NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Norah Jones, Jamie Cullum, Cat Power e Lemonheads

Ao bater à casa dos 30, Norah Jones parece ter se deixado levar por uma torrente de avaliação artística. Uma análise que remonta todo o trajeto percorrido desde o seu lançamento como fenômeno da indústria fonográfica - a bordo do multiplatinado Come away with me e suas mais de 20 milhões de cópias vendidas. Seu quarto álbum de carreira, The fall, acena (em primeiro plano) a uma desvinculação com as raízes do country absorvidas em sua adolescência texana. A faceta de talentosa cantora, já revelada e aprofundada nos três discos anteriores, dá vez a uma compositora madura, que navegou fundo em sensações turbulentas e talvez obscuras, como mostrou o anterior Not too late.

Neste, Norah arriscava-se como autora de todas as composições. Percorria sinuosas melodias em busca de uma atmosfera sonora teatral, com elementos percussivos e instrumentos de sopro que, em certas canções, ecoavam e pintavam cenários de fanfarras e cabarés à Tom Waits. Agora, justo citando referências como o álbum Mule variations, do inquieto Waits, ela apresenta um conteúdo aparentemente menos experimental, mas que cruza terrenos inexplorados.

Com significados múltiplos na língua inglesa (entre eles, "queda" e "outono"), o título indica o que o álbum propõe em sonoridade: transição. Jones faz do estúdio de gravação seu isolado confessionário particular; um idílio em meio à paranoia e à fugacidade do correcorre diário da Nova York que a cerca. No entanto, a quietude, a placidez, o intimismo e aconchego sonoro estampados por órgãos, pianos e fluidas linhas de guitarras, que preenchem as novas composições, em nada têm a ver com a palavra comodismo. Jones explora ritmos, grooves, harmonias não apenas próximas do rótulo jazzy que a acompanha, mas também do indie rock ou pop. Ladeada por uma banda completamente reformulada, deixa de lado o piano como instrumento em que burila suas composições, dedilha sua guitarra elétrica e se une a uma série de novos parceiros para tecer as faixas que enredam The fall.

Produzido por Jacquire King (Kings of Leon, Tom Waits e Modest Mouse), o trabalho abriga assinaturas divididas com Ryan Adams e Will Sheff (Okkervil River), além do frequente Jesse Harris. Apesar das (boas) parcerias é quando Jones põe-se sozinha na labuta de canções, como em Wouldn't need you, Waiting, It's gonna be e You've ruined me, que o álbum ganha conjunto e espinha dorsal. Erigidas por arranjos minimalistas, que valorizam o silêncio como principal adorno à límpida voz da cantora, cada uma das faixas repousa o ouvinte num misto de melancolia e estado lúdico, que reforçam o talento da artista.

Também com 30 anos recémcompletos, Jamie Cullum tenciona uma reinvenção para o punhado de referências que cruzam sua formação musical jazzística e sua inclinação, como ouvinte, para ícones do pop e do rock. Em The pursuit o pianista e compositor empresta novo e inspirado fôlego à já clássica fusão entre os gêneros, que marcara seus três discos precedentes. Apesar da abertura em grande estilo, com direito à big band na versão para Just one of those things, de Cole Porter, o músico deixa claro nas faixas seguintes sua reverência ao formato canção e à linhagem pop. Faz do single I´m all over it a canção mais assobiável e radiofônica do seu repertório próprio - e nem por isso soa superficial.

Pelo contrário, usa um arsenal de ricas influências harmônicas e desemboca num refrão repleto de cores e nuances melódicas, que acobertam versos que dão conta de um caso de amor rompido. A veia aberta para o pop ganha liga com a balada conduzida ao piano Wheels, a versão para If I ruled the world e o cover para Don't stop the music, de Rihanna. Além da "roqueira" Mixtape, da hipnótica Not while i'm around, da grooveada We run things e da batida house dançante para Music is through. Mesclando sonoridades que atravessam o jazz, a música latina e até a eletrônica, Cullum empresta, em apenas um disco, novo sentido ao termo pop e à sua própria carreira, como artista indiscutivelmente popular.







Em seu segundo álbum dedicado a covers, Cat Power transpõe clássicos de universos musicais distintos para sua ambientação sonora calcada no blues e fincada no indie pop. Diga-se: arranjos minimalistas, pontuados por interpretações cool e intimistas. Canções como New York (popularizada por Liza Minnelli e Frank Sinatra como Theme from 'New York, New York') e Ramblin' (wo)man, de Hank Williams, navegam em sintonia moderna, com solos de guitarra e kit de bateria ressoando vivo numa sala repleta de ambiência. É na melancólica e autoral Metal heart, previamente gravada no álbum Moon pix (1998), que a cantora dá seu tiro mais certeiro. Guiada por piano e recortada por solos distorcidos, a balada cresce à medida que a voz cheia de Power ganha intensidade.A veia aberta para o blues expele tristeza e desolação em Silver stallion (Lee Clayton), na bela Aretha, sing one for me (George Jackson), assim como na densidade acústica de Lord, help the poor & needy (Jessie Mae Hemphill), Don't explain (Billie Holiday) e Blue (Jonie Mitchell). Do início ao fim, Power extrai sutileza de pérolas do cancioneiro americano, sempre em tratamento sofisticado, como em I believe in you, içada do álbum Slow Train Coming (1979), clássico de Bob Dylan; e na faixa bônus Angelitos negros.

Depois de lançar um álbum de inéditas, The Lemonheadas (2006), após uma hiato que durou quase 10 anos (1996 a 2005), o grupo liderado por Evan Dando aposta num repertório de covers para esculpir Varshons.Produzido pelo líder do Butthole Surfers, Gibby Haynes, o disco navega entre o rock alternativo, que caracterizou o grupo nos anos 90, e flerta com as tradições do folk, country e do punk rock. Com timbre grave e profundo, Dando empresta desolamento e melancolia para cada uma das canções que compõem esta série, iniciada com I just can't take ir anymore, de Gram Parsons. Como um arqueólogo do underground, resgata pérolas perdidas do repertório de artistas obscuros dos anos 60 e 70, como Green fuz, de Randy Alvey & The Green Fuz; e Yesterlove, da finada banda inglesa Sam Gopal; assim como da atualidade, caso de New Mexico, da desconhecida Der FuckEmos; e Layin' up with Linda, do alucinado GG Allin. O clima intimista e acústico cede espaço para a fusão com a eletrônica na dançante Dirty robot, que conta com os luxuosos vocais da junkie-model Kate Moss. O trabalho chega ao fim com a participação da atriz Liv Tyler na delicada versão para Hey, that's no way to say goodbye, de Leonard Cohen, e com a surpreendente interpretação de Dando para Beautiful, içada a hit pop por Christina Aguilera.

Nenhum comentário: