemisfério sul – explica o músico que utilizou suas guitarras apenas para as cenas de abertura do filme, em que mistura timbres diversos, com efeitos e intervenções de violoncelos.

Roberto Mader conta que a internet serviu como campo de pesquisa não só para o filme, como também para auxiliar Biglione em sua procura por samplers e plugins a serem utilizados como efeitos nos teclados:

– Utilizamos instrumentos diferentes em uma tentativa de subverter a roupagem óbvia a ser emprestada para uma trilha de um filme que toca em questões latinas. Descartamos gritos ou hinos que caracterizassem a ação dos comunistas latinos e optamos por utilizar sonoridades orientais e árabes para dar nova roupagem à música andina – revela Mader.

Condor - Roberto Mader




Dirigido por Roberto Mader, o documentário joga luz, a partir de registros e depoimentos, sobre a obscura aliança político-militar organizada por diferentes regimes ditatoriais instalados na América do Sul durante os anos 70. Considerada por muitos como um dos piores exemplos de terrorismo de estado da história, a Operação Condor surgiu como pretexto para calar e conter o avanço da esquerda em países como Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai. No entanto, utilizando-se de truculentos métodos, a violenta investida militar deixou um rastro indelével de intolerância, além de numerosos casos de seqüestros, assassinatos e exílio.

– Não houve uma conexão histórica pessoal que me levou a escolher este tema. É um assunto, sim, de interesse pessoal, parte de uma consciência política – explica Mader. – Peguei o final da ditadura, enquanto estudante secundarista, em meados da década de 70. Um período em que a rigidez e a violência de todo este processo, de certa forma, já havia sido amansada. Acredito, no entanto, que os jovens precisam entender este período pelo qual o país e a América atravessaram.

Durante os 15 anos em que viveu em Londres produzindo e dirigindo para cinema e TV, Roberto Mader delineava planos para filmar algum tema relacionado à América e já estudava sobre a Escola das Américas – centro de treinamento para latino-americanos fundado pelos EUA, no Panamá, em 1946, e baseado no modelo de serviço secreto da CIA. Mas foi em 1998, quando o general Pinochet foi preso na capital inglesa, que o diretor teve a certeza de que o assunto determinava o mote que o levaria a rodar um documentário de interesse internacional.

– Com a prisão de Pinochet, foi iniciada uma pressão para que os arquivos chilenos fossem abertos. A partir de então, uma série de documentos passou a ser revirado e descoberto – rememora Mader.

Ele conta que durante esta revoada de fatos e acontecimentos sobre o que se passou no cone sul nos anos 70, a palavra Condor começou a ganhar corpo e olhos de pesquisadores e historiadores que, assim como ele, vislumbravam a importância e a força deste momento histórico:
– Tive a certeza de que aquela história era assunto para um documentário internacional, apesar de voltado para a América do Sul.
De acordo com o diretor, Condor contextualiza a América Latina dentro de um mundo dividido pela Guerra Fria. De um lado, países que estavam sob a influência marxista da antiga União Soviética, e de outro, aqueles que contavam com o apoio dos Estados Unidos na defesa do livre mercado. No caso da América do Sul, quase todos os países estavam comandados por ditaduras militares fiéis ao modelo americano. Entre aqueles que apoiavam a ditadura e os que se opunham – taxados de subversivos – a população sofria o rescaldo da truculenta ação militar, que não distinguia revolucionários armados de esquerda e líderes e intelectuais que criticavam o regime.

– Queria, sim, contextualizar a situação da América Latina no desenrolar de uma Guerra Fria. Entender como este período afetou a vida e a população destes países e não apenas contar a história da Operação Condor em si – completa o diretor.

Na busca de uma perspectiva atual dos acontecimentos que abalaram os alicerces da América do Sul durante os anos 70 e 80, Roberto Mader percorreu cinco países da América Latina e três países da Europa, entre setembro de 2005 e agosto de 2006. O resultado da dedicada e cuidadosa pesquisa revela a conexão entre as ditaduras do Cone Sul. Narradas através de diferente e distintas versões, reunidas a partir de extensa pesquisa e colhidas através de entrevistas com vítimas e personagens, o diretor aprofunda a noção e o conhecimento sobre um dos mais marcantes períodos de violência e desrespeito aos direitos humanos da história latino-americana.

– Na verdade não quis fazer um filme com grandes revelações sobre o funcionamento da Operação Condor, ou jogar uma nova luz sobre a ação da ditadura nestes quatro países. Não me apego a números, dados, fatos e coisas do gênero – esclarece o diretor.


Condor se concentra nos depoimentos de generais e ex-ativistas políticos, torturadores e suas vítimas, além de pessoas que foram seqüestradas pela ditadura na época e seus parentes. Entre eles, Jarbas Passarinho (ex-ministro em três governos militares), o General Manoel Contreras (braço direito do General Pinochet), Augusto Pinochet Hiriart (filho de Pinochet), Hebe de Bonafini (a líder das Madres de Maio), e o escritor e jornalista John Dinges, que escreveu o livro Os anos condor.

Ao longo da pesquisa, Roberto buscou contato com grupos de solidariedade, principalmente do Chile, através dos quais pôde ter acesso a casos, além de conhecer e conversar com familiares e pessoas diretamente afetadas por todos os anos de Operação Condor.

