NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Príncipe dos clubs


Assumindo-se um artista prestigiado pelo universo gay, o cantor e compositor Sam Sparro une soul 70 com experimentações eletrônicas e abre uma nova janela para o pop: “Sabia que seria algo grande”

Desde que a psicodelia pop e a soul music setentista explodiram unidas pela voz potente do cantor Cee-lo Green, a bordo do hit Crazy – talhado há dois anos pela outra metade do Gnarls Barkley, o produtor Danger Mouse – FMs mundo afora definham sedentas à procura de uma canção que a pudesse substituir à altura e com impacto semelhante.

Ao apostar em estética musical similar, coube à imprensa inglesa destacar o poderio vocal do cantor australiano Sam Sparro e lhe determinar a incumbência de trazer de volta às pistas de dança e às paradas de sucesso boas referências musicais em formato pop.
– Ouço de tudo, de jazz à new wave, passando por disco, electro, R&B, além de bandas punk. Aliás, cheguei a tocar em algumas antes de me tornar um adepto dos clubes – revela Sam.

Sorvendo influências de fontes musicais variadas mas consistentes, que unem as levadas funk e disco da década de 70 às vertentes eletrônicas house e electro, Sam Sparro, sem falsa modéstia, toma para si o posto de intérprete oficial de um dos maiores hits do ano, Black and gold. Descartando, portanto, fórmulas vazias e requentadas, o cantor caiu nas graças de produtores renomados como Mark Ronson (Amy Winehouse), do radialista Zane Lowe (Radio 1) e da imprensa especializada que, generosamente, lhe reserva a alcunha de Prince século 21.

– Assim que comecei a escrever a canção sabia que seria algo grande e que representaria muita coisa para mim. Talvez isso soe arrogante, mas meu instinto sempre foi dos melhores. Sou um cara teimoso e obstinado, então normalmente uso minhas armas muito bem – garante.

Carro-chefe de seu álbum de estréia, batizado com seu nome e lançado em abril (sai no Brasil 19 de agosto), a faixa chegou ao topo dos charts oficiais da BBC e impulsionou, também no Brasil, o então fenômeno do Myspace.

Branquelo de traços firmes e ornamentado, invariavelmente, por roupas coloridas oitentistas ou modelitos de corte refinado, Sam Sparro sustenta o ar blasé indie-fashion que o transformou em ícone do universo gay, ao qual assumidamente se insere. Comparado ao escalafobético cantor franco-argelino Mika, ícone do mundinho em 2007, Sam felizmente mais se assemelha, física e musicalmente, ao cantor inglês Jamie Lidell.

– Sempre acreditei que muita coisa iria acontecer na minha vida, mas obviamente passei por um período de incertezas. Quando compus Black and gold, por exemplo, não cheguei a estar deprimido, mas, sim, confuso, pois servia cappuccinos ao invés de cantar sobre palcos. Parecia que minha vida não iria dar em lugar algum – lembra.

Fruto da quinta geração de músicos de sua família, Sam é neto de um trompetista de jazz – que, entre outros, acompanhou Frank Sinatra – enquanto seu pai, o compositor e guitarrista de blues Chris Falson, prestou-lhe o favor de encharcá-lo, desde os 10 anos, na tradição gospel dos corais americanos. Foi em uma dessas reuniões que seu talento vocal de graves arredondados e agudos precisos foi descoberto pela diva soul Chaka Khan, que, surpreendida, disparou: "Damn, that white boy can sing!"

– Sempre estive rodeado de boa música. Fui moldado pelos caminhos do jazz e da soul music, já que em Los Angeles meu pai me levava para as igrejas. Mais tarde fiz a conexão destas linhagens com o hip hop e o dance – conta.

Hype, rádio e web
Produto de uma era em que a velocidade da informação ignora e descarta artistas com a mesma rapidez em que cria mitos de última hora, Sam afirma não se incomodar com a deglutição voraz da geração Web 2.0. e muito menos com todo o hype dispensado à sua meteórica carreira.

