NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Os melhores do ano

Clique no link para ouvir.

Álbum internacional:

1 -
Wild Beasts - Two dancers

2 -
Jamie Cullum - The pursuit

3 -
Pearl Jam – Backspacer

4 -
Animal Collective - Merryweather post pavilion

5 -
Norah Jones – The fall

6 -
Grizzly bear – Veckatimest

7 -
Iggy Pop - Preliminaires

8 -
Yeah yeah yeahs – It’s blitz

9 -
Phoenix - Wolfgang Amadeus Phoenix

10 -
Antony and the Johnsons - The Crying Light

11 -
Joss Stone - Colour me free

12 -
Dark night of the soul

13 - The Flaming Lips - Embryonic

14 -
Allen Toussaint - The bright Mississippi

15 -
Julian Casablancas – Phrazes for the young

16 -
Nick Cave & Warren Ellis - White lunar

17 -
Girls - Album

18 -
Regina Spektor – Far

19 -
Arctic Monkeys – Humbug

20 -
Muse – The resistance

Hors concours: Nirvana – Live at Reading


Álbum nacional:

1 -
Arnaldo Antunes – Iê, iê, iê

2 -
Caetano Veloso – Zii zie

3 -
João Bosco – Não vou para o céu, mas já não vivo no chão

4 - Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz


5 - Pedro Miranda – Pimenteira

6 -
Maria Bethânia – Encanteria e Tua

7 - Céu – Vagarosa

8 -
Ney Matogrosso – Beijo bandido

9 -
Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta – Frascos comprimidos compressas

10 -
Moacyr Luz – Batucando

11 -
Ed Motta - Piquenique

12 -
Tiê - Sweet Jardim

13 -
Cidadão Instigado - Uhuuu!

14 -
Mariana Aydar - Peixes, pássaros, pessoas

15 -
Otto - Certa manhã acordei de sonhos intranquilos

*Ep:
Filipe Catto - Saga


Shows:

1 - Radiohead

2 - Friendly Fires

3 - Joss Stone

4 - Arnaldo Antunes

5 - Caetano Veloso

6- Nação Zumbi

7 - Keane

8 - Terence Blanchard

9 - Little Joy

10 - Ney Matogrosso


Filme internacional:

1 - Foi apenas um sonho

2 - Entre os muros da escola

3 - O equilibrista

4 - A partida

5 - Gran Torino

6 - Há tanto tempo que eu te amo

7 - Bastardos inglórios

8 - Milk - a voz da igualdade

9 - 500 dias com ela

10 - Aconteceu em Woodstock


Girls - Lust for life

Continuando com as garotas. Lust for life em versão explícita:

Wild Beasts - Juan's Basement - Pitchfork TV

À época em que os entrevistei, eles estavam no meio de uma primeira e curta turnê pelos EUA. Na verdade, fizeram três noites em Nova York e mais alguns outros lugares. E gravaram o Juan's Basement, da Pitchfork TV. Aqui embaixo, Wild Beasts ao vivo com toda a sua estranheza:

domingo, 27 de dezembro de 2009

Girls, uma banda de outros tempos

Christopher Owens é o retrato de um cruzamento de gerações. Líder de uma das bandas mais cultuadas da atual cena indie, Girls, ostenta longos e desgrenhados cabelos loiros como os hippies dos 60 e os alternativos-grunges dos 90. E é exatamente como soa o disco de estreia da sua banda, Album, um mix de tudo o que se passou entre estes dois tempos. Deslizando pelo surf pop dos 50, a psicodelia dos 60, o shoegaze dos 80, o indie dos 90, Owens esquece os anos 00 para escrever sobre amores perdidos, inseguranças e incertezas que embaralham a cabeça de um adolescente mergulhado em bebedeiras e pirado em viagens narcóticas. Com melodias tão ensolaradas quanto melancólicas, desenrola canções confessionais e românticas como há muito não se vê. Fã de Beach Boys e Nirvana, Owens tem o colorido surfer de um como a angústica obscura e desesperada do outro. E assina refrãos ganchudos e melodias assobiáveis na linha de ambos. Seu estilo chapado-emaconhado faz lembrar o espírito livre de roqueiros de outro tempo, e navega longe do comportamento megalomaníaco e engomado de uma era irônica que lança aos montes ídolos vazios apertados em trajes bem cortados. Owens faz um tipão largado, mas repleto de charme. Fruto da aura desprendida de São Francisco, de quem leva a vida com o violão debaixo do braço. Seu encanto está na crueza, que o torna mais próximo, visceral e, talvez por isso, aparentemente mais real que os outros.

