NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

sábado, 28 de junho de 2008

N.E.R.D. - Seeing Sounds











Após quatro anos, desde o lançamento do esquizodélico álbum, 'Fly or die', os Neptunes, Pharrel Williams e Chad Hugo, reaparecem com 'Seeing sounds', terceiro álbum de carreira do N.E.R.D. Lançado dia 10 de junho, o CD foi puxado pela enjoada, 'Everyone nose', seguida pelo single, 'Spaz', usado como trilha comercial para o Zune, ipod que a Microsoft tenta capitalizar.

Desde abril a banda de rock-hip-hop excursiona pelos EUA na turnê 'Glow in the dark', capitaneada por Kanye West, ao lado de Lupe Fiasco e Rihanna. Os festivais de verão europeus também aguardam a passagem da banda, que foi convidada pelo Kaider Chiefs para se apresentar no Isle of Wight. Mesmo com as irregulares cotações que o álbum recebe pelos mais diversos veículos da imprensa musical, Pharrell revela que não espera apenas sucesso ou lucro com seu projeto, mas, sim, expandir seus caminhos sonoros.

– Não ligamos para questão de gênero musical e não fazemos os discos do N.E.R.D. por dinheiro – disse Pharrell, recentemente, à imprensa. – Fazemos isso para as pessoas que estão com a gente no nosso movimento. Nossos fãs querem curtir e serem levados por uma montanha russa de sensações e única forma de oferecer isso é com um disco que exploda pelas caixas de som diversas sonoridades.

Seeing sounds não é um disco de noite, com hits de hip-hop ou dance, mas, sim, como o nome do trabalho revela, uma viagem sinestésica, como sempre, cheia de texturas e cores.

– É um disco de LSD, uma sonoridade drogada – destaca Chad Hugo. – É uma mistura de sensações que leva o ouvinte a experimentar uma audição repleta de cores, cheiros, gostos. É como se você visse algo que lhe remete a uma canção, ou você ouvir algo que lhe traga um gosto na boca. Esse disco foi criado a partir das imagens que víamos em cada música, por isso 'Seeing sounds' foi escolhido como título.

Não espere hits certeiros, nem fórmulas bem amarradas. 'Seeing sounds' é um álbum estranho, esquisito, a la Frankenstein. Bebe de pop, rock, dance, hip-hop-old school e trocentos outros universos sonoros. Cada faixa aponta para uma direção e a coesão do trabalho da banda repousa, ou melhor, se move justamente nessa bagunça sonora. Ouça com desprendimento e veja os sons:




sábado, 21 de junho de 2008

Laura Marling - folk-indie inglês













Laura Marling é dona de uma carreira meteórica. Aos 16 anos já causava furor entre os fuçadores de música no Myspace; aos 17 assinou contrato com a ‘gigante’ EMI e aos 18 lança seu primeiro álbum solo, "Alas I cannot swim", recebido com láureas pela crítica, em resenhas que a apontam como digna representante de Joni Mitchell. Foi assim pelo The Independent, que cravou cinco estrelas para o disco, e, também, assim que ela se apresentou no Jools Holland antes mesmo de lançar seu álbum de estréia.

– Acredito que este é um grande momento para ser um artista novo, ou um artista alternativo. Mas definitivamente não é um bom momento para os que jogam pelo interesse em lucrar com o mercado mainstream de música – pondera Laura, direto de seu laptop, enquanto aguarda no backstage a hora de subir ao palco de uma igreja londrina.

O furor todo é pela pouca idade, mas não pelo que isso representa em termos numéricos, mas, sim, pelo que suas letras, poeticamente, apresentam. Pontos de vista, sacadas psicológicas bem desenvolvidas, narrativas que exprimem o desconforto com os sentimentos de tristeza, solidão e abandono. Laura descarta a previsibilidade da dor de cotovelo pós-adolescente e extrai da escuridão uma beleza, apesar de amarga, jovial e repleta de frescor.

