Com roupagem musical que navega entre o folk e a psicodelia das décadas de 60 e 70, o segundo disco de Marcelo Frota, vulgo MOMO, "Buscador", soa como uma viagem, apesar de melancólica, até certo ponto ensolarada por seus tortuosos mas frutíferos conflitos e questionamentos. Uma lavagem de roupa suja interna que ressoa entre a atmosfera zen/rural e o descarrego visceral/urbano. Por meio de sussuros e berros atormentados, o músico extirpa sua tristeza e dela faz brotar versos simples e melodias cruas mas tocantes.
"Buscador" dá continuidade aos tons invernais de "A Estética do Rabisco", CD de estréia de MOMO – ex-integrante do Fino Coletivo. Gravado da mesma forma, em poucos e intensos dias no seu estúdio caseiro Umbilical, localizado no Jardim Botânico, os músicos convidados chegavam sem conhecer ou ensaiar o que iriam gravar e tinham direito a um só take.
Lançado tanto em formato SMD como em digital, numa parceria com a Trama Virtual, as 10 faixas do álbum estarão disponíveis para download gratuito até dia 31 de setembro nos sites www.listentomomo.com e www.tramavirtual.uol.com.br e depois serão comercializadas on line pela Dubas Música.
Em entrevista ao Radar Pop, o músico fala sobre o novo álbum, o segundo volume do que poderia ser chamado de trilogia em carne viva – um terceiro trabalho com o tema ainda está por vir – comenta suas influências musicais, dá seus pitacos sobre os novos rumos para o mercado da música e destaca as diferenças entre as possibilidades profissionais oferecidas pelas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
RP: Por que "Buscador"? O que esse novo disco busca ou traz entre novidades e diferenças em relação ao "A Estética do rabisco", lançado em 2007?
– O álbum anterior carregava muita tristeza, mas um sentimento mais acomodado. Em nenhuma das canções do "A estética do rabisco" eu luto para reagir. Em "Buscador" apresento um novo momento da minha vida. É reflexo de uma busca espiritual e de paz interna. Uso muitas metáforas e as referências ao nascer do sol justificam isso, pois é um movimento que busca não se acomodar na tristeza.
RP: "Buscador" também traz a palavra dor para perto. O álbum soa melancólico, talvez comntemplativo, mas não tem clima de fossa e não me parece escapista. Quais são os temas que te inspiram ou que norteiam teu universo criativo, seja em melodias ou em letras?
– Soar melancólico faz parte do meu gosto musical, que sempre pendeu para esse lado. Não gosto muito de música cheia de groove ou com levadas muito funkeadas. Sempre gostei mais de baladas e cresci escutando muito country e folk americanos. Era fã de Willie Nelson, amava escutar Charles Aznavour sozinho no meu quarto e sempre adorei os The Carpenters, fruto do gosto familiar difundido, no caso, pelo meu pai que ouvia muito esse tipo de canção. No início da minha formação musical não escutei muita coisa dessa MPB que as pessoas normalmente rotulam. Fui prestar atenção neste tipo de música já mais velho. Aí sim, ouvi muita coisa do Gilberto Gil, todos os discos do Caetano Veloso, Chico Buarque e outros tantos. Coisas que, hoje, eu deixei de ouvir para me agarrar em outras referências, como Clube da Esquina, Belchior, Geraldo Azevedo e Fagner. Gosto muito daquela sonoridade e das texturas captadas entre as décadas de 60 e 70. São discos bastante ousados e que me inspiram demais.
LP: A necessidade de extravasar essas canções fora do Fino Coletivo se dá por quê?
– Queria mais tempo para dedicar à minha carreira solo. A agenda do grupo é bastante agitada e não consegui divulgar o primeiro álbum da maneira que gostaria. Em relação à sonoridade, o Fino Coletivo nasceu com uma pegada de mais groove. Agora estou mais focado e não devo me atropelar.
LP: Compor na alegria ou na tristeza, o que rende mais?
– Não me considero um compositor profissional. Faço minhas canções sem tanta freqüência e ao longo de um ano produzo cerca de 10 canções que, geralmente, formam um álbum. Além disso, não reviso muito os textos ou versos impressos em cada letra. Meu trabalho é meio que um vômito, um escarro das emoções que sinto ou das situações que vivencio. É um processo muito pouco racional, e, por isso, essa músicas não constituem histórias com início, meio e fim. São desabafos e lamentos de uma melancolia que eu não sei exatamente da onde vem. Mas creio que são canções bonitas e sentimentais. Gosto de coisas mais lentas, melodiosas e, até certo ponto, românticas.
LP: Suas melodias são ao mesmo tempo ensolaradas e nubladas, parecem feitas durante manhãs em alguma casa de campo bastante afastada do agito das grandes cidades. Afinal, onde foram feitas estas canções, como foi o processo criativo desse disco, desde composição até chegarmos aos arranjos, sonoridade, gravação?