Hellhole ratrace:


Lust for life:


Laura:

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Yeasayer é a banda de 2010

O quarteto nova-iorquino Yeasayer é a banda a ser observada em 2010. Depois de um álbum de estreia acachapante, All Hour Cymbals, o quarteto soltou o single Ambling alp para chamar a atenção enquanto o segundo disco não chega. A ser lançado no primeiro trimestre de 2010, Odd blood apresenta a mesma pegada experimental – na sonoridade – e pop – em linhas melódicas e refrãos. O flerte com a eletrônica e as dinâmicas rítmicas e harmônicas da música indiana e do leste europeu continuam presentes. Assim como o mix de euforia psicodélica e surrealismo apocalíptico contido nas letras. Em Odd blood, a banda acena com uma produção mais polida, bem menos enfumaçada do que o clima que envolvia os maiores hits do début, como 2080, Sunrise e Wait for the summer.

O Yeasayer iniciou a carreira na mesma leva que o duo MGMT. Aliás, a primeira turnê nacional das duas bandas, em 2007/2008, foi realizada em conjunto, com as bandas revezando a abertura e o encerramento das apresentações. A bordo de singles mais pungentes, como Kids, o MGMT disparou em projeção no cenário, enquanto o Yeasayer permaneceu como um tesouro indie a ser revelado. O que, principalmente, diferencia as duas bandas é a capacidade de performance no palco. Enquanto o MGMT sofre para reproduzir as sonoridades e vocais criados em estúdio, o Yeasayer é um quarteto de músicos tarimbados e cantores de afinação precisa e potência vocal. Ao vivo, como evidenciam os vídeos abaixo, retratam uma banda ensaiadíssima e criativa, que solta os bichos sem nada a dever ao material coletado em estúdio. Se há algum show a ser visto por aqui nos próximos meses é o do Yeasayer.

Ambling alp:




Tightrope:




Wait for the summer:




2080, Jools Holland:


terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Norah Jones, Jamie Cullum, Cat Power e Lemonheads

Ao bater à casa dos 30, Norah Jones parece ter se deixado levar por uma torrente de avaliação artística. Uma análise que remonta todo o trajeto percorrido desde o seu lançamento como fenômeno da indústria fonográfica - a bordo do multiplatinado Come away with me e suas mais de 20 milhões de cópias vendidas. Seu quarto álbum de carreira, The fall, acena (em primeiro plano) a uma desvinculação com as raízes do country absorvidas em sua adolescência texana. A faceta de talentosa cantora, já revelada e aprofundada nos três discos anteriores, dá vez a uma compositora madura, que navegou fundo em sensações turbulentas e talvez obscuras, como mostrou o anterior Not too late.

Neste, Norah arriscava-se como autora de todas as composições. Percorria sinuosas melodias em busca de uma atmosfera sonora teatral, com elementos percussivos e instrumentos de sopro que, em certas canções, ecoavam e pintavam cenários de fanfarras e cabarés à Tom Waits. Agora, justo citando referências como o álbum Mule variations, do inquieto Waits, ela apresenta um conteúdo aparentemente menos experimental, mas que cruza terrenos inexplorados.

Com significados múltiplos na língua inglesa (entre eles, "queda" e "outono"), o título indica o que o álbum propõe em sonoridade: transição. Jones faz do estúdio de gravação seu isolado confessionário particular; um idílio em meio à paranoia e à fugacidade do correcorre diário da Nova York que a cerca. No entanto, a quietude, a placidez, o intimismo e aconchego sonoro estampados por órgãos, pianos e fluidas linhas de guitarras, que preenchem as novas composições, em nada têm a ver com a palavra comodismo. Jones explora ritmos, grooves, harmonias não apenas próximas do rótulo jazzy que a acompanha, mas também do indie rock ou pop. Ladeada por uma banda completamente reformulada, deixa de lado o piano como instrumento em que burila suas composições, dedilha sua guitarra elétrica e se une a uma série de novos parceiros para tecer as faixas que enredam The fall.

