"Estamos em Chicago e tudo está completamente tomado pela neve. Lá fora o frio é cortante e, por sorte, nosso aquecedor está bombando, assim como Sgt. Pepper's e o álbum branco dos Beatles explodindo pelas caixas de som! O clima está excitante e os espíritos super elevados!"
Se transportadas há exatamente 50 anos, as primeiras linhas do e-mail escrito pelo músico neozelandês Liam Finn, 24 anos, poderiam revelar mais que o estado maravilhado de um jovem artista cruzando as estradas americanas para o lançamento de seu primeiro trabalho solo. Afinal, a excitação dos espíritos e as caixas de som reverberando as experimentações dos 'fab four' pelas estradas compõem e nos conectam ao cenário que serviria, em 1968, às inspirações literárias capturadas por Tom Wolfe para descrever a psicodelia e as experimentações lisérgicas dos personagens eternizados em seu célebre livro, o 'Teste do ácido do refresco elétrico' (1968).
No entanto, estamos em 2008, e as palavras escritas pelo nosso personagem navegam sem fios ou escalas, de Chicago ao Rio, a partir de um laptop. E assim, sentado a bordo de uma van, um dia após sua estréia no talkshow de David Letterman, que Liam nos escreve sobre o lançamento do seu álbum, I`ll be lightning, a turnê pelos Estados Unidos em que dividirá palcos com Eddie Vedder, sobre a pressão de ter sido apontado como um dos nomes da música pop de 2008, por publicações de prestígio, como a Rolling Stone internacional, além do entusiasmo das resenhas publicadas em jornais como o Guardian e o New York Times.
– Fico super entusiasmado em ganhar um pouco de atenção no momento. Estive em bandas por mais de 10 anos e trabalhei muito duro, então é maravilhoso quando algo excitante e maior acontece – diz Liam. – Não sinto muita pressão, talvez porque eu tenha confiança de que as experiências pelas quais passei me prepararam para esse tipo de coisa. Estou satisfeito por levar a minha vida fazendo música, e parece que a cada ano a coisa está ficando mais e mais excitante e divertida.
Menino prodígio do rock, o multi-instrumentista Liam Finn carrega no sobrenome a herança genética que o conecta a música. Filho do líder da banda Crowded House, Neil Finn, Liam desde criança fez do estúdio do pai seu quintal e dos instrumentos musicais seus brinquedos preferidos.
– Acredito que minhas primeiras memórias musicais são provavelmente de assistir ao meu pai no palco tocando para milhares de ardorosos fãs em qualquer canto do mundo – conta. – Hoje, tudo isso se transforma em uma única memória, mas eu me lembro de pensar que esta vida parecia ser realmente muito divertida e todo mundo parecia estar sempre super feliz e eufórico!
Liam se prepara para cruzar de ponta a ponta o solo americano, a partir de agosto, como atração de abertura da turnê do líder do Pearl Jam, Eddie Vedder, que também lança seu primeiro vôo solo, Into the wild, registrado como trilha sonora do filme homônimo, de Sean Penn.
– Sempre fui um grande fã do Pearl Jam e esta oportunidade é inacreditável. Ele é um grande amigo da minha família e sempre deu muito apoio a minha música, então é natural que faríamos alguma coisa juntos algum dia. Ele me telefonou do Hawai perguntando se eu gostaria de excursionar. Falei: "hum, talvez. Vou pensar no seu caso" – brinca Liam. – Estou super excitado com essa turnê, pois tenho pessoas maravilhosas a minha volta e acho que será tudo muito divertido. Amo tocar, então é um sonho que definitivamente se torna real.
Compositor, engenheiro de som e produtor de seu primeiro trabalho, Liam escreveu também os arranjos nada simplórios das 14 canções que compõem o disco, além de ter tocado praticamente todos os instrumentos, o que lhe dá aval para retificar a definição e o significado da expressão "artista solo".
– Acho que este é um álbum solo no sentido mais verdadeiro que essa expressão pode ter. Mas não foi uma decisão consciente, apenas acabou funcionando desta forma, pois eu tinha uma idéia muito clara na cabeça de como eu gostaria que o álbum soasse – explica o músico.
Ostentando uma barba desgrenhada e ruiva cultivada há cerca de dois anos, Liam assemelha-se a uma mistura de homem das cavernas, cientista louco, bicho-grilo e garoto do campo. Apostando em uma estética mais retrô que futurista, ele parte de uma filosofia que prima pela música em seu estado natural, e para a gravação do seus disco descartou a intervenção de computadores e seus milhares de traquitanas digitais.
– Gravar de forma analógica me dá a possibilidade de conseguir tirar sons inatingíveis. Além disso, é um processo de gravação muito mais romântico e todos os meus discos favoritos foram concebidos desta forma. Creio piamente na filosofia do primeiro take e quis justamente recriar uma estética demo – revela Liam. – A maneira como os disco de Neil Young foram feitos me inspiram demais. Ele adora registrar takes ao vivo, não se importa muito com a perfeição, mas, sim, em capturar a essência e a energia do momento. Bandas mais recentes, como Wilco e TV on the Radio também me influenciaram bastante neste disco.
