NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

sexta-feira, 9 de maio de 2008

sÁnormal


Entre o lançamento de seu disco de estréia, "Anormal" (Som Livre Apresenta), lançado em janeiro, e este começo de outono muitas idéias passaram a pulular no imaginário colorido e pop de Jonas Sá. Aos 28 anos, ele se prepara para recuperar a carreira do pai, o músico Rô Tapajós; se atulha no estúdio para gravações com o poeta Mariano Marovatto; compila suas músicas em inglês para futuro lançamento e ainda arruma tempo para dirigir os videoclipes de seu trabalho.

Tachado de novo menino do Rio, Jonas chamou a atenção desde que Caetano Veloso decidiu roubar boa parte de sua banda para a gravação e turnê de "Cê", disco de pegada e levada mais roqueira, produzido por seu irmão Pedro Sá e que teve participação do próprio na faixa "Herói". Instigado pelo trabalho em família, está debruçado na obra do pai, cria do tropicalismo e que nos idos de 60/70 formava o duo Rô e Carlinhos. Desiludido com o mercado fonográfico, Rô largou a carreira, mas não a música, e agora, pelas mãos do filho, grava suas novas composições no estúdio que Jonas pilota no Leblon.
A relação com a indústria da música também faz Jonas coçar a cabeça. Em tempos de milhares de perfis musicais no myspace e novas bandas surgindo a cada dia, o cantor segue tateando a melhor forma de tratar do mutante e desorientado mercado fonográfico atual. A fim de tomar proveito de todas as possibilidades virtuais (ou não) que o mundo da música aponta, Jonas trabalha para compilar suas muitas e originais composições em inglês. Anuncia três CDs prontos à espera de uma plataforma que valha a pena.

* Abaixo, entrevista na íntegra que resultou em matéria publicada no B do último domingo.

LFR: Você começou a gravar "Anormal" em 2002. Por que seis anos para lançá-lo?

JS: Já vinha gravando composições minhas desde os 16 anos. Fazia poucos shows, mas a produção em estúdio se tornou cada vez mais intensa. Todo mundo que gravou o disco é meu amigo de infância, que conheço desde os 14 anos. O Moreno Veloso é amigo do meu irmão (guitarrista Pedro Sá, produtor do álbum "Cê", de Caetano Veloso). Foi o primeiro cara a gravar algumas canções minhas. O Bartolo é meu amigo e estava sempre comigo no estúdio, então foi algo natural. Juntei essa galera que nunca parou de tocar junto em várias bandas e passamos a ensaiar, junto com o Ricardo Dias Gomes (baixo) e o Marcelo Callado (bateria). Aí comecei a pensar em um disco. Nesta época rolou uma sociedade e o pessoal montou um estúdio no Leblon, o King Dub, e gravamos uma porção de gente, inclusive umas canções com o Jorge Mautner. Foi durante esse processo que aprendi realmente a gravar e a tirar som do estúdio. Levei esses anos para conseguir tirar os sons que imaginava. Aprendi a fazer arranjos de cordas e metais durante esse tempo, lidar com essa coisa de produção e gravação. Gravamos num computador jurássico, um G3 166 que dava pau toda hora. Perdi duas vezes o disco, mas consegui recuperar.

LFR: Como fazer para que algo registrado em diferentes épocas da tua vida não se transformasse em uma salada musical desconexa? Seu álbum tem uma série de diferentes distintos arranjos e instrumentos, mas soa coeso.

JS: Produzimos 22 faixas, mas em todas elas basicamente são as mesmas pessoas tocando. Sabia desde o início o que eu queria para o Anormal. O conceito do álbum estava traçado, em termos de sonoridade e temas.

LFR: E o que você queria atingir? Como "Anormal" deveria soar?

JS: Conheço de longa data as pessoas que estão me acompanhando no disco. Além disso, não queria nada de midi, plugins ou ferramentas digitais. Ao longo desses anos fui tendo acesso a muitos sintetizadores vintages, distintos e maravilhosos. Curto mais o som analógico, mas ao mesmo tempo queria que soasse moderno. Queria muitos metais e menos cordas. Mas como produzi um show de cordas durante o percurso uma coisa foi levando à outra. Eu e Ricardo Dias Gomes (baixo) aprendemos a fazer arranjos para cordas e metais enquanto fazíamos o disco. Levei esta experiência de palco, com cordas, para o estúdio. Minha intenção era montar harmonias e temas antagônicos. Intercalar uma série de instrumentos e suas intervenções pontuando-as com momentos de silêncio, espaciais. Misturei instrumentos acústicos, eletroacústicos e elétricos.