Produzido por Jacquire King (Kings of Leon, Tom Waits e Modest Mouse), o trabalho abriga assinaturas divididas com Ryan Adams e Will Sheff (Okkervil River), além do frequente Jesse Harris. Apesar das (boas) parcerias é quando Jones põe-se sozinha na labuta de canções, como em Wouldn't need you, Waiting, It's gonna be e You've ruined me, que o álbum ganha conjunto e espinha dorsal. Erigidas por arranjos minimalistas, que valorizam o silêncio como principal adorno à límpida voz da cantora, cada uma das faixas repousa o ouvinte num misto de melancolia e estado lúdico, que reforçam o talento da artista.

Também com 30 anos recémcompletos, Jamie Cullum tenciona uma reinvenção para o punhado de referências que cruzam sua formação musical jazzística e sua inclinação, como ouvinte, para ícones do pop e do rock. Em The pursuit o pianista e compositor empresta novo e inspirado fôlego à já clássica fusão entre os gêneros, que marcara seus três discos precedentes. Apesar da abertura em grande estilo, com direito à big band na versão para Just one of those things, de Cole Porter, o músico deixa claro nas faixas seguintes sua reverência ao formato canção e à linhagem pop. Faz do single I´m all over it a canção mais assobiável e radiofônica do seu repertório próprio - e nem por isso soa superficial.

Pelo contrário, usa um arsenal de ricas influências harmônicas e desemboca num refrão repleto de cores e nuances melódicas, que acobertam versos que dão conta de um caso de amor rompido. A veia aberta para o pop ganha liga com a balada conduzida ao piano Wheels, a versão para If I ruled the world e o cover para Don't stop the music, de Rihanna. Além da "roqueira" Mixtape, da hipnótica Not while i'm around, da grooveada We run things e da batida house dançante para Music is through. Mesclando sonoridades que atravessam o jazz, a música latina e até a eletrônica, Cullum empresta, em apenas um disco, novo sentido ao termo pop e à sua própria carreira, como artista indiscutivelmente popular.







Em seu segundo álbum dedicado a covers, Cat Power transpõe clássicos de universos musicais distintos para sua ambientação sonora calcada no blues e fincada no indie pop. Diga-se: arranjos minimalistas, pontuados por interpretações cool e intimistas. Canções como New York (popularizada por Liza Minnelli e Frank Sinatra como Theme from 'New York, New York') e Ramblin' (wo)man, de Hank Williams, navegam em sintonia moderna, com solos de guitarra e kit de bateria ressoando vivo numa sala repleta de ambiência. É na melancólica e autoral Metal heart, previamente gravada no álbum Moon pix (1998), que a cantora dá seu tiro mais certeiro. Guiada por piano e recortada por solos distorcidos, a balada cresce à medida que a voz cheia de Power ganha intensidade.A veia aberta para o blues expele tristeza e desolação em Silver stallion (Lee Clayton), na bela Aretha, sing one for me (George Jackson), assim como na densidade acústica de Lord, help the poor & needy (Jessie Mae Hemphill), Don't explain (Billie Holiday) e Blue (Jonie Mitchell). Do início ao fim, Power extrai sutileza de pérolas do cancioneiro americano, sempre em tratamento sofisticado, como em I believe in you, içada do álbum Slow Train Coming (1979), clássico de Bob Dylan; e na faixa bônus Angelitos negros.

Depois de lançar um álbum de inéditas, The Lemonheadas (2006), após uma hiato que durou quase 10 anos (1996 a 2005), o grupo liderado por Evan Dando aposta num repertório de covers para esculpir Varshons.Produzido pelo líder do Butthole Surfers, Gibby Haynes, o disco navega entre o rock alternativo, que caracterizou o grupo nos anos 90, e flerta com as tradições do folk, country e do punk rock. Com timbre grave e profundo, Dando empresta desolamento e melancolia para cada uma das canções que compõem esta série, iniciada com I just can't take ir anymore, de Gram Parsons. Como um arqueólogo do underground, resgata pérolas perdidas do repertório de artistas obscuros dos anos 60 e 70, como Green fuz, de Randy Alvey & The Green Fuz; e Yesterlove, da finada banda inglesa Sam Gopal; assim como da atualidade, caso de New Mexico, da desconhecida Der FuckEmos; e Layin' up with Linda, do alucinado GG Allin. O clima intimista e acústico cede espaço para a fusão com a eletrônica na dançante Dirty robot, que conta com os luxuosos vocais da junkie-model Kate Moss. O trabalho chega ao fim com a participação da atriz Liv Tyler na delicada versão para Hey, that's no way to say goodbye, de Leonard Cohen, e com a surpreendente interpretação de Dando para Beautiful, içada a hit pop por Christina Aguilera.