– Existem influências muito claras no meu modo de compor e cantar. Cresci ouvindo Joni Mitchell e meu interesse pelas melodias vem dessa influência, já meu interesse em histórias e imagens do que canto vem de artistas como Diane Cluck e Charlotte Bronte – afirma.

Imagens, cenários e cenas, são fortes no trabalho sonoro e imagético de Laura, mas não resultado da grandiloqüência ou extravagância de arranjos. Muito pelo contrário, o minimalismo folk dá o tom da livre viagem elaborada em parceria com Charlie Fink, líder da banda indie-folk,
Noah and the Whale.

– Conseguimos emprestar às canções perspectivas de uma jornada cinematográfica e relacioná-las aos temas propostos por cada letra – explica Laura. – Charlie é um parceiro muito esperto e trouxe muita coisa para o disco. Tenho muita sorte em tê-lo encontrado. Trabalhamos muito duro em conjunto para fazer esse álbum soar consistente. Adoro estar em estúdio, sou caseira, e isso geralmente significa que não vou ter que ficar fora por muito tempo.

A maturidade da moça, no entanto, traveste-se de saudosismo, estampado nas idéias que permeiam o projeto gráfico do seu álbum. Desesperada com o avanço nada respeitoso do mercado digital e suas diversas mídias alternativas, queda de vendas de discos e mp3 de baixa qualidade, Laura mantém-se fiel defensora de vinis e dos projetos gráficos que fazem de um álbum não apenas um amontoado de faixas, mas, sim, um tesouro a ser colecionado. Além da edição em CD ela idealizou uma caixa de música, que contém postcards, algumas histórias, além de ingressos para sua turnê européia de lançamento.

– A idéia surgiu após uma conversa que tive com o dono do estúdio onde gravei o álbum. Ele disse que estava deprimido pela forma que o mercado da música estava sendo conduzido, porque ninguém mais compra discos e as pessoas se contentam em ouvir música a partir de mp3 de baixa qualidade, tratam a música como algo descartável. Quero que as pessoas voltem a amar e colecionar música. Foi assim que eu aprendi. Fico super assustada com a velocidade das coisas – revela.

Na rota contrária a incessante busca por novas Lilly Allen e Amy Winehouse, Marling navega pelas águas tranqüilas da música folk. Idéias inteligentes, um violão debaixo do braço e uma voz doce e pequena são o bastante para produzir um dos tesouros musicais do ano.

– Meu som vem de referências das mais antigas e de coisas muito novas. Excursionei com
Johnny Flynn e ele é um letrista brilhante, me deixa completamente cega. Agora estou em turnê com Adam Green. Bonnie Prince Billie sempre foi uma grande influência e a partir dele eu descobri artistas como Adrian Orange, além de muitos outros que, em minha opinião, continuam a fazer a melhor música do mundo neste momento, mesmo sem vender muitos discos – diz Laura.
* Entrevista realizada em março com Laura Marling, a artista desta semana do The New York Times.

Ghosts (Dir. James Copeland):



My manic and I (Dir. James Copeland):



Night terror (Dir. Max Knight):

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Al Green - Lay it down


















O título da nova obra-prima de Al Green, Lay it down (Blue Note), é a sentença para que o ouvinte se desapegue de sua massacrante rotina burocrática e respire um pouco de alma cantada, pelo menos por 45 minutos. Lançado dia 27 de maio, Lay it Down traz o reverendo, aos 62 anos, de volta ao top ten da Billboard – principal parada da música americana –, feito conquistado pela última vez há 35 anos, com o clássico Call me. Concebido como um álbum de colaborações entre a lenda do soul e um punhado de novos e talentosos admiradores, do universo do R&B e do hip-hop, o álbum serve como registro de uma série de inspiradas jam sessions, que extraíram o sumo da musicalidade funk e romântica de Al Green. É old-school, seja no que de melhor o termo representa: conexão espiritual entre músicos.

