– É muito estranho partir de uma posição em que ninguém conhece você e de repente ser reconhecida por milhares de pessoas. Então, realmente isto não é natural para mim – afirma Adele.
De aposta a realidade da música pop, seu disco de estréia, 19, lançado mês passado, nos Estados Unidos – e que sai no Brasil até o fim deste mês pelo selo paulista Flammil, responsável também pelo lançamento nacional de In rainbows, do Radiohead –, entrou no top 100 da Billboard, o que rendeu a moça apresentação no talkshow de David Letterman, resenhas favoráveis em prestigiosas publicações, além de um generoso impulso às vendas do disco, que já atingiram mais de meio milhão de cópias vendidas.
– Tudo ainda é muito esquisito. No entanto, desde a primeira vez em que pus as mãos em um microfone, aos 14 anos, soube de imediato o que gostaria de fazer da vida. – A maioria das pessoas não gosta de ouvir sua própria voz em gravações. Já eu fiquei extremamente excitada com todo o processo que não me importei sobre como minha voz soava. Eu sempre quis ser o centro das atenções – revela.
Sentada à mesa de um restaurante em Sheperds Bush, lado oeste de Londres, enquanto esperava seu empresário para um jantar de negócios, a cantora dedicou seus poucos minutos de descanso para esta conversa virtual. Dividindo sua atenção entre olhadelas no cardápio e as teclas de seu laptop, nesta entrevista a moça ainda demonstra desconforto com a fama e a exposição de uma estrela ascendente da música pop.
LFR: Na sua opinião qual seria a razão para essa resposta positiva e tão rápida em relação a sua música?
A: Talvez seja porque eu escreva canções que todo mundo possa fazer relações, ou porque sou muito falante em entrevistas e porque eu sou realmente uma artista de palco!
LFR: '19' foi lançado no início do ano com algumas canções disponíveis em seu Myspace. Até que ponto estas novas ferramentas virtuais auxiliam seu trabalho e contribuem para alterar os rumos do mercado fonográfico?
A: Acho que sites como Myspace, Youtube e a internet como um todo mudaram completamente a indústria da música, já que a música e os artistas são muito mais acessíveis hoje em dia. Como ferramenta, os artistas podem manter contato com seus fãs em um nível de intimidade diária! Amo a idéia de ser uma artista fruto de todas estas mudanças.
LFR: Mesmo antes de lançar um único single você já havia se apresentado em famosos programas da TV inglesa, caso do musical Jools Holland e do talkshow de Jonathan Ross. Além disso, parcerias com Mark Ronson já haviam sido tecidas, contrato assinado com a XL Recordings assinado, além de ter se apresentado ao lado de artistas como Devendra Banhart, Amos Lee e Raul Midon. Sua música se tornou conhecida antes mesmo de qualquer lançamento oficial. Como vê isso?
A: Acho que na época em que tudo isso aconteceu havia muita falação sobre mim e eu era a única nova garota no momento que estava realmente lutando para fazer as coisas antes de o álbum estar terminado.
LFR: Escrevo do Brasil, onde posso escutar as suas músicas sem pagar um único centavo. Fato que me deu a oportunidade de conhecer um artista novo e escrever sobre ele. Há algum tempo não teríamos essa velocidade e quantidade de informações disponíveis. Como lida com isso?
A: Acho que isto é encorajador. Se você não pudesse me ouvir pelo Myspace, ou se ninguém tivesse acesso à minha música tudo isso iria levar um tempo muito maior para acontecer. Acho que isso mostra o quanto você pode atingir e conquistar em um curto espaço de tempo.
LFR: Os arranjos do seu disco são até certo ponto minimalistas. Violões acústicos e suas linhas vocais estão a todo o tempo na linha de frente. De onde veio a idéia ou conceito de fazer um disco baseado quase que exclusivamente em sua voz?
A: Pois na verdade sou melhor cantora do que musicista. Eu escrevo todas as minhas canções, mas eu ainda tenho muito o que desenvolver e até que eu esteja pronta o meu trabalho será sempre guiado pela minha voz. Ainda não estou pronta para escrever o meu Dark side of the moon. Ainda!