– O mais importante do filme, e meu principal objetivo desde que comecei a pensá-lo, era contar as histórias de vida destas pessoas e famílias que tiveram suas vidas alteradas pelos anos de chumbo. Será que as conseqüências são apenas o números de mortos? Acho que há uma herança cultural e filosófica delineada ao longo de todo este período. Fiz o filme para fazer circular esta história. Acredito que os espectadores e as pessoas como um todo não gravam dados, mas sim, fixam suas memórias em histórias – analisa.

Instigado pelas histórias que desvendava mais do que pelas descobertas e novas revelações sobre o caso, Mader se sensibilizou com inúmeras histórias humanas, guiadas ao longo do filme por sentimentos de tragédia, esperança, desespero e solidariedade:

– Um dos casos mais marcante foi o da uruguaia Victoria Larraberti. Ela e seu irmão, Anatole, quando pequenos, foram separados de seus pais, que foram seqüestrados e torturados em seu país. Hoje em dia, no entanto, ela divide sua vida entre sua família de origem e a que a adotou.
Voltadas suas câmeras para o Brasil, o diretor documenta também um caso de grande repercussão envolvendo a jornalista uruguaia Lilian Celiberti, que, em 1978, foi seqüestrada com sua família em Porto Alegre pelo braço da repressão de Montevidéu, com a cumplicidade do DOPS gaúcho. Fato este que sintetiza e revela a cooperação entre os governos militares do Cone Sul que caracterizava, alimentava e servia de alicerce para o prosseguimento da Operação Condor.

Personagem diretamente afetado pela truculência dos serviços secretos de polícia, Victor Biglione espera que o filme, assim como sua trilha musical possam tocar e emocionar ouvintes, estejam estes postados à frente de aparelhos de som ou em platéias de cinema, palestras e mesas de discussões:

– O documentário será lançado em uma semana de direitos humanos na Argentina esta semana. Queremos que o filme não fique abafado e consiga dar luz aos acontecimentos políticos ocorridos na época. Vivemos uma ditadura econômica neoliberal em que as pessoas procuram sobreviver e, involuntariamente, se apegam aos assuntos, cujo o enfoque é mais atual e afeta de imediato o cotidiano das pessoas, caso de Tropa de elite. – Ele continua - Acredito que seja uma obrigação fazer com que este filme seja discutido, passar para a população a importância humanitária contida nesta história – espera Biglione, que garante não ter medido esforços para emprestar à trilha densidade emocional à contento de sua relação pessoal.

Hermeto e Lapidusas


Há cerca de cinco anos, antes mesmo de fixar residência no Rio de Janeiro, o pianista Pablo Lapidusas levou a sério a idéia de que a casa de Hermeto Pascoal, no bairro de Jabour, no subúrbio do Rio, era um estúdio aberto, e que bastava ao interessado em conhecê-lo bater no portão para ser recebido e iniciar, talvez, uma jam session com o mestre. Passados alguns anos, o argentino vê com orgulho a oportunidade de ter Hermeto o acompanhando em uma das faixas de seu primeiro álbum solo, Ouriço (Delira Música), lançado ontem, no Mistura Fina, em Ipanema.

No álbum, dez temas, sendo nove de autoria de Pablo, navegam entre o jazz, a música erudita e a bossa nova. Em "Ouriço", o músico conta ainda com a participação especial do soprista Carlos Malta, que apresenta uma releitura para a faixa "Choro nº 1", com arranjos que privilegiam flautas e saxofones em uma versão coreto, para 11 peças.

Radicado no Rio desde 2001, antes de se lançar em carreira solo, Pablo Lapidusas acompanhou shows e gravações de artistas renomados da MPB e da cena instrumental, como Sandra de Sá, Marcelo D2, Quarteto em Cy, Victor Biglione, entre outros.

LFR: Como estão sendo compostos estes seus primeiros shows de lançamento do álbum? Você já se apresentou na Fnac e ontem no Mistura...

PL: No meu show toco algumas canções do novo CD, assim como clássicos de Tom Jobim e Gershwin. Uma mescla, de jazz, bossa nova e música erudita, a partir de arranjos meus.

LFR: Como foi a seleção do repertório para Ouriço? Basicamente um álbum de composições próprias...

PL: O disco apresenta minhas primeiras composições. Tive a sorte de ter dois gênios tocando e me apoiando em duas delas, Carlos Malta e Hermeto Pascoal.

LFR: Como surgiu o contato com Hermeto?
PL: Sabia que as pessoas apareciam em sua casa para tocar e tomei coragem para realizar a tarefa. Fui recebido pelo filho dele, e pude avistar Hermeto com lápis na mão, trabalhando em uma de suas milhares de canções. Mostrei uma das minhas músicas, "Piripiri", e ele gostou. Desde o primeiro contato, ele foi generoso comigo e com o meu trabalho. Anos depois o convidei para a gravação do álbum. Ele se colocou ao nível dos mortais, aceitou o convite e tocou sua escaleta em "Piripiri".

LFR: Como foi gravar e conviver em estúdio com Hermeto?