– Assim como no álbum anterior, gravei "Buscador" na sala de casa, ou melhor, no meu estúdio caseiro que fica no Jardim Botânico. Apesar desse clima, sou um cara urbano. Acredito, portanto, que essas referências ao nascer do sol e das nuvens negras que se dissipam são metáforas que traduzem uma possibilidade de virada. A natureza assume lugar como metáfora ou elemento figurativo. Estou no Rio desde 1990, cresci nesse ambiente agitado. Não sou um cara recolhido ou um heremita deslocado, mas no sentido poético eu cabo não tendo uma ligação forte com o urbano.
LP: Do que se trata a tal trilogia em carne viva?
– Carne viva tem a ver com o sentido de muita exposição. "Buscador" é um álbum muito auto-referente. Essa expressão surgiu a partir da idéia de não tampar muito as feridas. Apesar das tais metáforas usdas ao longo do álbum, as músicas são bastante diretas. São como fraturas expostas, uma prposta bem crua onde os sentimentos são pouco camuflados. Minhas letras soam menos elaboradas e tem a ver com um desabafo que se aproxima da Jovem Guarda. São versos simples, mas, não, simplistas.
LP: O seu disco parte de referências internacionais que vão do folk a psicodelia em certos temas mais viajantes, mas também revela-se um apanhado de referências brasileiras, como Clube da Esquina entre outros. Se detalhar referências é complicado, pergunto a que sonoridade "Buscador" te remete?
– Ouço muitas bandas americanas que apostam nessa sonoridade mais contemplativa e ao mesmo tempo ensolarada, como os americanos do Fleet Foxes, de Seattle, o duo Beach House, assim como o Grizzly Bear. São artistas que têm me inspirado. São universos interessantes e inusitados aos dias de hoje, pois remetem a algo medieval e os sons parecem terem sido extraídos do meio de uma floresta. É uma delícia. Recentemente, um amigo que estava pelos EUA entregou o meu álbum para a banda, mas não mantive contato.
LP: Como e por que escolheu esses formatos para o lançamento de "Buscador"?
– O álbum anterior foi lançado pela Dubas. Desta vez, eu não queria estar vinculado a um selo. Preciso ter mais discos a mão para vendê-los em shows, divulgar e etc. O problema dos artistas independentes sempre foi a questão da distribuição, mas com a Internet você chega em tudo o que é lugar. É esse o meu caminho. A Internet, hoje, representa o meu universo musical.
LP: Mas em relação às vendas, como é que fica?
– No último sábado vendi cerca de 100 discos em um único show. O valor do SMD é tabelado a R$ 5 e não sei se o meu disco vale mais ou menos que esse valor. Mas essa resposta é muito mais direta e gostosa. Além disso, queria lançá-lo na Internet e observar a resposta desse público. A maioria das pessoas que conheço não comprou o meu disco anterior, mas, sim, baixou, copiou e encontrou outras formas de ter acesso ao meu trabalho. Por isso, comecei a pensar que que o meu público é basicamente de Internet. Acho que são essas pessoas que ouvem o meu som, o pessoal que curte Myspace, blogs, Youtube e Internet de uma forma geral. Acho que assim ficou mais fácil atingir essas pessoas e, agora, posso acompanhara mais de perto quantas cópias são vendidas do meu SMD, assim como o número de downloadas registrados no meu site. Não acredito mais no CD como suporte físico de música. Não compro CDs há anos e não sinto a mínima falta daquele ritual de abrir o CD e observar a arte gráfica. Não vou a lojas há anos.
LP: Ser ouvido na web se torna cada vez mais fácil. Além disso, sites como Myspace e Youtube, entre outros, se transformam em ótimos e acessíveis meios de comunicação com fãs. Mas ser ouvido nas rádios e ser ouvido em shows também acompanham esta tendência?
– Essa é uma outra questão, realmente. Mas não corri atrás de nenhuma rádio e nem devo fazer isso, apesar de ter canções com apelo pop, com melodia e refrão bem definidos. Mas nunca dei muita atenção para esse sistema de jabá. Em relação aos shows, acredito que o boca-a-boca faz a história crescer e ganhar corpo. Encaro esse trabalho como um desafio a isso tudo. O meu show é reflexo dessa postura, pois é composto por uma série de baladas, bem lentas. É uma proposta de interação diferente do que as pessoas, principalmente no Rio de Janeiro estão acostumadas a curtir ou procurar. Agora, tudo aqui é evento, festa. Fiz show em um teatro em São Paulo e foi uma maravilha. Não tinha garçom, gente querendo pular, esses tipos de coisa.
LP: Iniciar e construir uma carreira artística sólida no Rio é quantas vezes mais difícil que em São Paulo?
– Realmente tenho muito mais resposta do público paulista. Seja em shows, comentários no Myspace, e-mails. Em relação ao profisional, as possibilidades são muito maiores, a vida cultural é mais agitada e a cidade é mais cosmopolita. A Zona Sul do Rio resguarda ares de província, mas traz com isso uma série de aspectos negativos. O carioca acha que está fazendo um enorme favor indo a um show seu. É um mundinho onde as coisas são restritas e você esbarra sempre com as mesmas pessoas. Moro no Rio pois foi aqui que me criei.
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