NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ben Harper & Relentless7 - Deslubrado com a potência do rock, deixa de lado a sutileza do soul

Nem sempre as mudanças estéticas concebidas por um artista agradam aos fãs. O que geralmente ocorre quando a ruptura com o padrão sonoro estabelecido passa a navegar em frequências e gêneros tão distantes quanto, por exemplo, o funk carioca está da tradição musical nipônica. O caso de Ben Harper não espelha a hipótese. Guitarrista fincado nas raízes do blues e cantor atrelado aos maneirismos vocais dos soulmen, Harper criou um repertório cuja tinta roqueira esteve sempre ao redor, mas nunca em primeiro plano. Isso até que o músico prestasse atenção à fita demo entregue por um guitarrista texano chamado Jason Mozersky alguns anos atrás. Impressionado, Harper se juntou a Mozersky e seus companheiros de banda, o baixista Jesse Ingalls e o baterista Jordan Richardson para formar o Relentless7, power trio que o acompanhou no álbum White lies for dark times (2009) e que lança as bases musicais deste DVD gravado ao vivo no Montreal International Jazz Festival. A direção afunilada ao rock, porém, não responde pelo melhor momento de sua carreira.

O registro peca pela excessiva carga de distorção e agudos arremessados pela guitarra de Mozersky. A estridência, fluidez precária e a pouca criatividade de seus solos fartam os tímpanos em poucos minutos. Harper, que impulsiona sua steel guitar apoiada sobre o colo com maestria, chega a lançar olhares para o parceiro de palco quando este exagera, mas, logo depois, volta a fazer graça, mostrando ao público que o arsenal de notas escandalosas expulsas pelo guitarrista faz parte de sua nova fase. O trio que cerca Harper abusa da força e carece de sutileza, respeito à evolução de dinâmicas, ou, numa palavra, feeling.

O baterista Jordan Richardson espanca seu kit como se não houvesse amanhã. Impressiona pela agilidade, apesar dos quilos a mais ostentados. Mas também a ele falta algo de essencial. O baixista Jesse Ingalls oscila entre lampejos de brilhantismo e outros em que suas linhas de baixo parecem desconectadas da levada rítmica. A análise dos músicos que o rodeiam é inevitável. Desde 1997, Harper era acompanhando por um combo de dar inveja. Formado por Oliver Charles (bateria), Leon Mobley (percussão), Michael Ward (guitarra), Jason Yates (teclado) e o “monstro” Juan Nelson (baixo), sua ex-banda de apoio, The Innocent Criminals era responsável pelo baile ou banho de musicalidade negra oferecido nas apresentações ao vivo do músico.

Harper, que esteve no Brasil por três vezes, fez da sua última apresentação no Citibank Hall uma aula de sensibilidade e um tributo às mais diversas vertentes da música black. Neste registro em Montreal deixa claro o quanto a restrição a um repertório calcado no blues rock reduz o seu potencial criativo e o magnetismo de sua performance. O DVD se concentra no único álbum lançado com o Relentless7 e ignora todos os hits acumulados ao de oito discos lançados, como With my own two hands, Diamonds on the inside e Waiting for you.

Em 2006, Harper havia lançado o surpreendente Both sides of the gun, álbum duplo focado num repertório soul e rock, como num cruzamento entre Otis Redding e Rolling Stones da era Beggars banquet. O álbum seguinte, Lifeline, evidenciava certo desgaste em sua linhagem musical. Era preciso renovar. A tentativa com o Relentless7 originou um álbum de sonoridade genérica. E desemboca agora numa apresentação quente, mas que não se iguala a outros registros ao vivo do músico. Mais do que sua magnificência instrumental ou versatilidade captada dentro do estúdio, a música do americano sempre foi melhor apreendida ao vivo. Não à toa, este é o quarto registro do tipo. A expressividade corporal, as sutilezas da interpretação e seu carisma sempre saltaram aos olhos frente à plateia, mas são justamente estas qualidades que faltam neste lançamento.

Live from Montreal - Why Must You Always Dress in Black / Red House




E mais aqui:
http://www.myspace.com/benharper
http://www.youtube.com/user/benharper

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