NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 27 de abril de 2010

Keane - Viagens de uma locomotiva pop

O instrumental à Gotham City que introduz Night train, numa embalagem sonora de clima caótico, soturno e industrial, anuncia a chegada de um álbum sofisticado, pretensioso e, até certo ponto, megalômano. Depois que Hopes and fears (2004) e Under the iron sea (2006) se incrustarem nas paradas mainstream a bordo de baladas pegajosas ao piano, o trio inglês tencionou mudanças estéticas para o álbum seguinte, Perfect simmetry (2008), que contava com guitarras e uma carga excessiva de sintetizadores. Dois anos depois, o novo EP amplia ainda mais os horizontes perscrutados pelo grupo. Com arranjos de cordas, metais, guitarras e sintetizadores conduzindo boa parte das canções, o álbum segue a linha dançante do anterior, mas indica uma guinada assertiva em direção ao mais (im)puro pop.

Em Night train, o apelo para pistas ganha força, a intervenção de instrumentos diversos tem dosagem em boa medida e o talento para cravar melodias instigantes ao primeiro sopro reverbera intacto por cada contorno harmônico. É o que se percebe em faixas como Back in time, entre outras. Exalando desprendimento, urgência em quebrar estigmas e ânsia por novas viagens sonoras, as oito faixas inéditas foram escritas ao longo da última turnê mundial realizada pelo grupo. A sensação de movimento é o que fica na dica deixada pelo título, escolhido não apenas porque o trem era o transporte favorito da banda na tal turnê, mas porque de faixa a faixa o trio parece aterrissar numa nova atmosfera sonora.

Se o passeio pelo brit pop, pelo dance e o flerte com a eletrônica sempre deram o tom, o Keane agora vai além, em faixas que contam, por exemplo, com a participação do rapper somalicanadense K’naan, caso do épico single Stop for a minute e Looking back. A participação da “MC de baile funk” japonea Tigarah para Ishin denshin (You’ve got to help yourself) garante um clima ainda mais multifacetado ao trabalho. A faixa, na verdade um cover do Yellow Magic Orchestra, exemplifica a geografia musical desterritorializada que a banda aposta como caminho: “Trabalhei em cima da ideia original no avião, Richard gravou a bateria em Londres, Tom fez os vocais em Copenhagen, Tigarah registrou os dela em LA e finalizamos a música no ônibus da turnê”, diz o tecladista, baixista e principal compositor da banda Tim Rice-Oxley. A faixa é seguida por Your love, cuja linha melódica entoada por RiceOxley remete imediatamente ao terreno sonoro traçado pelo The Killers. A comparação com o quinteto americano não é de hoje. Se Perfect simmetry afastava o trio das baladas ao piano que os conduziam até então, o último lançamento colocou os ingleses na mesma sintonia dançante que os músicos de Las Vegas.

Mais que um punhado de hits, Night train revela uma pungente necessidade de avanço. E se a banda realmente se deixa levar por estações desconhecidas o resultado dá a impressão de que nem sempre linhas e vagões se conectam ou levam o ouvinte a um destino musical certeiro. Como uma locomotiva solta, o trio opta por uma viagem sem roteiro ou destinos traçados. Ao jogar com o imprevisível, surpreendem positivamente ao mesmo tempo em que, vez por outra, deixam o trem escapar dos trilhos.

Stop for a minute feat. K'naan

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