LFR: Mas em relação aos teus temas, como letrista e compositor. "Anormal" fala sobre o quê?

JS: Tudo parte de uma temática principal. São as relações antagônicas que temos com nós mesmos e tentei explicitar isto musicalmente, através dos arranjos, como também nas letras. É daí, também, que parte minha ligação com o cinema.

LFR: O que esta relação traz para tua musicalidade? Você gostaria de trabalhar com cinema, certo?

JS: Passei minha vida toda fazendo música pensando na maneira como faria cinema. Queria algo com apelo visual. Utilizo muitas metáforas visuais para chegar onde eu quero, ou seja, falar sobre os diferentes tipos de pessoas, sobre nossos vários e antagônicos "eus" e a forma como acabamos lidando com o mundo.

LFR: Como é teu processo de composição? O Bartolo era teu companheiro full time em estúdio, assim como o Moreno, mas a maioria das composições são exclusivamente de sua autoria.

JS: No disco existem duas parcerias com o Mariano Marovatto, que é poeta. Fizemos juntos as canções “Apenas um” e “Tenha um bom dia”. Mas componho muito sozinho.

LFR: Quem te inspira?

JS: Sou muito ligado nas obras do Serge Gainsbourg. É um artista que sempre trabalhou muito com conceitos e temas muito específicos. Cada álbum foi gravado de modo muito peculiar. Assim como o experimentalismo dos discos do Beck.

LFR: Em relação às comparações com o Lulu Santos... Como lida com isso?

JS: Acho natural ser comparado a ele. Mas isso para mim é curioso, pois só percebi depois que uma amiga falou. Ela disse que em determinadas passagens de “Anormal” e “Sayonara” nossos timbres se pareciam. É verdade. O engraçado é que a única faixa que compus e suguei do Lulu ninguém percebe. “Versus” é a música mais Lulu Santos, mas passa despercebida, apesar de os arranjos evocarem sua música. A parte de guitarra é uma citação de “Aquilo”. Adoro o Lulu Santos, mas ele não é uma referência direta, assim como os filmes de Almodóvar o são, ele busca nas cores o que eu busco na música. Filmes de Fellini e as trilhas sonoras de John Williams. Enfim, fica um papo meio cult isso...

LFR: Mas se são referências, qual o problema? Enfim, no seu myspace está cravado Rock / Pop / Folk...

JS: São fragmentos de todas essas coisas que me alimentam, mas não me determinam. Ouço muita música folk dos anos 30, mas não sou um cara ROCK, no sentido de ser ROCK! Rs

LFR: Suas canções, independentemente de rótulos soam como perfeitos hits FM...

JS: Isso também foi surpresa para mim. Essa pegada FM. Os editores das minhas músicas falavam que minhas canções não tocariam nas rádios. Achavam que eram muito barulhentas.

LFR: E estão tocando nas rádios?

JS: Está tocando. O Nelson Mota colocou "Anormal" no programa dele, o Sintonia Fina. Foi super carinhoso com o meu trabalho.

LFR: Como estão as vendas de "Anormal"? Como você lida com as mudanças que o mercado atravessa?