– Estou de volta às minhas raízes, ao soul, ao R&B e às canções de amor, feitas para as famílias, para bons momentos. Trago de volta a minha essência, a música, como um retorno ao local onde toda essa história começou. Mostrei o CD a um amigo que disse: estamos ouvindo o Al Green original, a única diferença é que estamos em 2008 – conta Green.

Produzido por dois dos mais inovadores músicos do hip-hop americano, Ahmir "?uestlove" Thompson, baterista do incendiário combo The Roots, e James Poyser, tecladista e produtor de Common e Erykah Badu, Lay it down, conta ainda com parcerias e colaborações musicais tecidas com o dream team do neo-soul, uma excelente nova safra de compositores e cantores negros, entre eles, John Legend, Anthony Hamilton e Corine Bailey Rae; além de instrumentistas, como a linha de metais da banda The Dap Kings (Sharon Jones e Amy Winehouse), o guitarrista Chalmers "Spanky" Alford (Joss Stone) e o baixista Adam Blackstone (Jill Scott).
– A idéia surgiu a partir de uma brincadeira com meu empresário, mas a razão pela qual estamos gravando este disco é porque idolatramos Al Green – declara o baterista do The Roots. – Mesmo hoje em dia ninguém tem a potência e o alcance de sua voz. A música de Al Green faz parte da minha vida e tenho familiaridade com todos os seus discos. É impressionante notar que habitam em apenas um corpo cerca de cinco diferentes facetas. O uivo gospel, seus falsetes, o soul, a igreja e o lado cômico. Este último pouca gente conhece.

Apesar das reverências, Green faz questão de afirmar que o encontro entre gerações partiu de sua curiosidade. Sua intenção era se aproximar de novos artistas, especialmente da comunidade hip-hop, para que juntos pudessem criar um terreno fértil para Green espalhar a mensagem característica de suas obras musicais e pregações na Full Gospel Tabernacle, em Memphis, Tennessee: o amor.

– O que aconteceu foi que descobrimos que ?uestlove queria trabalhar comigo e eu queria trabalhar com o pessoal do The Roots e da nova geração do rap e do R&B. As coisas simplesmente se encaixaram, aconteceram e as pessoas certas se encontraram – afirma Green.

Apesar de não irem muito longe das fundações construídas por Green e Willie Mitchell em álbuns como Call Me, I'm Still In Love With You, Let's Stay Together, os produtores ?uestlove e Poyser sabiam muito bem aonde queriam chegar e como imprimir frescor à nova obra do soulman.

– Adoramos todos os seus clássicos, mas gostaríamos de tocar aquilo que imaginamos ouvir como o Al Green em 2008. Queríamos manter toda sua aura, mas precisávamos de liberdade para que pudéssemos expandir nossas asas e nos expressar livremente. Queríamos que o álbum soasse extremamente orgânico, por isso descartamos sintetizadores e optamos pelos instrumentos tocados ao vivo – conta Poyser.

Green se mostra satisfeito com a escolha:

– Todo o pessoal do The Roots, assim com os demais músicos foram incríveis. Eu pude relaxar porque sabia que eram pessoas capazes. Todo mundo chegava ao estúdio com novas idéias, todo mundo ajudava e seguia na mesma sintonia – lembra Green.

Acertados os ponteiros da parceria, Green prontamente se lançou ao universo musical do The Roots e sua trupe, em ensaios e jam sessions realizados em Nova York, em 2006. A experiência serviu como oportunidade para que os jovens colaboradores mergulhassem de cabeça na musicalidade de Al Green.

– As sessões foram como verdadeiras aulas de como criar e tornar relevante, hoje em dia, o seu som. O fato é que você precisa fazer o dever de casa. Estudei atentamente todos os álbuns de sua carreira, toda a parte de produção e engenharia de áudio para que pudesse entender os caminhos de sua música e, além disso, trabalhar para fazermos algo à nossa maneira, deixarmos a nossa marca – disse ?uestlove.

