NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Chew Lips - Ousadia entre o rock e a eletrônica

Em 27 de abril de 2008, a londrina Alicia “Tigs” Huerta tirava o telefone do gancho para fazer uma ligação arriscada; talvez o ato de ousadia mais importante da carreira que só agora começa a deslanchar – a bordo do álbum Unicorn, lançado na Inglaterra em janeiro último. O número discado servia para marcar o primeiro show do Chew Lips. Mas até então a banda não tinha nome, o grupo sem nome não tinha canções, e os integrantes do tal conjunto sem batismo não sabiam que estavam numa nova banda, nem que esta já tinha um show agendado. Por isso, sim: ousadia. Tigs, James Watkins (baixo e teclados) e Will Sanderson (guitarra e teclados) levaram dois dias de ensaio para construir as bases de cerca de 20 canções. Não tinham tempo a perder. A vocalista havia agendado a apresentação para duas semanas à frente, antes de qualquer verso ganhar rascunho. E foi numa festa entre amigos, em diversos níveis de entorpecimento, que os embriões musicais passaram no teste, numa noite em que Tigs terminou sua performance em cima de uma máquina de lavar. Poucos shows depois, o burburinho selava o destino. Dois anos mais tarde o trio londrino é apontado como uma das forças do rock dançante feito nos últimos anos na Inglaterra.

– Acho que a maioria das bandas começam a tocar pensando em sucesso e fama. Ou por uma vontade qualquer, tipo “vamos fazer umas músicas? Vamos marcar uma hora no estúdio?” – diz Tigs. – Não tivemos chance de analisar sob uma perspectiva maior a motivação que nos juntou. Eu já os conhecia, e marquei as datas. Eles tinham criado algumas bases e eu comecei a escrever... Depois de uns cinco shows as coisas começaram a mudar.

Unicorn é um combo de 10 peças de apelo pop instantâneo, com levadas dançantes guiadas por potentes linhas de baixos e refrões grudentos, implacáveis aos ouvidos mais céticos. Afeitos à eletrônica, sintetizam techno, eletro e house com uma pegada ao mesmo tempo minimalista e grandiloquente, em que sobressaem as linhas vocais amplas e melodiosas de Tigs. Faixas como o single Play together, Karen, entre outras navegam entre beats pesados, sintetizadores pulsantes e linhas de guitarra dedilhadas repletas de colorido. No fim das contas, esculpido sob uma atmosfera que une crueza e sofisticação, Unicorn é uma coletânea de potenciais hits de pista, e que já vêm fazendo a festa de DJs, com uma série de remixes disponíveis pela web.

– Tentamos criar um disco com muitas dinâmicas, multifacetado, com camadas e níveis diversos. Algo que pudesse impactar já no primeiro segundo, mas que depois pudesse revelar certas sutilezas e detalhes numa escuta mais cuidadosa – explica a vocalista. – O disco tem uma série de delicadezas e manipulações sonoras que vão sendo descobertas aos poucos. Temos canções abertas e extremamente pop, assim como outras mais obscuras, que sugerem ao ouvinte momentos de maior introspecção.

Sob o aval da crítica e de bandas como os Killers – “Acho que abrir o show deles para mais de 20 mil pessoas no Hyde Park foi um dos pontos altos”, revela Tigs – a sonoridade calcada entre a luxúria dos 80 e o underground dos 90 já rende comparações com nomes como Yeah Yeah Yeahs, Gossip, La Roux e LCD Soundsystem. Mas Tigs não segue a risca da obviedade e prefere listar referências que navegam por outros corredores.

– Somos apaixonados por Pavement, Sparklehorse, Dinosaur Jr. e Yo La Tengo, ao mesmo tempo em que temos fascínio por discos que continuam a ser sampleados 20 anos depois, como os álbuns do Scritti Politti, Prince...

Além da sonoridade dos anos 60, dos clássicos de Neil Young, David Bowie, Fleetwood Mac… Produzido por David Kosten (Bat For Lashes) em parceria com o multiinstrumentista James Watkins ao longo de seis semanas, Unicorn ganhou as lojas sob a chancela do pequeno selo francês Kitsuné. Motivo de orgulho para uma cantora de feições pop mas de ímpeto absolutamente independente.

– Acho que termos seguido adiante sem contrato e o suporte de uma grande gravadora tornaram as coisas um pouco mais difíceis. Mas realmente não queremos dividir o controle da nossa banda. Além disso, estamos em outros tempos, modernos... Não temos que fazer nada que não seja do nosso agrado – afirma. – Por isso foi tão maravilhoso contar com David e James. Eles se tornaram inseparáveis durante a produção. Eu e James escrevemos todas as canções. Combinamos muito bem, apesar de eu preferir os shows e ele de brincar com botões. Ele é um gênio.

Antes de iniciar o grupo e de se trancar em estúdio, o trio havia deixado projetos anteriores de lado. A ansiedade experimentar novas possibilidades explodiu logo ao primeiro encontro. As primeiras 10 faixas compostas começaram a ser delineadas sem que houvesse um plano, um objetivo, uma sonoridade em comum a ser alcançada.

– Escrevemos o mais rápido que podíamos, porque passamos mais de um ano sem tocar. Tínhamos muita energia acumulada e muito material para vir à tona – lembra. – Não fazíamos a menor ideia de como deveríamos soar, mas sabíamos claramente o que não gostaríamos de ser, ou seja, uma dessas bandas de guitarra como o Bloc Party, Foals, Strokes... Queria dar vazão às coisas que haviam acontecido com a minha vida ao longo desse tempo sem tocar.

Tigs classifica Unicorn um disco de transição, mas nem por isso deixa de defender o álbum como uma peça fundamental de sua curta mas incensada trajetória.

– Escrevo ali sobre o meu crescimento, sob a perspectiva de realmente me sentir uma partícula pequena e solitária no meio do mundo – elabora.

– Mas no fim das contas, é maravilhoso saber que o disco vai permanecer vivo, extravasar a nossa existência. Até o fim dos tempos ele estará aí, disponível para quem se interessar em ouvir. Isso me conforta.

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