PL: Me lembro que nos encontramos no estúdio e ele não sabia o que iria tocar. Muito menos se lembrava da música que eu havia lhe mostrado anos antes. Testou um teclado, mas não gostou e preferiu tocar sua escaleta. Decidiu o que iria fazer na música na hora, de improviso. Foi uma experiência impressionante, pois assim que toquei pela segunda vez o tema ele já havia fotografado a canção por inteiro. Sua musicalidade é realmente além do normal, pude presenciar sua força já no primeiro 'take'. Fiquei emocionado já com o seu primeiro solo, mas ele foi muito generoso e disse que queria gravar mais, pois tinha acabado de esquentar. Para mim já estava ótimo, mas a partir de então ele me deu diversas dicas sobre a música, fez algumas modificações e continuou criando e recriando sua parte.

LFR: E para escolher o melhor take, tarefa difícil?

PL: Era uma versão diferente da outra e ele não parava. Para escolher o take a ser usado foi um verdadeiro martírio. Optei pela espontaneidade da primeira tomada, que foi mágica. Apesar de ele ter se mexido muito enquanto gravavaestar se mexendo muito, o primeiro take foi magico, ele se mexia muito enquanto agvava, mas acabou valendo oprimeiro teria colocado, inspirada diferente, ele não tenta repetir abriu o radar dele vai aberir outras.

LFR: E a participação do Malta como foi?

PL: O Malta fez uma releitura de uma composição do álbum, Choro nº1, com arranjos para coreto, com 11 peças de sopro, entre elas saxofones e flautas. Ficou lindo e virou um bonus track.

LFR: Buscou referências de sonoridades em outros trabalhos de piano solo para explorar neste seu primeiro álbum?

PL: Queria fazer algo de piano solo e alguns discos do Brad Melhdau me tocaram bastante. Ele faz um jazz contemporâneo e intimista que me agrada muito. Apesar de ser um disco instrumental reservo espaço para três baladas, verdadeiras canções.

LFR: Apesar do jazz e da música erudita, há uma série de outros traços sonoros...

PL: Apostei em uma sonoridade quase camerística, apesar das influências de baião, choro, além da influência da música argentina (no caso, Astor Piazzola).

LFR: O que suas canções carregam da música argentina?

PL: A minha formação musical foi toda ouvindo música brasileira e jazz, mas com certeza Piazzolla também esta presente em minha música. De uns anos para cá me aproximei de sua obra. Obviamente já conhecia suas canções, mas passei a mergulhar fundo em seu repertório e redescobrir sua musicalidade que, até então, não sabia que era tão maravilhosa.

LFR: Piazzolla está presente nos seus shows?

PL: Ao contrário do que se pensa, a obra de Piazzola é muito conhecida no Brasil. Quando toco seus temas em meus shows a resposta é imediata. Piazzolla é referência não só para mim, como também no inconsciente coletivo dos brasileiros.

LFR: E do Brasil, quais são as influencias incorporadas ao seu trabalho?

PL: Minha inspiração vem de compositores e músicos como Egberto Gismonti, Chico Buarque e o próprio Edu Lobo, de quem regravei "Canto triste", única canção que não é de minha autoria a ser incluída no repertório do álbum. Se não uso estas influências na maneira de tocar, posso dizer que na maneira de compor e o resultado das minhas composições apresentam traços destes artistas.

LFR: Por que escolheu esta canção do Edu Lobo, que não é uma de suas mais conhecidas... O que ela tem de especial?

PL: Essa música era meio que um lado b do Edu. Quando pensei em regravar um autor brasileiro queria fugir do lugar comum. "Canto triste" não é um clássico dele, como é "Beatriz", por exemplo. A música brasileira é tão rica que existem muita coisa boa que não é executada e muitos desconhecem. É o caso desta canção, "Canto Triste".

LFR: Edu Lobo conhece a sua versão?

PL: Tive a oportunidade de mostrar a ele, que disse ter gostado bastante do resultado. Fiquei muito feliz.

Expresso do 'hype'



Punk, pós-punk, new wave, tecno pop, new romantic, grunge, electrônica: a salada de gêneros e rótulos que povoou a música pop nos últimos 30 e tantos anos deve muito de sua validade à influência do semanário musical inglês New Musical Express, sinônimo de construção (e destruição) de modismos musicais desde 1952.

A última tentativa da revista de criar um novo hype no cenário musical inglês (e, por tabela, no mundo) foi o chamado new rave – termo surgido em 2006 e usado para caracterizar a música dos grupos Foals, Friendly Fires, Does it Offend You, Yeah? e Late of the Pier, todos ainda em seus singles e/ou álbuns de estréia. Endossados pelo cada vez mais sensacionalista e paranóico semanário britânico, New Musical Express (NME), aparentam, no entanto, não conseguir o mesmo feito e fôlego gerado por ondas hypes anteriores, que aos ipods do mundo todo apresentaram bandas como Franz Ferdinand, Kaiser Chiefs e Artic Monkeys.

– Não sei até que ponto o alcance da NME chega ao Brasil. Mas na Inglaterra é tratada como uma publicação infâme por tentar incendiar e, meses depois, deixar estas mesmas bandas de lado. Ardendo, sem chama alguma, na fogueira do esquecimento – ilustra o tecladista do Foals, Edwin Congrave. – Sei que o hype é falso e altamente destrutivo e tenho certeza absoluta que a circulação e vendagens da NME estão caindo rápido o bastante para dizer que brevemente irão apenas permancer na versão on-line. Aí terão que competir diretamente com sites como Drowned in sound e Pitchforkmedia, que estão em um outro nível.