JS: Vejo o mercado como uma cara que descobriu que era gay aos 40 anos. Um garanhão que passou a vida a caça de mulheres, mas que até agora não conseguiu sair do armário e ser totalmente feliz ou livre para se aproximar de homens. Da mesma forma, ele está super animado pela quantidade de coisas que terá para experimentar e descobrir. Desde que pintou o Napster e com o aumento da pirataria todo mundo está confuso, batendo cabeça. O mercado foi perdendo espaço por uma cilada armada por si. Afinal quem desenvolveu a mídia e os gravadores de CDs e DVDs são os mesmos conglomerados que comandam as gravadoras. Por outro lado, nunca se consumiu e se produziu tanta música, no sentido de acesso à música isto é ótimo para as pessoas e para os artistas que conseguem encontrar com mais facilidade e precisão o seu público. Acho que há uma queda de braço entre muitas bandas que soam parecidas e o gosto ou discernimento musical das pessoas que começa a ficar mais complexo e apurado. As pessoas passaram a buscar o som que tem mais a ver com elas. Não é como antigamente. Você tinha os Beatles e os Rolling Stones, apesar de serem o que são. No entanto, a grana do mercado ainda não entendeu isso e procura às escuras o próximo Los Hermanos. Ninguém vai encontrar o próximo e quem quiser imitar nunca o será. Substitui o espaço aquele que não imitar, este será original o bastante para ser o novo hermano.

LFR: Além da divulgação de “Anormal”, o que mais você planeja para este ano?

JS: Tenho trabalhado no disco de estréia do Mariano Marovatto. Estamos ainda estudando como lançá-lo. Agora, começo a retomar a carreira artística do meu pai, Ro Tapajós, que nos anos 60 e 70 formava a dupla Ro e Carlinhos. Ele havia perdido o tesão. E durante todos esses anos passou compondo e tocando em casa. Abandonou a carreira artística, mas a música esteve sempre ao seu lado. Por isso, quero registrar, não posso deixar passar batido. Já começamos a gravar as bases.

LFR: E o cinema, os filmes... sente falta?

JS: Quero me reaproximar dos filmes e do cinema. Estou dirigindo o clipe de "Anormal" e visualmente tem muito a ver com a capa do disco. Milhares de cabos coloridos e apertados me enlaçando com força. É o que o disco apresenta, são muitos instrumentos, texturas, temperaturas e cores para apenas um cara cantando.

LFR: É verdade. E como foi para que o álbum soasse tão limpo e claro?

JS: O Arnaldo Antunes escreveu sobre isso para o release e é verdade. Afirmo isso com orgulho. Apesar dos muitos instrumentos a minha voz pode ser ouvida graças ao trabalho do Daniel Carvalho. A mixagem dele é excelente.

LFR: Você fez uma participação especial em "Cê". Como rolou o convite e como é o seu relacionamento com o Caetano Veloso?

JS: Tanto o meu trabalho quanto a participação no álbum de Caetano são resultado de um contexto familiar. Meu irmão é amigo de infância do Moreno e desde os 14 anos tocamos juntos, foi ele quem gravou minhas primeiras canções. Fiquei mais próximo do Caetano nos últimos anos. Quando o meu irmão foi produzir "Cê" chamou a minha cozinha, o Ricardo no baixo e o Marcelo Callado para a bateria. O disco tem a ver com o meu som. Caetano é uma influência muito forte na minha vida musical, existem muitas semelhanças entre a gente. Eu estava sempre no estúdio AR acompanhando as gravações. Um dia o Marcelo levou um EP meu, cantado em inglês, que era muito engraçado. O pessoal ficou se divertindo. Aí durante um ensaio sugeriram que participasse no coro em “Herói”. Acabei cantando na música.

LFR: Você compõe muita coisa em inglês? Facilita o teu trabalho?

JS: Gosto da poética em inglês. Frases como Behind my mind – título de faixa incluída em "Anormal" – perdem todo o sentido em português. É uma língua repleta de monossílabos e dissílabos que facilitam o encaixe das palavras na música. Como também te possibilita a criação de termos. Tenho escrito muita coisa em inglês, ouvindo muito folk. Lancei um EP de forma independente e no meu disco incluí algumas faixas em inglês.

LFR: Pretende lançar este material?

JS: Estou compilando as melhores destes três supostos álbuns: "Demênça", "Latênça" e "Clemênça". A primeira parte narra o resdescobrir de um homem e toda sua sexualidade, "Latênça" o carrega para devaneios e experimentações mil, já "Clemênça" é o irônico e jocoso retrato de todo o seu arrependimento. É aquela ressaca moral, mas que também é gostosa e muito rica.

LFR: Jonas Sá ao vivo quando?

JS: Dia 11 de abril. Vou tocar no Cinemathèque Jam Club. Presença confirmada no festival Bananada, que rola no meio do ano em Goiânia.


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