Susan Boyle, Otto e Cauby

Em poucos minutos de audição decifra-se sem esforço, mas com muitos percalços, os erros (em maior número) e acertos (escassos) da cantora Susan Boyle em seu álbum de estreia, I dreamed a dream. Com um timbre pouco elegante, afinação imprecisa e interpretação exagerada, a anti-heroina do programa televisivo Britain’s got talent arrasa uma bela canção como cartão de visitas. Estridente, demole a crueza e a simplicidade da versão assinada por Mick Jagger para o clássico Wild horses, dos Rolling Stones. Na faixa-título, I dreamed a dream, a interpretação megalômana e os arranjos orquestrais seguem impulsos desmesurados, guiados pelo descontrole de Boyle – condutora de uma carruagem que acelera desenfreada pelo galgar de seus cavalos de potência vocal. Em Cry me a river, Boyle termina a trilogia que a anuncia e a destrói num só arfar de pulmões. Num exibicionismo de pretensas qualidades, aniquila a paciência e os tímpanos do ouvinte com o mesmo ímpeto que arrasa as nuances melódicas, a cadência e a dinâmica dos originais que tenta, sem sucesso, recriar. Seu estado constante de grandiloquência e desequilíbrio ganha sintonia apenas em How great thou art, cântico religioso que marca sua infância.

Mas logo em seguida, põe tudo a perder. Ataca You’ll see, de Madonna. Sem o menor tino, ou sex appeal, tenta fazer da faixa o retrato cantado de suas aspirações como ser humano. No encarte, trata o hit como um hino sobre “determinação, independência e a habilidade de mostrar a todos do que você é feito... Minha maneira de me livrar de todos os rótulos que são injustos”. Boyle é uma mulher atormentada, mas não faz do seu sofrer alimento para uma criação artística ousada. Perdida em meio a fama, deixa seu próprio dom depor contra si. E exagera. Nada disso, porém, impede que este début tenha se tornado um fenômeno de vendas mundo afora. Mas muito menos as cifras e o volume de cópias faz desta obra algo de valor.

Otto - Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos - Em seu novo álbum, Otto exorciza, em oito faixas próprias, os demônios internos e externos que o lançaram ao limbo da MPB nos últimos anos. Revigorado, se inspira em Metamorfose, de Kafka, e na lírica de Ben Jor para assinar um repertório de mais altos que baixos. Arquitetado pelos criativos Dengue e Pupilo (Nação Zumbi) e aclimatado pelas guitarras de Catatau, o disco acerta em Crua, Meu mundo dança, Seis minutos e na catártica Filha, mas escorrega em Janaína e em Lágrimas negras, com participação de Julieta Venegas.

Cauby Peixoto - Cauby canta Roberto - Ao contrário do que sugere o título do álbum, Cauby Peixoto empresta toda a sua "elegância" a peças icônicas criadas em dupla pela parceria entre Roberto e Erasmo Carlos. No repertório, belas e tristes canções ganham verve dramática sob o impacto da voz encorpada e profunda de Cauby - em excelente forma, por sinal.Sentado à beira do caminho, Proposta e A volta, entre outras recheiam um trabalho bem cortado, com arranjos de cordas e instrumentação acústica dando espaço de sobra para Cauby deitar sua bela voz.

"Cantar é a minha droga", diz Joss Stone

Pode-se dizer que Joss Stone instaurou o revival soul que, após Amy Winehouse, passou a frequentar com assiduidade as paradas. Em seu quarto álbum, Colour me free!, a cantora sofistica a direção adotada como mote para o predecessor: a maior versatilidade com que empresta sua voz e alma não apenas às harmonias vocais à Motown, mas ao funk e ao r&b fincado nos anos 70 e aos grooves de hip hop. Com sete produtores, o álbum é, do início ao fim, uma aula de musicalidade, arranjos repletos de textura e cor, além de interpretações de altíssimo nível.