Fiel a tal "filosofia de Neil Young" e inspirado por artistas como Elliot Smith, ele garante não ter se perdido nas mil e uma possibilidades que, sozinho, poderia experimentar em estúdio.
– Não agonizei muito. Na verdade, o processo foi tão rápido que me perdi no momento e esqueci de comer durante dias a fio – recorda Lia. – Assim que sentia que as coisas estavam certas não ficava trabalhando em cima das canções até que ficassem perfeitas. Realmente não tinha outra coisa em mente a não ser capturar os sons que eu ouvia na minha cabeça. E gravar sozinho surgiu do sentimento de que eu poderia tirar ainda mais de mim estando apenas comigo mesmo.
A responsabilidade de estar sozinho ele não deixa de carregar nas costas quando sobe ao palco. Ladeado apenas por uma backing vocal, o one man band tem feito de suas apresentações verdadeiras experiências de ilusionismo sonoro. Usando pedais de efeito, ele cria, samplea e grava, em loop, vocais, linhas de baixo, bateria, riffs e solos de guitarras produzindo uma cascata gradativa de sons onde todas as composições harmônicas que dão colorido às canções do álbum não são descartadas, mas, sim, preservadas e reproduzidas.
– Há alguns anos vi um show de um cara chamado Jon Brion. Ele fazia algo similar ao que estou fazendo. Aquilo me deixou pirado. Acho que por ser um multi-instrumentista pensei: "posso fazer isso!" E, agora, aqui estou conversando com você sobre...
Ao final de suas apresentações, postado sozinho ao palco e longe de qualquer instrumento, o músico brinca com as possibilidades sonoras de um teremin, enquanto que a massa sonora de loops envolve e reproduz o som de uma banda fantasma. Ele conta que as platéias se surpreendem em ver a apresentação solo se transmutar em banda e concerto de rock.
– É tempo de testarmos coisas novas e as pessoas estão doentes e enjoadas dos mesmos velhos cantores e compositores viajando sobre como se sentem tristes. As pessoas estão respondendo de forma fantástica a tudo isso. Acho isso extremamente estimulante, adoro todo o perigo que há nisso. Sempre que subo ao palco apenas com minha guitarra, penso: "Lá vamos nós!"
Inspiradas por um período turbulento de desilusões e tristeza pelo término de sua ex banda, Betchadupa, e de um namoro de longa duração, as letras de Liam são extraídas da fossa. É o fundo do poço que arredonda a beleza de seus versos.
– Meu primeiro ano em Londres foi um período muito sombrio e intenso. Minha banda de oito anos acabou ao mesmo tempo em que terminei um relacionamento de muitos anos com uma namorada. Então acho que extrai muita coisa daquela experiência e pude agregar como inspiração para esse disco. Escrever canções é algo super terapêutico! Experiências ruins geralmente servem como combustível para criatividade. Só espero que mão tenha que me ferrar tanto emocionalmente quando for gravar meu próximo álbum! –
Guiado pelo melhor das melodias ensolaradas dos Beatles e dos Beach Boys, além de música gospel, folk da década de 60 e, por que não, Nirvana, as canções de Liam, assim como suas letras, são doces, emocionais e atmosféricas. Verdadeiro alquimista da música pop contemporânea, ele não deixa de revelar, porém, um amor incondicional a forma como a música era produzida e veiculada na década de 60. Perguntado sobre como se sente um artista surgido em uma época onde a velocidade das informações e das transformações do mercado da música acelera além da capacidade de absorção dos ouvidos humanos, Liam conduz sua resposta em frases sustentadas por resquícios de um saudosismo não experimentado.
– É claro que há uma porção de coisas que não são tão legais como nos anos 60, por exemplo. Parece que a maioria das bandas que ganharam destaque e projeção naquele período eram realmente maravilhosas e tinham força para sustentar todo aquele sucesso. Mas agora com uma quantidade enorme de informação livre, dinheiro gasto em música comercial e tantas opções, acabamos subjugados a um monte de lixo – dispara.
Apesar da afirmação, ele mostra que a nostalgia fica apenas por conta do lirismo de suas lembranças. Na prática, o músico abraça o presente e não deixa de ver com bons olhos o alcance que apenas alguns cliques em seu Myspace podem garantir à sua música.
– É maravilhoso que pessoas do mundo todo possam ouvir a minha música, mesmo que eu não tenha lançamentos nestes países. Além disso, é importante porque descobrimos música através de um novo tipo de boca-a-boca e não apenas pelo que o pessoal de marketing e as gravadoras tentam nos enfiar, a base de muito dinheiro, pela nossa garganta, ou ouvidos.
Better to be:
Second chance:
Gather to the chapel:
NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS
domingo, 20 de julho de 2008
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2 comentários:
Taí gostei do Liam. "Second chance" é bem legal. "Gather to the chapel" também. Aliás, o clipe também é muito bom.
Fala, Marcelo
O cara é super talentoso. Melodias muito bonitas, realmente.
Abs!
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