Aos 65 anos de idade e mais de 20 discos lançados, no Brasil e exterior, o instrumentista, compositor, arranjador e cantor, Marcos Valle, não dá muita bola para as homenagens e comemorações aos 50 anos da bossa nova. Ele prefere apontar para o futuro e, de olho na renovação do seu público e repertório, acaba de lançar o CD e DVD 'Marcos Valle Conecta'. Capturado durante a temporada de quatro noites realizada em agosto de 2007 no Cinematéque Jam Club, em Botafogo, o registro apresenta a reunião, no palco, de Marcos e diferentes convidados da nova geração de músicos e compositores da MPB. Entre eles, Marcelo Camelo – em seu primeiro trabalho pós-Los Hermanos –, Moreno Veloso, Domenico Lancellotti e Kassin, – formadores do trio + 2 –, Fino Coletivo, DJ Nado Leal e DJ Plínio Profeta.
Representante da segunda geração da bossa nova, surgida nos anos 60 e lapidada aos moldes da batida do violão e pelo canto de João Gilberto, além das canções de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Marcos passa longe do purismo bossa novista. Muito pelo contrário. Democrático, ele mostra que sua bem sucedida carreira internacional é fruto das suas experimentações e dos flertes com ritmos e gêneros musicais diversos, como o samba tradicional, baião, jazz, música clássica, pop, entre outros. Com a carreira em alta, tanto aqui como acolá, ele anuncia, ainda, para este ano, o lançamento de um CD de inéditas em parceria com Celso Fonseca, novas composições com Marcelo Camelo, Lulu Santos, Carlos Lyra, participação especial no novo álbum de Marcelo D2, além de um box, com quatro DVDs, sobre sua carreira, a ser lançado em 2009.
LFR: Em meio às homenagens e comemorações em relação aos 50 anos de bossa nova, queria que você falasse um pouco da importância do gênero para a nossa música. Qual o maior legado que João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, entre outros, nos deixam?
LFR: Em meio às homenagens e comemorações em relação aos 50 anos de bossa nova, queria que você falasse um pouco da importância do gênero para a nossa música. Qual o maior legado que João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, entre outros, nos deixam?
MV: A bossa nova tem grande importância não só no Brasil, como para o mundo da música. No fundo era uma maneira nova de tocar o samba tradicional. O samba e a bossa se encaixam perfeitamente. A bossa uniu elementos sonoros da música clássica e do jazz, o que era uma possibilidade de renovação e deu força a música brasileira lá fora. Dentro do país também, pois passou a atingir um público que não tinha tanta ligação com o samba tradicional. Isso ampliou a nossa música e cultura para o próprio Brasil. O encontro de Carlos Lyra e Nara Leão foi transformador neste sentido.
LFR: A que fator explica o reconhecimento e o interesse pela bossa nova, por jazzistas, cantores, compositores americanos e europeus?
MV: A bossa nova apontava o casamento entre elementos da música internacional. Em termos de harmonia, interessava aos jazzistas e aos cantores, que a aceitaram de imediato. A bossa bebia de fontes do jazz, como Chet Baker, nos EUA, além de Mário Reis, no Brasil, uma forma mais coloquial de cantar, que, mais tarde, aponta para João Gilberto. Eram as harmonias de Johnny Alf, da música erudita de Ravel e Debussy. A semelhança com o jazz facilitou e abriu as portas para o mundo. A bossa nova tem a melodia bonita e intuitiva que interessou a Frank Sinatra e Tony Bennet; as harmonias sofisticadas, que interessavam aos jazzistas e seus improvisos; além do ritmo sensual e mais solto do samba, que dava colorido e sabor musical diferenciado. Isso fez com que muitos compositores brasileiros passassem a ser gravados lá fora e que músicos americanos usassem estes novos sabores.
LFR: E o reconhecimento do seu trabalho internacionalmente, como se deu?
MV: Após esse primeiro impacto, houve um declínio e, mais tarde, na década de 80, um revival na Europa. A Minha música e o sucesso daminha carreira internacional se deve a este momento. Nessa época, os jovens e muitos DJs europeus se mostraram bastante interessados pela minha música, em particular, pelos meus discos mais antigos, gravados na década de 60.
MV: Após esse primeiro impacto, houve um declínio e, mais tarde, na década de 80, um revival na Europa. A Minha música e o sucesso daminha carreira internacional se deve a este momento. Nessa época, os jovens e muitos DJs europeus se mostraram bastante interessados pela minha música, em particular, pelos meus discos mais antigos, gravados na década de 60.
LFR: Gostaria que você falasse do seu primeiro contato com estilo... Como surgiu esse encanto pela bossa?