De acordo com Edwin, publicações como a NME escrevem sobre quais bandas conseguiram chegar lá e sobre as ambições dos novos artistas, antes mesmo que tenham lançado mais de um single. Além disso, revela a dúbia e incestuosa relação entre a máquina hype da publicação e o lobby que faz girar as engrenagens das ferozes assessorias de imprensa inglesas.

– Eles trabalham de mãos atadas com agências de imprensa, obviamente interessadas em todo este negócio. Estão sendo bons com a gente, não posso negar. Embora, à medida que falam sobre nossa música, surgem, na mesma proporção, uma série de controvérsias.

Cercado pelo mito, ou mico, da new rave, o Friendly Fires é mais um expoente deste que seria um novo gênero musical. O hype, no entanto, não deixa o trio formado por Ed MacFarlane (voz), Edd Gibson (guitarra) e Jack Savidge (bateria) em uma situação confortável.

– Não estamos envolvidos por esta cena, bandas ou nas rodas do mundo fashion ou social. Apenas queremos fazer as coisas de acordo com a nossa vontade e inspiração, e tentar não se atolar por toda a merda que rola no East London – rebate o vocalista e principal compositor, Ed MacFarlane.
A classificação, apesar de irritar o vocalista e limitar a musicalidade do grupo, não é totalmente desprezível, já que uma das características principais da sonoridade do FF é a mistura de batidas dançantes aceleradas, teclados sintetizadores, guitarras espaciais e muito groove para as pistas de dança. É o que há de mais "moderno" no cenário indie inglês, ou seja, dar nova roupagem a sonoridade pop oitentista, adicionando o ritmo eletro à melodias pop pegajosas. Resultado: dance-punk-funk para não deixar ninguém parado.

– Estaria mentindo se dissesse que não me preocupo ou me animo se as pessoas estão dançando ou não – revela MacFarlane, que além do incensado single Paris, desenhou a explosiva releitura de Your Love, pinçada do repertório do ídolo da cena house de Chicago, Jamie Principle. – Nossa principal intenção era escrever música pop dançante com uma pegada melódica forte. Kompact Records tem sido uma grande influência. Nós amamos como o selo tradicionalmente combina batidas fortes de house com melodias afetadas e luxuriantes.

Taxados insistentemente como uma banda geek, math-rock e new rave, o quinteto de Oxford conhece de cor e salteado os rótulos que a imprensa inglesa lhes empresta. Nem aí para qualquer convenção, eles afirmam ser influenciados tanto pelo minimalismo do compositor erudito Steve Reich, como também pelo pop dançante de artistas como Gwen Stefani e Nelly Furtado.

– Queríamos fazer música que fosse bastante técnica, que não fosse apenas música de festa, mas que ao mesmo tempo você pudesse dançar bastante com ela – explica o vocalista Yannis Philipakis, que sustenta o som dançante da banda sem acordes ou riffs de guitarras, apenas com notas soltas, executadas agudas e altas.

Apontados pelo editor-chefe da NME, Conor McNicholas, como a bola da vez de 2008, o Late of the Pier ainda trabalha em estúdio para finalizar o seu debut, que será lançado no segundo semestre pelo respeitado selo Parlophone. Enquanto isso, outro expoente do gênero, o quarteto eletro-rock Does it offend you, yeah?, colhe amargas resenhas para o seu álbum de estréia, 'You have no idea what you're getting yourself into'; publicadas por prestigiosas revistas inglesas, como a Mojo, e pelo jornalão The Guardian, que, em janeiro deste ano, destacou extenso artigo sobre o movimento.

– Nos anos 90 assisti ao show do Prodigy no Reading Festival e soube de imediato o que eu gostaria de fazer – contou ao jornal inglês o guitarrista James Rushent, que apresenta resposta para o escalafobético colorido de suas roupas. – Isto é uma resposta aos anos cinzentos em que indies cerebrais comandavam as festas.

Ao invés de comandar laptops em cima dos palcos, como muitos dos artistas que conduziram as raves inglesas nos anos 90 fizeram, os novos atos produzem som dançante a partir de baixo, guitarra e bateria, além de muitos sintetizadores.

– Em 1995 os Chemical Brothers já levavam seus laptops aos palcos, não vejo motivo para fazer isso agora. Queremos fazer as pessoas dançarem. Se chamam isso de new rave, não importa, o que vale é a festa.

Os new ravers ingleses, desde o início do ano, não aportam com seus singles e álbuns encabeçando os charts da BBC Radio1, que serve como comparativo à Billboard americana. Preteridos pelas novas divas, Adele, Duffy e Estelle, e pela força ainda pungente de melosas artistas R&B, caso de Mariah Carrey e da novata Leona Lewis, a safra inglesa versão 2008 patina, desengonçada e mambembe na arapuca criada para salvar a ansiosa e hiperativa juventude da geração hype.

– Realmente não quero e nem pretendo ser um ídolo da geração indie. Talvez esteja se referindo a músicos como Pete Doherty, que usam a credibilidade de seu status para manter as pessoas interessadas em colocá-los nos jornais e revistas de fofocas baratas. Este tipo de coisa me aborrece sensivelmente. Acho que celebridade é uma palavra praticamente sem sentido para se referir a um músico de sucesso, é sinônimo de pessoas sem talento, participantes de reality shows ou mulheres de jogadores de futebol – metralha o vocalista da incensada nova promessa dançante, Friendly Fires.

