O título da nova obra-prima de Al Green, Lay it down (Blue Note), é a sentença para que o ouvinte se desapegue de sua massacrante rotina burocrática e respire um pouco de alma cantada, pelo menos por 45 minutos. Lançado dia 27 de maio, Lay it Down traz o reverendo, aos 62 anos, de volta ao top ten da Billboard – principal parada da música americana –, feito conquistado pela última vez há 35 anos, com o clássico Call me. Concebido como um álbum de colaborações entre a lenda do soul e um punhado de novos e talentosos admiradores, do universo do R&B e do hip-hop, o álbum serve como registro de uma série de inspiradas jam sessions, que extraíram o sumo da musicalidade funk e romântica de Al Green. É old-school, seja no que de melhor o termo representa: conexão espiritual entre músicos.
– Estou de volta às minhas raízes, ao soul, ao R&B e às canções de amor, feitas para as famílias, para bons momentos. Trago de volta a minha essência, a música, como um retorno ao local onde toda essa história começou. Mostrei o CD a um amigo que disse: estamos ouvindo o Al Green original, a única diferença é que estamos em 2008 – conta Green.
Produzido por dois dos mais inovadores músicos do hip-hop americano, Ahmir "?uestlove" Thompson, baterista do incendiário combo The Roots, e James Poyser, tecladista e produtor de Common e Erykah Badu, Lay it down, conta ainda com parcerias e colaborações musicais tecidas com o dream team do neo-soul, uma excelente nova safra de compositores e cantores negros, entre eles, John Legend, Anthony Hamilton e Corine Bailey Rae; além de instrumentistas, como a linha de metais da banda The Dap Kings (Sharon Jones e Amy Winehouse), o guitarrista Chalmers "Spanky" Alford (Joss Stone) e o baixista Adam Blackstone (Jill Scott).
– A idéia surgiu a partir de uma brincadeira com meu empresário, mas a razão pela qual estamos gravando este disco é porque idolatramos Al Green – declara o baterista do The Roots. – Mesmo hoje em dia ninguém tem a potência e o alcance de sua voz. A música de Al Green faz parte da minha vida e tenho familiaridade com todos os seus discos. É impressionante notar que habitam em apenas um corpo cerca de cinco diferentes facetas. O uivo gospel, seus falsetes, o soul, a igreja e o lado cômico. Este último pouca gente conhece.
Apesar das reverências, Green faz questão de afirmar que o encontro entre gerações partiu de sua curiosidade. Sua intenção era se aproximar de novos artistas, especialmente da comunidade hip-hop, para que juntos pudessem criar um terreno fértil para Green espalhar a mensagem característica de suas obras musicais e pregações na Full Gospel Tabernacle, em Memphis, Tennessee: o amor.
– O que aconteceu foi que descobrimos que ?uestlove queria trabalhar comigo e eu queria trabalhar com o pessoal do The Roots e da nova geração do rap e do R&B. As coisas simplesmente se encaixaram, aconteceram e as pessoas certas se encontraram – afirma Green.
Apesar de não irem muito longe das fundações construídas por Green e Willie Mitchell em álbuns como Call Me, I'm Still In Love With You, Let's Stay Together, os produtores ?uestlove e Poyser sabiam muito bem aonde queriam chegar e como imprimir frescor à nova obra do soulman.
– Adoramos todos os seus clássicos, mas gostaríamos de tocar aquilo que imaginamos ouvir como o Al Green em 2008. Queríamos manter toda sua aura, mas precisávamos de liberdade para que pudéssemos expandir nossas asas e nos expressar livremente. Queríamos que o álbum soasse extremamente orgânico, por isso descartamos sintetizadores e optamos pelos instrumentos tocados ao vivo – conta Poyser.
Green se mostra satisfeito com a escolha:
– Todo o pessoal do The Roots, assim com os demais músicos foram incríveis. Eu pude relaxar porque sabia que eram pessoas capazes. Todo mundo chegava ao estúdio com novas idéias, todo mundo ajudava e seguia na mesma sintonia – lembra Green.
Acertados os ponteiros da parceria, Green prontamente se lançou ao universo musical do The Roots e sua trupe, em ensaios e jam sessions realizados em Nova York, em 2006. A experiência serviu como oportunidade para que os jovens colaboradores mergulhassem de cabeça na musicalidade de Al Green.
