NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Autor de "Sonho de outono", Jon Fosse renega rótulo de difícil

Nascido em Haugesund, na Noruega, o dramaturgo Jon Fosse, 50 anos, é avesso a entrevistas. Classificado como o maior autor norueguês desde Ibsen (1828-1906), curiosamente há pouco mais de uma década ele se dedica ao teatro, tendo seus textos traduzidos em 40 línguas e montados por nomes como Jacques Lassale e Thomas Ostermeier. Em Sonho de outono (1999), texto que ganha versão dirigida por Emílio de Mello a partir desta sexta-feira, no Centro Cultural Correios, o autor investiga a dificuldade de relacionamento entre um homem, seus pais e duas mulheres, a partir de situações vividas num cemitério. Com diálogos simples e enigmáticos, ditos no limite entre o realismo e o absurdo, ele revela ao Jornal do Brasil, os temas de sua predileção: “Os antigos, como o amor, a morte e o oceano”.

Em 2007, foi montada no Brasil a uma versão de 'Um dia, no verão'. À época, uma das atrizes disse que foi difícil encontrar o tom porque o senhor oferece poucas informações sobre os personagens. Eles não têm nome, idade, local de origem... Considera suas peças difíceis?

- Não. A peça é tão simples quanto difícil, assim como é a vida. Mas a atriz está certa, em dada medida. Eu não escrevo personagens de um jeito convencional. As pessoas da minha peça se tornam personagens quando os atores entram em cena. Meus textos retratam as dimensões emocionais entre as pessoas.

Como lida com as adaptações para os seus textos? Você chegou a participar da montagem de 'Sonho de outono'?
- Eu prefiro apenas fazer o meu trabalho, que é escrever, e deixar que os outros se encarreguem da porção teatral. E assim como preciso decidir todas as questões dos meus textos, deixo que os diretores decidam o que pertence à teatralidade. Por outro lado, há tantas produções das minhas peças que, mesmo se eu quisesse controlá-las, seria impossível. Eu prefiro não cooperar com os diretores.

Os dois textos foram lançados em 1999. Até que ponto eles lidam com o mesmo assunto?

- Os dois textos são sobre o amor, sobre se apaixonar e perder o amor. As duas falam sobre a solidão. Mas enquanto Um dia... também versa sobre amizade, Sonho... aborda as relações familiares, principalmente entre uma mãe e um filho.

Em 'Sonho...' temos um homem com dificuldades de se relacionar. É uma reflexão sobre falta de comunicação ou de integração entre as pessoas?

- Eu nunca explico os meus escritos. O que eu tenho a dizer está nas montagens.

Qual o propósito por trás da escolha de um cemitério como pano de fundo? Aprender a lidar com a morte como um segredo para a vida?

- Ao menos, é isso que podemos aprender com a literatura e com o teatro: aprender a morrer. Quanto ao cemitério, pareceu adequado à história. Mas é claro que não é obrigatório levá-lo ao palco.

O que lhe motivou a traçar essa história?

- Sou um escritor. Eu escrevo. É o meu estilo de vida. Sempre tento escrever da forma mais verdadeira e bela possível. E a cada novo trabalho um universo diferente é criado.

Ibsen é considerado o mais importante dramaturgo norueguês. E é seu mais famoso e associado predecessor. Como o avalia?

- Ibsen é um gênio. Nenhum outro escritor jamais descreveu as forças destrutivas da vida da forma como ele as destrinchou.

Até que ponto Ibsen lhe serviu de influência?

- Como um norueguês interessado em literatura, é claro que eu conheço seus textos muito bem. Mas é difícil de dizer. Ele não é exatamente uma influência tão direta, é algo mais geral. Também porque ele pertence à restrita seara dos maiores dramaturgos do mundo.

É um carma pesado esse tipo de comparação?

- Não. Mas geralmente soa injusto tanto para ele quanto para mim.

Você chegou ao teatro bem tarde. Havia certa relutância em escrever peças?

- Eu me interessava por literatura, não teatro. Depois eu notei que o que eu estava procurando na minha literatura, e na minha escrita, estava presente numa grande peça.

Você estreou nos palcos com 'E nunca nos separarão', em 1994. Com mais de uma década no teatro, como analisa a evolução do seu trabalho?

- É difícil julgar meu próprio impacto. Mas eu tenho produzido muito. E meus textos são traduzidos para mais de 40 línguas.

Você atravessou praticamente todos os gêneros literários. Há fascínio especial por algum?

- Sou mais famoso como dramaturgo. Mas, basicamente, sou um poeta em tudo o que escrevo, seja um poema, uma peça ou um romance. A melhor definição é dada por Lorca: uma peça é um poema posto de pé.

Até que ponto Jon Fosse está inserido em seus textos?

- Até certo ponto. Mas para mim, escrever é ouvir, e eu não sou um autor autobiográfico. Eu nunca uso minhas experiências pessoais diretas nos meus escritos. Se fizesse isso, escreveria mal. Escrevo sobre as estruturas emocionais da vida.

Como tenta conciliar ritmo da linguagem às dimensões poéticas, metafóricas e visuais?

- É uma espécie de escuta, como disse. Não tento fazer nada, porque se você tenta não consegue alcançar. Apenas temos que fazer.

Como vê a literatura norueguesa contemporânea? Que autores destacaria? E por quê?

- Temos muitos bons escritores e muitos ruins. Nos últimos anos a literatura policial tomou o lugar antes ocupado pela literatura séria. É uma pena. Dag Solstad é o nosso melhor romancista contemporâneo. Assim como Olav H. Hauge é o nosso melhor poeta, mas que já morreu há uns 10 anos.

Certa vez, você escreveu: “Mas quem sou eu, então? Quem supostamente seria Jon Fosse?” Questão perturbadora para qualquer um e que, talvez, tem relação com a seminal questão de Shakespeare: “Ser ou não ser, eis a questão”. Como se relaciona com Shakespeare?

- É um gigante, talvez grande demais para mim. Eu me sinto próximo de Racine. A forma em Shakespeare é um aberta, enquanto em Racine é mais estrita e fechada. Sou um escritor do tipo de Racine.

Poderia detalhar como outras formas de arte influenciam o seu processo criativo? Parece que a música é elemento primordial na sua vida...

- Quando mais novo, eu era músico. Mas há muitos anos eu parei de tocar. Ainda sinto a minha escrita mais próxima do tocar que do ato de falar ou do escrever jornalístico ou acadêmico. Também amo pintura, e a minha escrita também se assemelha a retratos. Se você, como artista, muda alguma coisa aqui e ali, é preciso alterar as coisas em muitos outros lugares. Tudo está conectado numa precisão louca. É assim a grande arte. É assim a grande dramaturgia.

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