Com contrato assinado recentemente com a XL Recordings (Radiohead e Raconteurs), Ed McFarlane nega intenção, mesmo que inconsciente, de seguir a onda disco-punk em voga. O vocalista rebate insinuações de que sua banda faz parte de um empacotamento mercadológico e editorial e apesar de confirmar, através de suas influências, que segue tendências musicais antenadas, sustenta com veemência e frases de efeito a distância entre o hype e a arte.

– Não fomos catapultados pela imprensa e nem colocamos a faca na garganta das pessoas para ouvirem nossa música. Quero que todas as nossas músicas soem como perfeitas canções pop e as vezes isso não é tarefa das mais fáceis. Estou satisfeito pelo que conseguimos com nossos dois EPs e com o single, Paris, porque pudemos construír lentamente todo este hype – afirma MacFarlane.

Assim como MacFarlane, que procura não se iludir com a precoce exposição que o single Paris conferiu ao Friendly Fires, o baixista do Foals faz questão de salientar que sua banda não irá e nem pretende renovar o cenário indie inglês, que, em 2007, catapultou o trio Klaxons e os brasileiros do CSS como representantes da new rave.

– Não pretendemos regenerar coisa alguma, pois sabemos que intervenções auto-conscientes tendem a falhar. É o que acontece com aquilo que resolveram chamar de new rave, que, para mim, está acabado e falhou. Tentar criar algo espontâneo e transgressor sem ter a ver com a música e, sim, com a cena e com o tipo de vida, seria corrupto. Sabemos que todas estas cenas são inventadas para vender revistas e discos – sentencia. – O CSS está fazendo um ótimo trabalho aqui, assim como o Bonde do Role, mas a imprensa não fala mais nada além disso. A música brasileira não é tocada nas rádios e, com a nuvem hype de música disponível online fica difícil para as pessoas descobrirem coisas por si mesmas.

Myspace, youtube e afins

Apesar de satisfeito em notar a eficiência de ferramentas como o myspace e o youtube para a disseminação quase viral de suas canções pela internet, o vocalista do Friendly Fires é cauteloso.

– Você pode contabilizar milhões de visitações na sua página do Myspace ou nos vídeos que disponibilizamos no Youtube, mas mesmo assim você permanecerá falido – garante.

Se não deixa de mostrar entusiasmo com a possibilidade de ter suas canções na boca de jovens localizados em países tão distantes da cena em que sua banda foi criada, o cantor, ao mesmo tempo, não se ilude e faz questão de mostrar que não perdeu o romantismo e muito menos se sente coagido pelos programas de compartilhamento de arquivos mp3.

– Por um lado é bom, mas acho que este tipo de coisa não beneficia os verdadeiros amantes da música. Sinto falta da tarefa de caçar música em sebos e lojas, assim com o prazer de ter em mãos um CD ou um vinil e finalmente de ter expectativa antes de poder escutá-lo.

A fim de deixar claro que não se trata de um Fausto versão século XXI – personagem imortalizado por Goethe, que vende sua alma em troca de poder, dinheiro, fama e apelo popular – o tecladista do Foals, Edwin Congrave deixa claro que não gostaria de ser comparado com artistas que se despem da arte e se vestem de atos e atitudes sonoras que falam menos como música e mais como arquétipos publicitários.

– Fico apenas cauteloso com um tipo de celebração desqualificada. Agora que nosso álbum foi lançado fico mais tranqüilo. Espero que o hype seja amenizado, pois sei que pelo menos puderam ouvir o nosso trabalho antes de escrever textos repletos de clichês retirados de uma caixa recicladora de chavões jornalisticos – espera. – Espero que todos possam tirar benefícios desta explosão dos meios e mídias de comunicação, mas há muito perigo envolvido. É algo que acho que deveríamos estar mais alerta, pois sinceramente não sei no que vai dar.

Cena indie americana

Mostrando uma ponta de inveja do cenário indie dos EUA, Edwin pôde acompanhar de perto publicações e as novas bandas do cenário underground americano. Contratados recentemente pela gravadora ícone da cultura alternativa americana, Sub Pop, por onde lançaram seu disco de estréia, Antidotes, os ingleses fazem pela segunda vez no ano uma turnê pelas principais cidades americanas.

– Nós prestamos bastante atenção nos EUA, nos sites e nas revistas especializadas e realmente ficamos invejosos. Sei que na cena indie americana rola toda aquela ciumada e brigas internas, mas sinto que as bandas recebem mais tempo para criar suas próprias identidades. Elas não ganham tanta atenção até pelo menos lançarem um primeiro disco e excursionarem bastante. Assim, o hype é construído de forma mais lenta, mais paciente, e, por isso, com mais respeito aos artistas – acredita Congrave.

O músico cita como exemplo a banda conduzida pelo produtor do primeiro álbum do Foals, o guitarrista Dave Sitek, do TV on the Radio, que emprestou seções de metais e intervenções percussivas de afro-beat, providenciadas pelo grupo nova-iorquino Antibalas, ao som math-disco-punk do Foals. Apenas depois de anos de turnê e do lançamento de seu terceiro disco, Return of the Cookie, a banda de Sitek pôde colher os louros e o aval de críticos hypes (ou não), que o puseram no topo das listas de melhores do ano de 2006.

– Agora eles puderam se afastar tocar projetos paralelos, que irão sanar a curiosidade de fãs a partir de uma nova perspectiva, real e repleta de sentidos. É praticamente impossível imaginar que isto aconteça com uma banda britânica – lamenta.