LFR: Quem são os artistas que, por admiração e influência acabaram contribuindo para a construção da sua sonoridade e o seu jeito de cantar? Etta James, Ella Fitzgerald, música folk, soul...
A: Realmente não gosto de música folk. Gosto de soul e pop. Meu artista predileto é Etta James porque simplesmente amo sua voz, seu fraseado e suas canções. Aprendi a cantar sozinha, auto-didata, ouvindo Etta e outras grandes cantoras, como Ella Fitzgerald. Então minha voz vem de representar elas por muitos anos e, eventualmente, fazendo isso da minha maneira. Acho que há pegadas marcantes dessas influências na minha voz.
LFR: Qual foi o ponto de partida para que a música tomasse posição central em sua vida?
A: Cantar é algo que sempre fiz. Não importa se durante o banho ou em cima de um palco, no carro ou num disco. Eu amo cantar, além disso, não tenho paixão por nada. O momento de transição foi quando pude perceber que cantar realmente poderia ser minha carreira e que eu poderia me dar bem foi quando meu álbum foi lançado e entrou em primeiro lugar nas paradas inglesas. Aí é quando tudo fica em casa!
LFR: Você conta com uma voz limpa e um estilo de canto repleto de influências dos antigos cantores de soul e blues. Como aprendeu a separar o que era influência daquilo que mais tarde estabeleceria como a sua maneira de interpretar?
A: Cresci interpretando outras cantoras, isso foi até os meus 16 anos, quando comecei a compor minhas próprias canções que minha voz passou a ter i meu registro. Foi aí que me encontrei! O estilo blues e melodioso sempre esteve comigo.
LFR: Vamos falar um pouco sobre suas composições. De que maneira seu estado de humor afeta seu processo de escrita? O que lhe inspira a compor?
A: Meu humor realmente afeta o modo e quando faço minhas canções. Se estou de bom humor não consigo escrever nada, porque estou na noitada me divertindo! Haha Tenho que estar triste para compor, algo que realmente me afete e me abele. Tentei inventar situações para escrever ou escrever sobre algo que aconteceu a alguém. Mas o problema é que nunca dei significado sincero ou consegui passar as histórias com convicção. Então minhas músicas são sempre pessoais e sempre sobre amor ou ódio!
LFR: Quando começou a escrever esse álbum? Onde ele foi gravado?
A: Eu tinha apenas três canções quando assinei meu contrato. Não escrevia mais canções até maio de 2007. Escrevi o álbum a partir destas três canções durante o mês de maio. Gravamos tudo em Londres, nos estúdios Rak, Konk e Metropolis.
LFR: Fale um pouco sobre sua experiência em estúdio. Como foi o processo de gravação do disco? Suas músicas soa intimistas... era este o clima predominante durante as sessões?
A: Adoro estar em estúdio. Amo tocar ao vivo, mas prefiro ficar no estúdio. É mais relaxante e minhas idéias fluem muito bem quando estou gravando! Gravamos o disco rapidamente, só posso dizer que foi o período mais divertido da minha vida!
LFR: Você trabalhou com três produtores musicais. O que cada um deles trouxe para o álbum em relação aos arranjos e instrumentos usados? Qual a diferença no trabalho de cada um?
A: Eles são muito diferentes. Jim gravou as canções mais simples e acústicas. Ele me deu coragem para fazer tudo aquilo que eu achava que iria funcionar. Eu e Eg escrevemos nossas canções em parceria, apenas colocamos nossas idéias para fora e depois as juntamos. Ele é muito rápido e sai derramando idéias a todo momento. Mark Ronson fez minhas canções serem como elas são. Escrevi 'Cold shoulder' com um teclado Whirlitzer, mas queria adicionar algumas batidas e sabia que ele seria a pessoa certa!
LFR: O que a inspirou para escrever as canções 'Daydreamer', 'Chasing pavements' e 'Cold shoulder'?