MV: Desde os cinco anos já estava totalmente ligado em música. Desde os cinco anos, por causa do meu pai, ouvia muita música brasileira em casa, baião, samba tradicional, entre outras vertentes. Depois passei a estudar música clássica, ao piano e violão. Mais tarde, estudava para ser advogado, mas nas veias só corria música. Aí, em 1958, com uns 17 anos ouvi o disco do João Gilberto. Foi um impacto total. Fiquei louco e comecei a ouvir direto. Meu contato com essa turma, até então, era como fã.
LFR: Você gravou o seu primeiro disco muito cedo, com 21 anos, nos anos 60... Por ser mais novo houve dificuldade de se integrar aos nomes mais conhecidos e mostrar o seu trabalho? Como é que foi essa sua aproximação ao gênero?
MV: Tinha estudado com o Edu Lobo, no Santo Inácio, com uns 12 anos. Anos mais tarde, em 60, já com 19 anos, encontrei o Edu no ônibus. Ele morava ali na Barão de Ipanema e estava com um violão a tiracolo, batemos olho com olho e nos reconhecemos de imediato. Apesar das mudanças preservávamos os mesmos traços. Lembro da primeira coisa que perguntei: “Você ta ligado em música?”. Ele respondeu que sim, e que seu pai, Fernando Lobo era um compositor conhecido. à época, Edu estava tocando com o Dori Caymmi, filho do Dorival. Perguntou o que eu estava fazendo e respondi que pensava em música 24 horas por dia. Marcamos um encontro e a partir daí montamos um trio, eu, Edu e Dori. Não durou muito tempo, mas foi de extrema importância, pois comecei a freqüentar os encontros musicais na casa do Ary Barroso, pouco antes de ele morrer. Lembro que todo mundo se reunia ali, na ladeira do Leme, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Baden Powell, Ronaldo Bôscoli, entre outros da pesada. A princípio, ficava ali como mero observador daqueles encontros. Depois, fui chamado pelo Lula Freire à casa do Vinícius que tinha virado o centro dessas reuniões. Ele queria que eu tocasse algumas canções minhas. Toquei Sonho de Maria e ele logo pediu a canção, porque estava gravando um disco com o Tamba Trio. Foi minha primeira música gravada e que me levou a circular com mais desenvoltura naquele ambiente. Conheci melhor o Menescal e minhas canções passaram a ser gravadas por muita gente. Depois, fui mostrar minhas canções para a Odeon, hoje EMI, que acabou me contratando como artista da casa. Apenas queria que alguém gravasse minhas canções e saí com um papel assinado. Nada mal...
LFR: Ao longo da carreira, seus discos não refletem somente o gosto pela bossa, mas também por experimentações outras. Conte um pouco de sua formação musical e artística, você se define como um artista de bossa nova ou essa não seria a mais adequada das classificações?
LFR: Ao longo da carreira, seus discos não refletem somente o gosto pela bossa, mas também por experimentações outras. Conte um pouco de sua formação musical e artística, você se define como um artista de bossa nova ou essa não seria a mais adequada das classificações?
MV: Com o impacto dos primeiros anos da bossa nova essa diversidade ficou um pouco camuflada. Minha formação musical e minhas influências só passaram a aparecer no meu trabalho após os primeiros dois discos, que eram puramente bossa nova. A partir de então comecei a trabalhar com o baião, música pop, jazz e muita música negra americana. A questão do soul estava muito presente, compus Black is beautiful e o disco influenciado por essa onda. Aí, sim, meu público começou a se formar e a perceber essa mistura, comecei a ter a oportunidade e espaço para mostrar. O Menescal diz que eu não revolucionei a bossa nova, mas, sim, que eu já vim revolucionado.
LFR: Por mais que ronde e experimente outros ritmos, gostaria de saber até que ponto ela ainda é a base de sua formação musical e de suas experimentações?
MV: Hoje sou mais maduro, toco melhor e tenho muito mais confiança no que eu me proponho a fazer, em termos de arranjos. É a questão da experiência e a aproximação com muita música de outros gêneros e músicos de outra geração. É por isso que hoje tenho parcerias com o Marcelo Camelo, por exemplo, gosto muito dessa troca. Lembro com muito carinho das coisas que fiz, mas gosto de ter novas idéias, preciso desse tipo de motivação. A bossa nova, a meu ver, é muito democrática. Ela se casa bem com quase todos os estilos musicais. Então essa nova geração chega super carregada de diversas influências e, mesmo assim, admira a bossa nova também. Comemorar os 50 anos da bossa é até legal, mas prefiro olhar para os próximos 50 anos, porque tenho certeza e vejo que tem muita música boa e nova, além de uma nova geração muito interessada. Essa ponte, ou cruzamento de gerações, é muito importante, não só para eles, mas para mim também.