Green lembra bem do primeiro encontro em estúdio, quando ?uestlove e Poyser agendaram algumas horas no Electric Lady Studio em Manhattan, no Greenwich Village.

– Aquilo foi um ensaio. Começamos a esboçar cerca de oito músicas e realmente começamos a pensar o projeto. Ficávamos testando canções e as mudando de um lado para o outro, então não houve maneira de escrevê-las sozinho. Rascunhava os versos de uma, a ponte de outra e todo mundo contribuía ao mesmo tempo. É isso que faz o trabalho ficar bom. Não havia espaço para egocentrismo, todos nós sonhamos em conjunto – disse Green

O dia em questão serviu de base para praticamente completar as 11 canções que compõem o disco. As gravações levaram cerca de dois anos para que Green pudesse escolher com quais músicos trabalharia. Ele conta que os ensaios eram réplicas do sentimento do primeiro encontro, com os músicos transbordando inspiração, pegando em canetas para rascunhar letras, criar linhas melódicas e testar riffs. O próprio Green fez de suas linhas vocais as bases para o acompanhamento de cordas e metais em muitas das canções.

– Esta é a única maneira que sei trabalhar, é assim que fiz ao longo de toda a minha vida. Basta apenas escrever as canções a partir de dentro, do coração – explica Green. – É o que fazemos todos os domingos. Não escrevemos um sermão do nada. Se você não pode pregar a partir do seu coração, certamente você não terá nada a dizer. Tudo vem do coração, esse álbum inteiro, do início ao fim.

Participações especiais

Honrado em participar do álbum, John Legend, não deixa de rasgar elogios ao mestre e à maneira como o álbum foi criado. Convidado a cantar uma canção escrita pela banda ao longo dos ensaios, ao ouvir, Stay with me (by the sea), canção que Green vinha trabalhando com Corine, Legend tirou proveito do espírito de equipe do grupo para pedir a posse de bola

– Ele continua sendo uma das partes mais importantes da história da música negra. É uma honra, sempre amei e mantive enorme respeito por sua carreira. Al é um cantor realmente mágico – derrete-se Legend. – Imediatamente percebi que aquela canção era para mim.

Green faz coro:

– Legend e eu cantamos a canção enquanto Corine fez os backing vocals. Estamos todos incluídos. É uma canção pessoal, sobre a minha vida, mas todo mundo pôde sentir o que eu queria dizer – recorda.

A participação e o empenho da cantora inglesa também impressionou Green. Recém chegada à Nova York, Corine não perdeu tempo e foi direto ao estúdio para se encontrar com os músicos.

– Ela é uma coisinha pequena com uma guitarra enorme nas mãos. Bastou ela começar a tocar e cantar que todos os músicos sentaram, pegaram seus instrumentos e as músicas começaram a surgir. Ela escreveu um verso, escrevi uma segunda parte e juntos terminamos a ponte – lembra Green, que insistiu para que a voz da moça iniciasse a música na gravação final da faixa.
Olhando para trás, Al Green se diz orgulhoso das escolhas que fez e dos artistas que reuniu para compor seu mais novo clássico.

– Vejo que não poderia chamar nenhum outro músico além destes que trabalharam comigo. John, Corine e Anthony cantaram o que estava escrito em seus corações. Quando alguém age assim, posso ter certeza de que darei, também, o melhor de mim – afirma Green.

Lay it down é um testemunho de problemas pessoais, mas o que Green oferece não é um seminário mambembe de auto-ajuda ou um culto espiritual de descarrego. Sua intenção é mostrar que boa música é o bastante para superar seus obstáculos.

