Há dez anos sem lançar um trabalho autoral, o guitarrista argentino radicado no Brasil, Victor Biglione, se escora em dois projetos distintos, mas complementares, para retomar atenção à sua obra. A ser lançado nesta segunda-feira no Mistura Fina, em Ipanema, seu novo CD, Condor (Delira Música), serve também como trilha sonora do premiado documentário homônimo, escrito e dirigido pelo jornalista e cineasta Roberto Mader.
Com apresentações anuais em diversos palcos mundo a fora, Biglione é dono de uma bem sedimentada carreira internacional. Seus dois discos gravados em parceria com o guitarrista do The Police, Andy Summers, Strings of desire (1998) e Splendid Brazil (2005), também acabam de ser lançados em toda a Europa pelo selo inglês Repertoire Records.
– Ele me telefonou há poucos dias e disse que assim que a turnê do Police acabar quer excursionar por alguns festivais europeus para apresentar nosso trabalho - revela. - É justamente nesta época do ano que os convites para apresentações internacionais começam a aparecer. Até o final do ano também devo fazer uma série de shows com o Wagner Tiso (pianista e maestro).
Vencedor do prêmio especial do júri para o filme e do prêmio qualidade artística para a trilha sonora, no Festival de Gramado de 2007, Condor chega, neste mês de maio, às prateleiras físicas e virtuais de discos, como também às salas de cinema das principais capitais brasileiras e de países da América Latina, como Argentina e Chile.
Biglione explica que a carga emocional registrada em Condor parte de sua ligação profunda e familiar com a história registrada no documentário. Conexão esta que despertou, após uma década, sua inspiração e verve autoral.
– Não estava recebendo convites para trabalhos do tipo e, também, não sabia em que me inspirar para compor um novo álbum. Quando o Roberto Mader me fez o convite fiquei sensivelmente emocionado e abracei de imediato a idéia – recorda. – Este trabalho surgiu a partir de uma coincidência. Minha vida faz parte deste enredo e do começo de toda esta história, no que diz respeito à minha origem argentina.
Seu pai era presidente da juventude comunista argentina quando, à época, em 1964, foram convidados a se retirar do país. Ele lembra que o regime ainda não havia apertado, não contava com um sistema de torturas, mas a Operação Condor já armava seus pesados tentáculos.
– Em 1974, a situação piorou e os seqüestros de crianças e assassinatos aumentaram consideravelmente. Durante o meu crescimento acompanhei esta história de perto, já que durante este período de violência extrema, chegamos a receber e abrigar, em minha casa, refugiados – conta Biglione.
Ao contrário do que possa parecer, ao aceitar a indicação do cineasta Murilo Salles, que, em 1996, havia trabalhado com Biglione para a trilha de seu filme, Como nascem os anjos, o diretor Roberto Mader desconhecia a conexão histórica entre a vida de Biglione com a Operação Condor. A surpreendente coincidência alimentou ainda mais a afinidade entre ambos e a experiência criativa da dupla para compor as trilhas musicais do filme – em cartaz na cidade desde o dia 01 de maio.
Ao contrário do que possa parecer, ao aceitar a indicação do cineasta Murilo Salles, que, em 1996, havia trabalhado com Biglione para a trilha de seu filme, Como nascem os anjos, o diretor Roberto Mader desconhecia a conexão histórica entre a vida de Biglione com a Operação Condor. A surpreendente coincidência alimentou ainda mais a afinidade entre ambos e a experiência criativa da dupla para compor as trilhas musicais do filme – em cartaz na cidade desde o dia 01 de maio.
– Foi um processo muito rico. Um trabalho realmente de equipe, arquitetado durante muitas horas em estúdio. Estávamos sempre juntos e a música do filme reflete esta troca, esta afinidade. A trilha sonora carrega o filme para frente. A música tem papel fundamental e me ajudou em diversos momentos da narrativa, pois tinha o poder de me fazer achar o tom certo para cada passagem, cada cena – afirma Roberto Mader.
Para lapidar as faixas que compõem a trilha do filme, Biglione tratou de buscar referências e pesquisar o processo criativo de músicos como o argentino Dino Saluzzi e suas misturas com o tango. Filmes como o Tango e o assassino, além de diversos documentários também serviram de inspiração para o músico que, enquanto assistia as cenas do documentário, mergulhava no universo da música latina.
– Para compor uma trilha de cinema, o segredo é colar no diretor. Sair à noite, almoçar, ou seja, namorar o condutor da obra – brinca Biglione. – Colei no Roberto e, conforme ele me apresentava imagens, começava criar a partir do que meus olhos capturavam. Já havia feito bastante coisa com a Lúcia Murat para televisão, mas em cinema o processo é completamente diferente – compara o músico.
Ao longo desta caminhada músico-cinematográfica, Biglione revisita sua Argentina em um tema composto em homenagem a Las madres de plaza de mayo – foco de resistência à ditadura argentina em que mães protestavam, ao redor da Plaza de Mayo, pelo desaparecimento de seus familiares – assim como em um tango estilizado, adornado por cellos e acordeom, batizado
Lusco-fusco.
Do Brasil, Biglione resgata a história do guerrilheiro comunista Carlos Lamarca, e a partir da história de sua execução, no município de Brotas de Macaúbas, localizado no agreste da Bahia, incorpora um baião delineado em conjunto com o percussionista Marcos Suzano. A cidade de São Paulo também fomenta uma das faixas de Condor. É a partir do clima da metrópole paulista que o músico pinça uma legítima batucada de samba.
- Procurei fazer uma trilha sonora que abarcasse a música de quatro países envolvidos nesta cooperação militar do Cone Sul: Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. O trabalho conta com tango, baião e batucada de samba em temas arranjados de forma estilizada – afirma o guitarrista, que retorna à cena do tango para retratar a musicalidade da capital uruguaia, Montevidéu. Apoiado na obra do multi-instrumentista e compositor, Hugo Fattoruso, Biglione promove uma fusão de ritmos portenhos com o auxílio dos músicos Marcos Nimrichter, David Chew e José Lourenço.
Segundo Biglione, o disco conduz o ouvinte a um passeio pela música latina, mas não a partir de instrumentos típicos e folclóricos.
– Fiz questão de fundir elementos sonoros distintos para ilustrar nossa musicalidade sem ter que apelar para as flautinhas peruanas, aquele estereótipo da sonoridade andina. Queria fugir da obviedade, mas sem descaracterizá-la. Praticamente não utilizo guitarras, é um trabalho em que privilegia violões de náilon e de 12 cordas, instrumentos característicos do nosso hemisfério sul – explica o músico que utilizou suas guitarras apenas para as cenas de abertura do filme, em que mistura timbres diversos, com efeitos e intervenções de violoncelos.
Roberto Mader conta que a internet serviu como campo de pesquisa não só para o filme, como também para auxiliar Biglione em sua procura por samplers e plugins a serem utilizados como efeitos nos teclados:
Roberto Mader conta que a internet serviu como campo de pesquisa não só para o filme, como também para auxiliar Biglione em sua procura por samplers e plugins a serem utilizados como efeitos nos teclados:
– Utilizamos instrumentos diferentes em uma tentativa de subverter a roupagem óbvia a ser emprestada para uma trilha de um filme que toca em questões latinas. Descartamos gritos ou hinos que caracterizassem a ação dos comunistas latinos e optamos por utilizar sonoridades orientais e árabes para dar nova roupagem à música andina – revela Mader.
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