LFR: Você tem uma carreira internacional consolidada, com discos lançados apenas no mercado externo e uma agenda de shows constante por lá. A que fator você credita esse acolhimento, ou sucesso, no mercado internacional?
LFR: Você tem uma carreira internacional consolidada, com discos lançados apenas no mercado externo e uma agenda de shows constante por lá. A que fator você credita esse acolhimento, ou sucesso, no mercado internacional?
MV: Eles me descobriram, não esperava e não entendia muito bem o porquê dessa admiração. Hoje percebo e entendo que esse público jovem europeu estava interessado em dançar, mas não queriam a onda disco americana. Eles estavam interessados em Quincy Jones, Stevie Wonder, entre outros. Meus discos traziam essa mistura de ritmos e improvisações. Era diferente da bossa nova original e talvez por isso houve essa resposta. O que ainda me impressiona é que é um público muito jovem, entre 15 e 30 anos, e que se renova. Eles conhecem e são interessados nas improvisações e nos arranjos. No Japão, há uma parte do público que me admira pelas minhas canções mais clássica e uma outra parcela jovem, que admira minhas canções mais ritmadas e ricas em mistura.
LFR: Conecta é justamente uma intenção de se aproximar, como artista, de um publico mais jovem, aqui no Brasil? Achava que era necessário provocar essa aproximação?
LFR: Conecta é justamente uma intenção de se aproximar, como artista, de um publico mais jovem, aqui no Brasil? Achava que era necessário provocar essa aproximação?
MV: Na Europa toco para um público jovem, em festivais para cerca de 50.000 pessoas. Saio sempre muito energizado, pois os shows são mais para cima. Meus sucessos lá fora são as canções mais ritmadas.
LFR: No Brasil, seus shows não tinham essa pegada mais forte?
MV: No Brasil tinha que misturar e colocar certos clássicos, para que uma parte do meu público não saísse frustrada. Lá fora, algumas músicas de sucesso nunca tiveram a mesma resposta por aqui. Queria fazer esse tipo de show e o pessoal do Cinematéque, coincidentemente, me procurou falando que muitos jovens pediam meu show. Uma coisa casou com a outra e decidimos fazer quatro noites dedicadas a um público jovem.
LFR: Quais foram os critérios para a formatação desse projeto? Como surgiu a idéia de fazer essa série de shows que gera esse CD e DVD?
LFR: Quais foram os critérios para a formatação desse projeto? Como surgiu a idéia de fazer essa série de shows que gera esse CD e DVD?
MV: Decidimos que para fazer essa conexão com o público mais jovem seria importante termos convidados. Seriam músicos da nova geração da música brasileira que tinham certa identificação ou aproximação com a minha música. Aquilo soou perfeito e comecei a pensar em quem chamar.
LFR: Quais foram os critérios usados para escolher os convidados?
MV: Alguns eu já conhecia a música e tinha o interesse de conhecer pessoalmente. Foi o caso do Marcelo Camelo, do Los Hermanos, que já conhecia suas canções com o grupo, além de outras composições gravadas por outros artistas, como a Maria Rita. À época o grupo tinha se separado e o Marcelo estava meio que recluso. Consegui apenas o e-mail dele e resolvi escrever uma mensagem para ver se ele se animava a sair da toca. Ele me respondeu dizendo o quanto admirava o meu trabalho e que ficaria muito feliz em tecer qualquer trabalho ao meu lado. Fiquei super entusiasmado com a resposta dele, que já veio repleta de sugestão de músicas que ele achava interessante tocar, outras ele já via semelhanças e poderiam ser fundidas.
LFR: E como chegou aos outros convidados?
MV: Depois comecei a pensar nos outros nomes. Já havia escutado alguma coisa do Fino Coletivo e do pessoal do trio +2. Passei a escutar os discos que esse pessoal havia feito e percebi uma conexão muito grande. Entrei em contato e a reação foi super boa, assim como a do Marcelo. Me senti revigorado, eles diziam realmente terem sido influenciados pela minha música. Fico feliz com isso e até vejo semelhanças por causa da abertura que sempre trabalhei em minha carreira. Eles também são assim, pois escutam muita bossa nova, MPB, mas trazem elementos novos da cultura deles. O encontro dessas influências é sempre muito rico.LFR: E o repertório que cantaria ao lado de cada um, como foi escolhido?
MV: A elaboração dos arranjos depois foi super confortável, pois pensamos todos em conjunto. Já havia escutado os discos e marcado algumas canções que julgava ser mais interessantes para o projeto. Nos primeiros ensaios a coisa já estava soando redonda e vi que sairia coisa boa dali. Mais tarde me sugeriram fazer algo relacionado aos DJs, já que na Europa eu tinha estabelecido essa conexão. Foram escolhidos o Nado Leal e o Plínio Profeta para fechar o projeto que, até então, não seria registrado oficialmente.