– Não falo apenas de coisas boas. Tenho minhas aflições e provações. Experimento sentimentos que nos fazem sofrer, mas me recuso a aceitá-los. O que precisamos é de amor – sentencia.



segunda-feira, 9 de junho de 2008

disSonantes


O projeto pseudo-sensual, 3 na massa, não conseguira atiçar minha curiosidade para além de cinco audições. Mesmo assim, resolvi experimentar aquilo que pode ser considerada a segunda edição do projeto capitaneado pelos músicos e produtores Dengue, Pupilo (cozinha da Nação Zumbi), Gui e Rica Amabis (Instituto). Segunda etapa, pois, se no primeiro um punhado de interessantes vozes femininas, entre elas Céu e Pitty, servia de molho, mesmo que ralo, à massa de canções desenhada e escrita pela trupe, em Sonantes, o núcleo de produtores radicado em Perdizes, São Paulo, ratifica a cantora Céu como musa única de suas experimentações sonoras.

Assim como no projeto anterior, sobra ao novo trabalho sofisticação estética, sons bem tirados, mescla de gêneros em boa medida – ritmos brasileiros e latinos –, ao mesmo tempo em que falta aquilo que deveria servir como principal ingrediente à bossa que os produtores tentam imprimir: melodias e canções memoráveis. Não que a ausência de hits assobiáveis impeça que o disco seja deglutido com prazer, até porque produzir FMs não parece ser, definitivamente, o intuito do projeto. Porém, a expectativa de que, ao menos, Sonantes traga canções que possam ser registradas em nosso inconsciente para depois serem lembradas e cantaroladas a qualquer hora do dia, infelizmente, não se concretiza.

O mesmo ocorria em 3 na massa, álbum que exercitava e sugeria, mesmo que sem êxito, uma intenção ou provocação sexual à la Nouvelle Vague, o que Sonantes não força ou pretende. Apegando-se ainda às referências eróticas, ambos, no entanto, sofrem de uma infeliz coincidência, falta-lhes o gozo final de uma obra bem-resolvida. Os dois projetos patinam em suas intenções, amarram tão bem seus discursos que acabam por aprisionar e extirpar da música sua principal tarefa, a conexão subjetiva, e não pensada, com o ouvinte. O conjunto de produtores aposta em uma masturbação estética isolada ao invés de buscar um encontro sensorial e, por que não, sensual entre as duas partes envolvidas em qualquer trabalho artístico, a interação entre arte produzida e espectador, no caso, ouvinte.

Difícil afirmar isso frente à verdade onipotente dos números que apontam quase 20 mil visitações no myspace da banda. Mesmo que inconscientemente, no entanto, seus idealizadores pareciam vislumbrar a dificuldade que teriam em prender a atenção dos ouvintes. Ao solicitar, no texto em que apresentam o trabalho, que nós (ouvintes) desbloqueássemos nossas vias auditivas antes de escutarmos o disco, seus produtores já temiam que Sonantes pudesse, assim como muitos outros, ser suprimido pela cera auricular imposta pela overdose de informações musicais da ?-modernidade.

O fato é que em meio a uma era em que "o BPM da vida moderna acelera mais e mais e que nem sempre existe a chance de separar o joio do trigo", Sonantes falha ao tentar cumprir seu papel de cotonete musical e seus idealizadores não conseguem evitar que este bem-estruturado projeto passe batido. Reafirmam, assim, mesmo que a contragosto, que a modernidade, o conceito, a tecnologia, a boa produção, o arsenal estético e as boas referências musicais de nada valem sem aquilo que de mais básico a arte necessita para não esvaziar-se: comunicação, o que poeticamente sugere: interação entre almas.

Premissas, intenções e deslizes à parte, ao menos um êxito perfila seguro ao longo das dez faixas do álbum. Ao aliar regionalismos à uma sonoridade tipo exportação, produzida ao gosto do que o mercado internacional, hoje, delimita como música brasileira contemporânea, Sonantes da conta do recado e, assim como o 3 na massa, tem de tudo para alçar vôos em palcos mundo afora, mesmo que para isso se apoie no enorme carisma e talento de sua, agora, vocalista oficial, Céu.


terça-feira, 3 de junho de 2008

I belive in Santogold



Não é de hoje que o fascínio com a cena musical do Brooklyn vem fazendo a minha mente. Já há algum tempo que meus tímpanos vêm sendo massageados por nomes como TV on the Radio, Antibalas, Sharon Jones & the Dap Kings, Yeasayer, MGMT e, agora, aquela que é considerada a nova menina dos olhos, ou melhor, a menina dos ovos de ouro, Santogold.