Voluntario da patria


Dividindo seu tempo entre as apresentações do Detonautas, o lançamento do quarto CD da banda, Retorno de Saturno (Sony & BMG), e o grupo de poesia Voluntários da Pátria, Tico Santa Cruz ainda encontra tempo para novos projetos, como a gravação de um DVD da banda com o acompanhamento de uma orquestra sinfônica. Em bate-papo, o artista fala sobre detalhes do novo show, que estréia no segundo semestre, e da carreira do grupo, que completa 11 anos de estrada.

LFR: Vocês têm uma base de fãs fiel. Como está sendo esta temporada de shows nas lonas culturais da cidade?

TSC: Temos feito shows em todas as lonas culturais da cidade. Elas são os melhores termômetros, pois é um público bastante fiel. Utilizamos esses shows para testar o novo repertório e fazer outras experiências. É na lona que percebemos o que dá certo. Nós nos baseamos na resposta e no comportamento desse público específico.

LFR: O que vocês estão definindo, além do novo repertório?
TSC: Estamos trabalhando em um novo projeto de luz e cenário diferenciado. Somos uma banda de shows e, por isso, essa fase é tão importante. As lonas abrigam um público que fica à margem do que está na moda no país. Eles são fãs, têm personalidade e apóiam a banda realmente. Em Vista Alegre, tivemos que nos apresentar três dias, pois os ingressos esgotaram em pouco tempo. Será nossa primeira vez na lona de Jacarepaguá. Espero que a tenda esteja cheia.

LFR: Como tem sido a resposta dos fãs em relação ao CD 'Retorno de Saturno'?

TSC: Nosso disco tem sido muito bem recebido pelo nosso público. Em menos de um mês, ultrapassamos os 126 mil acessos no nosso myspace, a partir de uma atitude ousada da nossa gravadora, que não teve medo de disponibilizar o conteúdo do disco, na íntegra, no site. Acho que isso aproxima a banda dos fãs, pois eles podem conferir o trabalho.

LFR: Isso prejudica ou impulsiona as vendas de discos?

TSC: Enquanto as gravadoras tendem a se proteger da pirataria, encontramos uma alternativa muito bacana para lidar com isso, algo que não prejudicou as vendas do álbum, que já chegam à casa das 20 mil cópias. Muita gente ainda compra o CD, pois confia no trabalho.

LFR: Como foi a resposta da crítica em relação ao novo disco?

TSC: No disco anterior, Psicodelia, amor, sexo & distorção (2006), a crítica foi excelente, com 100% de aprovação por parte dos veículos especializados. Até então, nossos trabalhos eram tratados como uma espécie de subproduto. Não ouviam os nossos discos e nos préjulgavam, falavam que era ruim. Existem bandas que caem nas graças da crítica e outras que têm que trabalhar em dobro para conseguirem ser ouvidas. Fazemos parte do segundo grupo, mas conquistamos um espaço cada vez melhor. Novamente, a crítica e a aceitação do público têm sido ótima.

LFR: E o que vocês mudaram ou buscaram atingir em termos sonoros com o 'Retorno de Saturno'?

TSC: Experimentamos novos sons, uma nova abordagem para esse trabalho, que é um disco essencialmente de canções. A gente não se acomoda ou cristaliza nosso som. Produzimos discos de dois em dois anos. Nesse período, absorvermos uma série de novas influências.

LFR: Além da música, mudanças internas e outras expressões artísticas guiaram novos sentidos ao longo desses dois anos?

TSC: Sim, o contato com outras expressões artísticas e artistas, não somente do universo da música. Principalmente da literatura.

LFR: Fale um pouco mais dessa sua aproximação com a literatura. O que isso trouxe para sua vida e sua carreira?

TSC: Mudou tudo. Desde que passei a ler com maior intensidade, meu vocabulário e minhas idéias passaram a fluir, comecei a me expressar melhor.

LFR: Foi o ponto de partida para o projeto de poesia, o Voluntários da Pátria?

TSC: Sim, acredito que, apenas quando a população aprender e se interessar em ler, poderemos entender o Brasil. Nossos encontros nas madrugadas de terça-feira, na livraria Letras & Expressões, no Leblon, continua acontecendo. O projeto está indo bem, com diversas apresentações pela cidade. Contamos com doações de livros e já instalamos 16 bibliotecas populares em diversas comunidades carentes da cidade. A leitura é muito importante.

LFR: E o que você está lendo?

TSC: Bastante coisa, mas estou parado em livros do Marçal de Aquino. Eu o encontrei em um festival de artes de que participei, na semana passada, em João Pessoa (PB).

LFR: No festival, o Detonautas se apresentou com a Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba. Como foi a experiência?

TSC: Tocamos para cerca de 10 mil pessoas, o maior público do festival. Foi uma experiência incrível ser acompanhado por todos aqueles 80 jovens supertalentosos. A idéia foi tão bem aceita que um representante da nossa gravadora foi ao festival para acompanhar a apresentação. E agora estamos traçando os planos para um futuro DVD.

Papo de sal


Abaixo, bate-papo e matéria, na íntegra, com o cineasta carioca Fellipe Gamarano Barbosa. Ganhador do Grande Prêmio Vivo de Cinema na categoria melhor curta de ficção, com Beijo de sal.

LFR: Qual a origem da história apresentada em Beijo de Sal?