– As sessões foram como verdadeiras aulas de como criar e tornar relevante, hoje em dia, o seu som. O fato é que você precisa fazer o dever de casa. Estudei atentamente todos os álbuns de sua carreira, toda a parte de produção e engenharia de áudio para que pudesse entender os caminhos de sua música e, além disso, trabalhar para fazermos algo à nossa maneira, deixarmos a nossa marca – disse ?uestlove.
Green lembra bem do primeiro encontro em estúdio, quando ?uestlove e Poyser agendaram algumas horas no Electric Lady Studio em Manhattan, no Greenwich Village.
– Aquilo foi um ensaio. Começamos a esboçar cerca de oito músicas e realmente começamos a pensar o projeto. Ficávamos testando canções e as mudando de um lado para o outro, então não houve maneira de escrevê-las sozinho. Rascunhava os versos de uma, a ponte de outra e todo mundo contribuía ao mesmo tempo. É isso que faz o trabalho ficar bom. Não havia espaço para egocentrismo, todos nós sonhamos em conjunto – disse Green
O dia em questão serviu de base para praticamente completar as 11 canções que compõem o disco. As gravações levaram cerca de dois anos para que Green pudesse escolher com quais músicos trabalharia. Ele conta que os ensaios eram réplicas do sentimento do primeiro encontro, com os músicos transbordando inspiração, pegando em canetas para rascunhar letras, criar linhas melódicas e testar riffs. O próprio Green fez de suas linhas vocais as bases para o acompanhamento de cordas e metais em muitas das canções.
– Esta é a única maneira que sei trabalhar, é assim que fiz ao longo de toda a minha vida. Basta apenas escrever as canções a partir de dentro, do coração – explica Green. – É o que fazemos todos os domingos. Não escrevemos um sermão do nada. Se você não pode pregar a partir do seu coração, certamente você não terá nada a dizer. Tudo vem do coração, esse álbum inteiro, do início ao fim.
Participações especiais
Honrado em participar do álbum, John Legend, não deixa de rasgar elogios ao mestre e à maneira como o álbum foi criado. Convidado a cantar uma canção escrita pela banda ao longo dos ensaios, ao ouvir, Stay with me (by the sea), canção que Green vinha trabalhando com Corine, Legend tirou proveito do espírito de equipe do grupo para pedir a posse de bola
– Ele continua sendo uma das partes mais importantes da história da música negra. É uma honra, sempre amei e mantive enorme respeito por sua carreira. Al é um cantor realmente mágico – derrete-se Legend. – Imediatamente percebi que aquela canção era para mim.
Green faz coro:
– Legend e eu cantamos a canção enquanto Corine fez os backing vocals. Estamos todos incluídos. É uma canção pessoal, sobre a minha vida, mas todo mundo pôde sentir o que eu queria dizer – recorda.
A participação e o empenho da cantora inglesa também impressionou Green. Recém chegada à Nova York, Corine não perdeu tempo e foi direto ao estúdio para se encontrar com os músicos.
– Ela é uma coisinha pequena com uma guitarra enorme nas mãos. Bastou ela começar a tocar e cantar que todos os músicos sentaram, pegaram seus instrumentos e as músicas começaram a surgir. Ela escreveu um verso, escrevi uma segunda parte e juntos terminamos a ponte – lembra Green, que insistiu para que a voz da moça iniciasse a música na gravação final da faixa.
Olhando para trás, Al Green se diz orgulhoso das escolhas que fez e dos artistas que reuniu para compor seu mais novo clássico.
– Vejo que não poderia chamar nenhum outro músico além destes que trabalharam comigo. John, Corine e Anthony cantaram o que estava escrito em seus corações. Quando alguém age assim, posso ter certeza de que darei, também, o melhor de mim – afirma Green.
Lay it down é um testemunho de problemas pessoais, mas o que Green oferece não é um seminário mambembe de auto-ajuda ou um culto espiritual de descarrego. Sua intenção é mostrar que boa música é o bastante para superar seus obstáculos.
– Não falo apenas de coisas boas. Tenho minhas aflições e provações. Experimento sentimentos que nos fazem sofrer, mas me recuso a aceitá-los. O que precisamos é de amor – sentencia.
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