LFR: Mas acabou virando CD e DVD...
MV: É... acho que o trunfo desse trabalho é que ele não tem um esquemão por trás. É algo bem natural e orgânico, meio underground até. Mesmo assim, com uma casa pequena, o Roberto Oliveira conseguiu extrair imagens impressionantes.
LFR: Quando foi que achou que valeria a pena registrar em DVD?
MV: O primeiro show foi do Fino Coletivo. Ali sacamos que teríamos que gravar aquilo, porque o resultado era ótimo. Montamos uma equipe de áudio e vídeo para a segunda noite, que teria o Marcelo Camelo. O Roberto colocou sete câmeras, chamei o Sabóia para fazer o som e mixar o disco. Aí, já pensamos na possibilidade de lançarmos o trabalho. Ao final, re3fizemos o show com o Fino Coletivo e depois pedi autorização para os meus convidados, que aceitaram prontamente.
LFR: Como foi o encontro com o Camelo e a sintonia gerada por esse encontro? Saiu uma nota dizendo que se sentiram bons amigos já no primeiro contato...
MV: No momento que nos aproximamos rolou uma sintonia. Nos encontramos e ele começou a tocar um monte de coisa nova, umas mais MPB, outras mais pop. Ele é muito talentoso.
LFR: Já há parcerias ou intenção de fazer música juntos?
MV: Depois desse projeto continuamos a parceria. Esse encontro já rendeu duas canções inéditas, mas que apenas uma dela tem nome, Eu vou. Ainda não sabemos quem vai gravá-las, mas esperamos que, futuramente, alguém as interprete. É muito bacana e importante fazer um novo parceiro, até para a minha carreira. O bom é que não temos apenas a música em comum, mas, sim, muitas outras coisas. Aí é normal que dê algo mais.
LFR: Ele esta gravando o primeiro cd solo, já teve a oportunidade de ouvir? Alguma dessas músicas será incluída?
MV: Não, porque o repertório dele já estava definido. Ainda não tive a oportunidade de ouvir. Ele está em São Paulo terminando de gravar e volta e meia me escreve um e-mail. Assim que ele voltar deve me mostrar as novas canções.
LFR: O que acha de sua musicalidade, o que ele tem de especial, o que lhe agrada em suas composições e que faz dele um expoente dessa nova geração de compositores brasileiros?
MV: Suas canções têm uma qualidade, um apuro e uma capacidade de criação muito grande. Ele carrega uma versatilidade, talvez herança do tio, Bebeto Castilho, do Tamba Trio. Meus músicos também ficaram impressionados. Ele é um grande reforço para a nossa música.
LFR: Como está sendo a resposta do teu público e da crítica em relação ao Conecta?
MV: O disco e o DVD estão caminhando bem no Brasil. A gravadora abraçou o projeto e pretende lançá-lo internacionalmente. A crítica tem sido excelente e a distribuição da EMI está sendo muito bem feita. As vendas, também, caminham melhor do que imaginávamos. Devo apresentá-lo na Europa neste segundo semestre.
LFR: Gostaria que jogasse luz no futuro e falasse um pouco dos projetos paralelos que está trabalhando... Há algo a ser lançado ainda este ano?
MV: Tenho um disco pronto de inéditas, feitas em parceria com o Celso Fonseca. É um trabalho bem interessante e diferente, com cinco canções instrumentais e sete cantadas. Os arranjos privilegiam uma atmosfera de grande orquestra, com trompas e trompetes, feitos pelo Jessé Sadoc. Queremos aguardar um pouco para lançá-lo, para não atropelar o Conecta e o disco do Celso, Feriado. No entanto, até outubro ele deve estar na rua. Sou muito fã do Celso, adoro o trabalho dele.
Além disso, tenho um contrato com o selo londrino Far Out Recordings e devo um quinto CD para eles. Devo entregá-lo ainda este ano. Quero apenas encontrar uma brecha, pois, simultaneamente a isto tudo, estou gravando um Box, com quatro DVDs, sobre a minha carreira, a ser lançado ano que vem.
Também tenho feito uma porção de participações especiais. Essa semana me encontrei com o Marcelo D2 para gravar uma participação especial no novo álbum dele. Tenho músicas novas em parceria com o Lulu Santos, Carlos Lyra, Luis Carlos da Vila, entre outros.
Um comentário:
Trabalho maravilhoso e super pra cima. O único defeito é que eu não estava lá para prestigiar esse grande músico que é o Marcos Valle e seus ótimos convidados. Marcos, sua música enche minha casa e minha vida de alegria. Obrigado!
Postar um comentário