FGB: Sem dúvida foi o Rogério Trindade (ator e personagem, o dono da casa). Tudo começou e terminou com ele e, no fim, esse filme foi feito pra ele. Ele é a inspiração. Figura que eu acho fascinante em toda sua complexidade. Um sujeito magnético, que tem a atenção de todos sem fazer o menor esforço. Dele pincei o personagem: uma pessoa que de fato tem tudo e todos, mas que no fundo é muito triste e vazio. A maneira mais lógica que eu encontrei para dramatizar isso foi através de um amigo, que se encontra num momento diferente em sua vida e que saiu de sua roda de influência. Rogério tenta trazê-lo de volta, para a boa-vida, porém em vão.

LFR: E o interesse pelo personagem principal, um não-ator, como surgiu?

FGB: O filme veio do meu interesse sincero por esse homem. Alguns dos eventos foram inspirados por uma viagem de ano novo que eu fiz com essa turma há uns 4 anos pra Trancoso. Algumas das pessoas que compõem a entourage de Rogério no filme são as mesmas pessoas que integraram essa viagem. Reproduzir o clima, esse ambiente abandonado, largado, semi-decadente, era muito importante pra mim. Mesmo essas pessoas não estando em quadro, elas estão muito presentes e compõem a atmosfera do filme.

LFR: Quais foram os objetivos para a direção deste filme?

FGB: Meu interesse muito grande, e minha intimidade enorme com o Rogério – que não é ator profissional, mas, sim, uma aposta minha que creio ter dado certo – justificam a direção um tanto quanto discreta. Não chamo nem um pouco atenção para mim e para a câmera. Isto é o que menos importa. Fiz um filme sobre e para os sujeitos em frente à câmera. Meu objetivo era fazer com que a audiência esquecesse completamente a presença da mesma, e embarcasse nesse ambiente tão fluido e tão abandonado quanto a linguagem proposta. É como se o filme tivesse sido feito sem esforço algum, como se ele tivesse simplesmente acontecido.

LFR: Esta simplicidade cenográfica, restrição do aparato, intimidade com os atores, tudo isso faz parte de uma intenção consciente de desnudar e evidenciar subjetividades?

FGB: Limitei ao máximo o aparato (equipe bem reduzida, quase nenhuma luz) a fim de que os atores (ou nao-atores) pudessem relaxar e pensar no café ao invés de sua intenção em cena, digamos. Pensar nas coisas pequenas, estar presente no momento. Se o grande objetivo é capturar a realidade, a diminuição do aparato ajuda muito aos atores a se "desconscientizarem". Acho que eles entenderam muito bem isso, e acreditaram. Cenas onde o Rogério simplesmente sai de casa e senta-se com seus amigos tocando violão no jardim, olha para os lados e não encontra seu melhor amigo – poderiam muito bem funcionar, podem ser interessantes desde que sejam de verdade. Optei por eventos pequenos, menores.

LFR: Como foi o seu trabalho para a direção dos atores?

FGB: Sobre os atores, tem uma anedota bem legal, ou trágica, quando o Domingos Alcântara (Paulo) caiu de uma pedra no fim do primeiro dia de filmagem e aterrisou com os pés num cardume de ostras, cortando profundamente a sola dos pés em 12 pontos diferentes. Ele teve que levar 8 pontos. Ele não teria condição nenhuma de continuar no filme daquele jeito, e eu fui muito duro com ele dizendo que não re-escreveria o roteiro, ele teria que caminhar na praia e brigar no pântano, e que se tivesse alguma dúvida que me dissesse e a gente pararia tudo. Eu sinceramente não estava tão satisfeito com a performance dele naquele primeiro dia, mas por algum motivo, após o acidente, tudo mudou e o Domingos parou de atuar, aproximando-se do naturalismo que eu procurava. Ele foi um herói, e o esforço que ele fez, o quanto ele se concentrou para driblar a dor acabou tirando sua mente da dor. Agora eu já sei o que fazer com um ator quando estiver "atuando" muito, levarei um taco de beisebol, ou um punhado de ostras!

LFR: Além deste problema inicial, além das dificuldades financeiras, houve algum outro acontecimento que tenha tornado difícil fazer o filme?

FGB: Não vou dizer o clichê de que foi um filme difícil, pois não foi. O fazer cinema não é impossível quanto à maioria dos profissionais de cinema o fazem parecer. Acho que existe uma super-sacralização do processo, como se fosse a coisa mais difícil e importante do mundo, quando não é nem uma coisa nem outra. Fazer cirurgia é difícil e importante. Acho que temos dificuldades em admitir que fazemos cinema porque gostamos muito e ponto. Encontrar a relevância dentro disso tudo não compete a nós, à nossa geração. Determinar se o que fazemos é arte ou não, também não compete a nós, mas sim ao futuro e a história.

LFR: Qual a importância do curta-metragem para a sua formação como cineasta?

FGB: Meio dos acertos e erros, onde ainda se pode errar, onde tem menos "at stake". Ou seja: pode-se arriscar. Mais importante, onde se acha sua voz. Acho meio boba essa discussão do curta como formato independente versus. curta como escada pra um longa.Acho que não tem nada a ver. Curta é o nosso playground e, mais importante, onde podemos encontrar nossa voz, descobrir nossos interesses, compreender nossos pontos fracos e nossas limitações enquanto diretores. É importante para que possamos entender qual tipo de cinema nos interessa fazer. Vários cinemas me interessam como espectador, mas como cineasta nem poderia me interessar por todos esses cinemas, pois seria ingênuo da minha parte me sentir capaz. Acho que não seja uma questão de capacidade, mas, sim, de interesse mesmo, tesão. Descobrimos isso com os curtas. O fazer cinema é sempre um aprendizado sobre os outros sujeitos e sobre nós mesmos, em função de como nos relacionamos com os outros.