Da primeira vez em que esteve por aqui (em julho do ano passado) até agora, a moça pintou o cabelo várias vezes, brigou com sua gravadora e gravou o trabalho mais “adulto” de sua vida: pela primeira vez, um disco seu saiu com o infame adesivo advertindo sobre “letras explícitas” na capa. Mas algumas coisas não mudaram desde então: o vozeirão de soul singer aprisionado numa lourinha (ruivinha? moreninha?) inglesa e a beleza, que nos últimos tempos perdeu o tom juvenil e tornou-se mais maduro e, claro, sensual. Em sua segunda passagem pelo rio, no palco do HSBC Arena, soltou os cachorros acompanhada de uma banda afiada e de um figurino ousado, um curtíssimo vestido branco. Mostrou que não adianta querer aprisioná-la. Sua
relação com a música é, digamos, química.

– Cantar é algo mais do que um prazer qualquer: é uma necessidade vital. É como se fosse uma droga que eu realmente preciso usar – narra Joss à Programa . – A música é algo que me faz renascer a cada dia. E se não a fizesse, não sei se conseguiria tocar minha vida adiante.

A “libertação” que a inglesa tanto busca, e que acabou parando no título do primeiro single do novo disco (Free me) se refere à gravadora EMI. Joss teve seguidos problemas com o selo, que atrasou o lançamento de Colour me free! e cobrava que a cantora seguisse a imagem modernizada de diva R&B que assumiu no trabalho anterior, Introducing Joss Stone. A moça reagiu à domesticação gravando o disco em menos de uma semana, num estúdio montado num bar dirigido por sua própria mãe, no Sudoeste da Inglaterra.

– Aprendi que não adianta fazermos um álbum se percebemos que o novo disco não supera o anterior – diz a cantora quando perguntada sobre o que mudou no seu approach musical na hora de fazer Colour me free! – Curto pesquisar e achar os sons que quero para cada música. Apesar de não saber tocar os instrumentos, sei como devem soar. Não foi algo planejado, não tinha nada acertado, mas como o bar de minha mãe não estava funcionando e é muito perto de onde eu estava, decidi que poderíamos fazer.

De volta, tanto no palco quanto no disco, está a sonoridade mais retrô ouvida no trabalho de estreia, The soul sessions. As referências: Smokey Robinson, Gladys Knight, Aretha Franklin...

– Eu sempre ouvi muito esse tipo de música em casa, desde os 14 anos era vidrada – lembra Joss, falando sobre suas paixões black. – Mas só comecei a compor e entender minhas composições bem depois. É difícil falar sobre essas influências.

Como precursora da onda de cantoras britânicas de neo-soul (Amy Winehouse, Duffy, Adele...), a intérprete assina embaixo da onda revisionista:

– Acho o máximo que isso aconteça. Agradeço a Deus porque temos novos artistas empenhados em fazer música de verdade, com alma. É um processo realmente interessante para o pop.

Nirvana - Berros e lendas do grunge, 20 anos depois

No encarte de Bleach, álbum de estreia do Nirvana, a grafia Kurdt Kobain divide espaço com Krist Novoselic, Chad Channing e... Jason Everman. Jason quem? Sim, graças ao então guitarrista de apoio do Nirvana, parcos US$ 606,15 foram gastos para acertar as contas com o produtor Jack Endino, responsável pelas gravações do álbum que marcou a estreia da até então desconhecida banda de Seattle. Gravado em três apressadas sessões no Reciprocal Studios, entre dezembro de 1988 e janeiro de 1989, o disco evidencia a crueza - dado os poucos recursos do estúdio e dos equipamentos da banda - e a urgência - marcada pelo caráter irascível e instável do líder - que impulsionaria, dois anos mais tarde, a explosão do movimento grunge por todo o país, a bordo do clássico Nevermind.