A: 'Daydreamer' é sobre meu ex-namorado que era bissexual. Uma experiência assustadora, pois de qualquer maneira sentia ciúmes. Eu não teria energia suficiente para lutar e competir contra homens e mulheres. Então a música é sobre minha fantasia do que eu queria que ele fosse. 'Chasing pavements' é sobre uma discussão que tive com meu ex-namorado. Eu fugi e ele não me perseguiu e eu não estava perseguindo ninguém, apenas um espaço vazio. Já 'Cold shoulder' é sobre o final do relacionamento com o ex-namorado detalhado em 'Chasing pavements', sobre quando ele decidiu ficar com uma outra garota!
LFR: Certa vez você disse à imprensa que suas letras são como poemas. Muitas de suas linhas são resultados de fragmentos literários e de suas leituras, ou apenas resultado de experiências pessoais?
A: Não leio livros ou poesias. É tudo sobre experiências pessoais!
LFR: Como vê o papel da imprensa musical britânica, em especial o semanário New Musical Express, que impulsiona novos artistas toda semana como sendo novos Beatles? Além disso, todo mês um novo gênero musical é inventado e uma nova classificação surge como a nova moda. Como vê tudo isso? Acha que perderam completamente o bom senso com esta noção de hype?
A: Não, apenas acho que eles não podem segurar a onda! Acho que eles estão querendo o controle de algo que é completamente fora do alcance deles. E eles tentam dar conta categorizando todo mundo! Acho que eles estão tão excitados que querem ter o controle de tudo.
LFR: Vivemos uma era de multiplicidades, também na música, onde mash-ups e misturas de ritmos e gêneros formam os tais novos termos inventados pela imprensa. Sua música, até certo ponto intimista e repleta de silêncios, é uma reação consciente a essa sonoridade moderna, complexa e dançante em voga atualmente na Inglaterra?
A: Escrevo canções que gosto. Apenas isso. Gosto de baladas mais lentas. Não estou antenada a tudo que está a minha volta e obviamente nem penso nas cenas ou em outros artistas quando escrevo minhas canções. Então, com certeza é um processo totalmente inconsciente!
LFR: O que acha dessa busca incessante para descobrir a nova cantora e compositora inglesa a ser comparada com Amy Winehouse? Isso lhe incomoda?
A: Isto não me chateia. Acho que nós somos todas boas o bastante e acho que realmente somos as novas cantoras e é por isso que estamos indo tão bem!
LFR: Se tivesse que ser comparada a Amy Winehouse, Duffy, Laura Marling e Dawn Kinnard a quem gostaria de ter sua música relacionada? Qual delas não gostaria de ser comparada?
A: Escolheria ser comparada a Amy Winehouse porque a amo e acho ela incrível! E é óbvio que gostaria de ter uma carreira musical como a dela. Acho que Amy tem longevidade e é isso que quero. Eu não gostaria de ser comparada com Laura Marling. Acho ela incrível, mas somos completamente diferentes. Ela é muito folk e eu soul/pop! E acho que nós duas queremos coisas diferentes em relação a idéia de ser cantora e performer!
LFR: Suas experiências adolescentes determinam todo o conceito de 19?
A: O escopo do álbum era escrever sobre relacionamentos que tive aos 19 anos.
LFR: Alvo de apostas e listas ao longo do ano agora é sua vez de apontar os novos artistas que rolam no seu playlist...
A: De novas bandas tenho escutado artistas como Vampire Weekend, Soko, Late Of The Pier, Metros e MGMT. De coisas mais antigas, ouço Kings Of Leon, Klaxons, Yeah Yeah Yeahs, Etta James, Amy Winehouse e Lily Allen.
LFR: Recentemente li um artigo em que você afirmava ter enorme prazer em ler sobre escândalos sobre celebridades. Esta preparada para figurar em capas de tablóides e a ser tratada como uma celebridade da música pop?
A: Realmente adoro ler revistas de fofoca, sim. Quem é que não gosta? Da mesma forma que adoro lê-las, odeio estar estampada em suas páginas. Não estou preparada e nunca estarei!
'Daydreamer' - Jools Holland
'Cold shoulder'
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