LFR: Filmar em película ou com equipamento digital? Como vê estas transformações no processo de filmagem?

FGB: Acho que o vídeo digital tem uma importância fundamental na democratizacao e dessacralização do processo. É mais barato, o que torna super possível filmar, já que você não depende mais do grande aparato, algo que acho ótimo, como disse anteriormente. Porém, o vídeo legitimou muita porcaria, pois feriu bastante a disciplina do processo. Ou seja, as pessoas filmam qualquer coisa pra encontrar o filme na sala de edição. Isso esvaziou muito o papel do diretor, em minha opinião, pois os diretores, por causa do vídeo, estão cobrindo ao invés de dirigir; filmando por todos os ângulos possíveis ao invés de fazer escolhas. No entanto, é exatamente o mesmo paradigma/problema de se fazer filme com muito dinheiro e recursos ilimitados. Você acaba não dirigindo, o filme fica com cara de que foi dirigido por um diretor qualquer, ou por todos os diretores em conjunto, ao invés de se reconhecer uma única voz. Filmar em película muitas vezes te força a fazer escolhas e, de fato, a dirigir.

LFR: No Brasil o circuito de curtas se reduz às mostras, festivais e cineclubes. Praticamente não há retorno financeiro, em premiação, para os realizadores. Fora do Brasil existe um mercado ativo para curtas? Como mudar o panorama nacional?

FGB: A coisa não funciona por aí. A quantidade de curtas produzidos aqui (Nova York) é muito maior e proporcionalmente gera muito menos retorno. Isso porque grande parte da produção nacional de curtas brasileiros é gerada pelos editais, que dão uma quantia bastante generosa para a produção. É um luxo. O cara, muitas das vezes, não precisa se pagar, ele não precisa encontrar mercado para o curta dele, pois simplesmente ele não tirou a grana do próprio bolso. Ás vezes até recebe salário para fazer o filme. Acho isso lindo, não me leve a mal. A galera não pode ficar mal-acostumada, aqui o buraco é bem embaixo. Estamos fazendo curtas com muito menos dinheiro, às vezes ninguém é pago. É guerrilha mesmo. Meu primeiro curta, La muerte es pequena, que foi para o Festival de Sundance (2005) e indicado para o Student Academy Award foi realizado em vídeo por US$ 300. É possível fazer coisas interessantes com pouco dinheiro.

LFR: Como você vê a questão da Lei do Curta e dos editais como fonte mantenedora da produção de curtas-metragens no país?

FGB: Nos cinemas, ao invés de mostrarem curtas, o público é obrigado a assistir propagandas. O problema da lei do curta é mais uma questão de programação. Saber nas mãos de quem vai ficar a responsabilidade de escolher um curta para acompanhar determinado longa. Uma escolha ruim pode ser desastrosa tanto para o curta quanto para o longa. Os curtas são feitos com o dinheiro público, ninguém está sendo consultado se quer bancar essa estória ou não. Até aí tudo bem. O problema é negligenciar completamente esse mesmo público que está bancando a manufatura da coisa, sem fazer o menor esforço pra garantir exibição. Acho que o povo tem direito de assistir ao que está pagando. Até para gerar mais responsabilidade. As pessoas têm que ter acesso e oportunidade de ver para julgar! Pois se elas tiverem insatisfeitas, têm o direito de reclamar. Acredito nisto porque no nosso sistema de financiamento e produção, muito se produz, mas quase nada é visto. Existe uma crise de responsabilidade. Queremos produzir, fazer, receber nossos salários, mas não queremos arcar com as conseqüências do fracasso. A ausência de mecanismos de exibição é a melhor maneira de nos proteger e garantir isso, ironicamente. Digo ironicamente porque é óbvio que todo cineasta quer ter seu trabalho visto, mas, insisto, ironicamente esse sistema nos protege porque não dá oportunidade ao publico de assistir a algumas bobagens que estão sendo produzidas continuamente.

LFR: Participar de festivais internacionais é o "sonho" de curta-metragistas. Você teve curtas selecionados para Sundance, Festival do Rio, Gramado, Clermont, Guadalajara, entre outros, totalizando 40 mostras. O que se tira de proveito destas seleções?

FGB: Os festivais te fazem sentir parte de um circuito, lhe dá aval par seguir adiante. Porém, o mais importante é que te possibilita assistir seu filme com audiências distintas. Cinema é comunicação e necessita de contato com o público. Não faço filmes pra mim mesmo, não acredito nisso. Faço filme pra comunicar algo, uma experiência, e acabo aprendendo mais sobre mim e compreendendo porque preciso tanto fazer. Depois de finalizado, a única forma de vê-lo é através dos olhos dos outros, já que perdemos completamente nossa objetividade durante o processo. Festivais nos dão platéias e olhos imparciais com os quais podemos e devemos assistir aos nossos filmes. Compreendemos melhor nossas limitações e acertos. Um aprendizado constante, por isso é importante ter humildade.