Editado em junho de 1989 pela Sub Pop, a bolacha que inicialmente vendera cerca de 40 mil cópias completa 20 anos. Para celebrar a data, o disco ganha as prateleiras numa edição de luxo em CD duplo, remasterizado a partir das fitas originais e acrescido com uma apresentação ao vivo da banda - ambos com a supervisão de Endino:

– Eu sabia que tínhamos em mãos um bom disco, mas eu faço uma porção de bons discos todos os anos. Acho que todos deveriam ser escutados por muito mais gente, o que geralmente não acontece... com exceção de Bleach.

Escoltado pelos bateristas Dale Crover e Chad Channing, Cobain finalizava as letras pouco antes de Endino dar o comando de "gravando". O resultado é um álbum cru, pantanoso, com uma coleção de melodias arrastadas adornadas por guitarras distorcidas que fundiam a ferocidade do punk e das bandas de garagem ao ar lúgubre do metal setentista cunhado pelo Black Sabbath.

Da caneta do compositor, escorriam referências biográficas, tanto de seu traumático histórico familiar quanto de sua adolescência na conservadora e remota Aberdeen, como em School, Floyd the barber e Mr. Moustache. O disco já continha os lancinantes urros que tornaram-se sua marca, como em Negative creep e Blew, além da veia pop para melodias açucaradas, como em About a girl. Apesar de lembrar detalhes da gravação, Endino confessa que seu relacionamento com Kurt foi tão rápido e focado quanto as gravações do seminal álbum.


– Não nos conhecemos muito bem, apenas passamos alguns dias juntos. Não fui muito próximo dele, até porque ele não morava em Seattle (na época, o roqueiro vivia na cidade vizinha de Aberdeen) e não tínhamos muito contato social fora das sessões – conta.

O produtor prossegue:

– Kurt era um cara fácil de se lidar. Ouvia a opinião das outras pessoas e era extremamente focado. Não consigo lembrar sequer de ter visto os caras bebendo cerveja durante o tempo em que passamos no estúdio. Não perdíamos tempo, só queríamos saber de gravar e tirar um bom som. Cobain nunca mostrou evidências de seus problemas.

Por "problemas", Endino se refere à instabilidade mental do líder da banda, que, somada ao vício em heroína, o levou ao suicídio em abril de 1994, pouco mais de cinco anos depois do lançamento do disco de estreia. Após o estouro de Nevermind, Bleach ganhou fôlego renovado e chegou a marca de 1,7 milhões de cópias vendidas apenas nos EUA. Fato que sedimentou e projetou a carreira de Jack Endino como produtor musical. Até então, ele se dividia entre o trabalho no estúdio e o posto de guitarrista da banda Skin Yard:

– Percebi que poderia viver disso quando o Skin Yard acabou, em 1992, na mesma época em que o grunge estava explodindo. Parecia que o mundo exigia que eu me tornasse um produtor, mais do que um guitarrista. Meu telefone não parava de tocar.

A segunda metade do pacote ilustra uma apresentação poderosa e, como sempre, caótica do grupo, com Cobain quebrando sua guitarra ao fim da apresentação. Extraída de um show no Pine Street Theatre, em Portland, em 9 de fevereiro de 1990, a gravação traz versões ao vivo para covers como Love buzz e Molly's lips, e foi remixada a partir das fitas originais.

– O grunge era uma combinação do rock de garagem dos anos 60 com o hard rock dos 70 e com a atitude punk dos 80 – define Endino, com a autoridade de quem é tratado como o avô do grunge. – Tínhamos uma filosofia muito forte do faça-você-mesmo, monte-a-sua-banda, grave-o-seu-próprio-disco. E, é claro, muitos gritos e uma série de guitarras estrondosas. Kurt fez lembrar a todos que a melodia é fundamental para uma boa composição e que é preciso cantar com paixão.

Imagens de Seattle: cidade depressiva e experimental

Autor do recém-lançado livro de fotografias Grunge, Michael Lavine iniciou seus primeiros experimentos fotográficos quando ingressou na Evergreen State College, em Olympia. Lá acompanhou de perto uma intensa movimentação ao ser contratado pelo selo Sub Pop (que lançou Nirvana, Mudhoney e Soundgarden) como fotógrafo oficial. Para ele, o grunge é resultado de uma combustão entre desconforto psíquico, condições atmosféricas desfavoráveis e um cruzamento musical abrangente.