– Como artista, penso que é importante para a minha música estar disponível para todos, então é importante que isso seja possível nos dias de hoje.

No entanto, perguntado sobre as perspectivas de um mercado fonográfico cada vez mais esvaziado, ele é taxativo e da ponta de sua língua deixa escorregar uma solução palpável:

– Acho que tanto o Myspace quanto o Youtube e sites do gênero deveriam pagar royalties aos artistas. Isso é mais que justo, já que minha música serve como isca para que as pessoas sejam expostas aos produtos anunciados.

Cria da internet, mas, rapidamente, cooptado e catapultado às principais ondas digitais ou não de rádio, Sam não esconde seu desapego em relação às FMs, onde, mesmo assim, bomba internacionalmente.

– Apenas há poucos meses passei a ouvir rádio novamente – diz o músico. – Sinto-me um tanto quanto desprendido e distante da música considerada comercial. Mas, por curiosidade, fui checar e procurar saber o porquê e junto a quem minha música estava acontecendo e dando as cartas nas rádios.

Perguntado sobre jabá, ele desvia o foco sem fugir do assunto e prefere decretar a irrelevância dos programadores de rádio que, hoje, o põem no topo das paradas.

– Hoje em dia, os verdadeiros fãs de música procuram outras e melhores fontes para conhecer novos artistas e canções – afirma.

Debut

Gravado em Los Angeles entre dezembro de 2007 e janeiro de 2008 pelos produtores Paul Epworth, Richard X e Jess Rogg, seu álbum de estréia é ponto culminante de mais de cinco anos de experimentações e muito material pré-gravado e testado.

– Comecei compondo e pré produzindo no estúdio que tenho em meu quarto. Depois levei o material para o estúdio do Jesse Rogg e aí cerca de quatro ou cinco canções acabaram sendo formatadas em parcerias com alguns dos melhores produtores ingleses. Acabou que no final tivemos que nos arrastar para terminar o álbum. Gostaria de passar muito mais tempo em estúdio para produzir meu próximo álbum. Gosto de trabalhar devagar.

Explorando climas até certo ponto soturnos em meio à sonoridade dançante guiada por camadas de sintetizadores cheios de groove, Sam não perde tempo em definir a atmosfera sonora impressa em seu debute e muito menos em listar possíveis intenções.

– Minha cabeça não funciona como a de um executivo de gravadora. Não é o tipo de coisa que tive que pensar muito antes de começar a fazer ou cantar. Apenas canto da maneira que sinto que a música é para ser interpretada. Apenas fiz o que estava sentido no momento da criação.

Inspirado por artes visuais, o que inclui cinema, design gráfico e moda, ele faz questão, sim, de enumerar os estilistas que determinam seu estilo cool, entre eles fashionistas pop como Jeremy Scott, Ksubi e Henrik Vibskov.

– Amo a conexão que podemos estabelecer entre música e cinema. Acho que, por isso, me envolvo tanto no aspecto visual da minha arte, seja quando eu resolvo me vestir, fazer o design de algo, ou quando contrato alguém para fazer um trabalho. Tive algumas pequenas batalhas para garantir que minhas idéias fossem postas em prática no aspecto visual da coisa, mas ao final do processo tudo se acertou.

Mais interessado em falar sobre design, moda e artes visuais do que sobre os temas e as questões que influenciam sua produção musical, o cantor deixa para os fãs e a crírica especializada a tarefa de lidar e interpretar as circunstâncias do existencialismo pop contido em suas letras.

– Escrevo apenas quando sinto que tenho algo a dizer. Pode ser qualquer coisa, algo que esteja nos comentários da sociedade de forma geral, questões internas que tocam minha alma e essência, até sobre coisas ridículas e triviais, como ficar doidão.

Black and gold:

21st Century life:

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