– Tudo tem a ver com o ambiente de Seattle. Nove meses de chuva, céu cinzento, nuvens carregadas e muito frio. Um clima que levava todos a um mesmo estado mental: depressão – diagnostica. – É uma cidade isolada, mas com uma cena experimental intensa. Os moradores de Seattle eram rebeldes e propunham mudanças significativas à ordem estabelecida. Sentia isso na molecada.

Lavine lembra bem da primeira sessão de fotos do Nirvana, que ilustra essa página.

– Eles não tinham grana, nem sucesso. Nos encontramos em Nova York, no CBGB. Era um cara
genial, amistoso. – diz o fotógrafo. – A sua loucura estava na cabeça, assim como acontece com caras como David Lynch e Cronemberg. Kurt nos fez entender que o rock tem poder de influenciar.

Thurston Moore, do Sonic Youth, assina o texto que contextualiza a coleção de fotografias.

– As fotos capturam muitas bandas e personagens que foram precursores do grunge – conta. – Até hoje muitas pessoas são inspiradas por eles. É como o punk, sempre terá alguém tocando e se inspirando nessas bandas.

Julian Casablancas - Sem medo do perigo e do exagero

Desde que o The Strokes pôs na roda o álbum First impressions of earth (2006), três de seus integrantes aproveitaram o tempo livre para colocar em dia seus projetos paralelos. Se o guitarrista Albert Hammond Jr. e o baixista Nikolai Fraiture exploraram sonoridade similar ao trabalho principal, o baterista Fabrício Moretti largou as baquetas e deixou-se levar por uma estética sessentista e psicodélica a bordo do Little Joy, formado com Rodrigo Amarante e Binki Shapiro. Faltava aquele que é o principal compositor e a identidade da banda, Julian Casablancas, arriscar-se num projeto solo. Após experimentar participações em álbuns do Queens of the stone Age e o recente Dark Night of the Soul (Danger Mouse, Sparklehorse e David Lynch), Casablancas entendeu que era hora de encontrar um novo traçado.

E é justamente por ter em suas peculiares modulações vocais a célula mater da sonoridade dos Strokes, que Casablancas investe em arranjos de intenção oposta ao que marcou seu trabalho de origem. A crueza do duelo de guitarras, a bateria minimalista de Moretti e a urgência, a secura e o enfumaçado de uma banda de garagem dão lugar a dimensões futuristas, em canções melodiosas esculpidas por teclados e sintetizadores em múltiplas e encorpadas camadas sobrepostas, além de uma profusão de inusitados instrumentos. Inspirado por Oscar Wilde e por uma completa “falta do que fazer”, como disse numa entrevista, Phrazes for the young eleva a música de Casablancas, que agora não apenas flerta, mas relaciona-se com a eletrônica e o pop experimental e dançante.

O esmero em cuidar da sonoridade de cada instrumento destacado para povoar as viajantes canções revela um artista em completo desassossego, em desbunde com as possibilidades do estúdio, preocupado em entender até onde pode ou deve ir para cruzar à salvo a tênue linha que separa o cafona do extravagante, em despir-se de fórmulas prévias. E, é claro, em destoar de seu núcleo. Não à toa, o primeiro single, 11th dimension, envereda por uma dinâmica de pista de dança. Aos fãs do Strokes cabe, à primeira audição, um sobressalto. Aos poucos, porém, o álbum revela que a energia roqueira de Casablancas segue incólume. Seus gritos arranhados e angustiados se desprendem para contornar dobras melódicas sinuosas e ainda assim marcantes. Ratifica em oito complexas canções que é de sua inquietação que explode a alucinada força motriz que fez Is this it estourar as portas para o novo rock, no início dos anos 2000.

Casablancas prova por A + B e uma porção de outras inspiradas letras, em que se atira sobre o cotidiano e frustrações em tom confessional, que tem lugar garantido como um dos mais expressivos nomes da música pop contemporânea – dentro ou fora da sua banda. Phrazes for the young pode até ser taxado de megalômano, grandiloquente e exagerado, mas de jeito algum de um álbum apático tecido por um artista acovardado. Casablancas arrisca-se e mergulha num universo inexplorado sem medo do que pode vir contra si. E, se não soa tão urgente, impacta por seus arranjos e melodias hipnóticas.