Desde o início do ano tento um entrevistão com Miss santo-de-ouro através de seu educado e escorregadio assessor (embarreirador) de imprensa, Aleix Martinez. Em fevereiro, na primeira oportunidade, senhoritaouro, ainda em estúdio, terminava de mixar o seu debut e colhia os louros pelos hits incluídos em seu maravilhoso EP, "I believe in Santogold". Não só acreditei na história, como também em sua música, em especial "L.E.S. Artists", uma empolgante referência à cena artística do Lower East Side nova-iorquino.

Semanas depois, o gentil e fluido assessor acenou negativamente à mais uma investida. Como justificativa foi-me passado que santod`oro repousava sua beleza negra frente às câmeras de vídeo, em Londres, para registrar o primeiro videoclipe de sua carreira. Prometendo assim que fosse possível entrar em contato, o afetuoso e liso assessor já deveria esperar, no entanto, que o tal contato fosse feito antes mesmo que ele se lembrasse dos interesses de um repórter instalado nos confins da sulamérica... Ali, bem perto do Congo.

Há duas semanas, terceira insistência, fui informado que santidadeouro havia perdido sua voz em uma recente turnê européia. Comovido fiquei, à ponto de não mandar o filho de uma puta do assessor tomar no meio do cú ao pedir que retornasse em uma semana. Retornei e descobri que Aleix Martinez chama-se agora Gaspar e que Santogold talvez seja mero fruto de minha esquizofrenia.




Surgida nos arredores de Bedstuy e Bushwick, no Brooklyn, Santogold é o nome do projeto idealizado pela cantora Santi White, ex-vocalista da banda indie-punk de Nova York, Stiffed. Compositora e produtora executiva de seus trabalhos, White reúne uma série de influências musicais para seu primeiro vôo solo, como o dub e música pop da década de 80. Descrita por blogs e publicações especializadas como um mistura da incendiária Karen O., vocalista dos Yeah Yeah Yeahs, e da musa funk internacional, M.I.A., Santogold é um verdadeiro combo, um soundsystem que carrega consigo as melhores referências da música pop.

– Começamos tentando escrever canções pop comerciais, algo que nos deixou bastante deprimidos. Então, ao invés daquilo, começamos a escrever canções para nós mesmos – revela Santogold.

Registrado o endereço, Brooklyn, no myspace da moça, seu trabalho não poderia deixar de lado a faceta experimental que ronda a cena do bairro nova-iorquino. Como uma espécie de camuflagem, Santogold é o veículo perfeito para a musicalidade sem fronteiras de sua criadora. Navegando entre melodias enfumaçadas e linhas vocais chapantes, faixas como L.E.S. Artistes e You`ll find a way, do EP I believe in Santogold, são guiadas por contundentes linhas de baixo, big beats, riffs de garage rock, hip-hop, dub e pop.

– As respostas às nossas canções, mesmo antes de materizadas, têm sido, apesar de prematuras, fenomenais – entusiasma-se Santogold – Estamos muito felizes que as pessoas encontrem esperança nas nossas melódicas interpretações sobre a vida, que partem sempre de um campo de batalha pelo amor. Esperamos que cada jovem de vinte e poucos, de San Francisco a Mumbai, além de curtir nossa música, aprenda algo a partir deste trabalho.

Ao lado de John Hill, vulgo Johnny Rodeo, ex-baixista da Stiffed e membro do grupo de produtores nova-iorquinos Shitake Monkey, Santogold caiu nas graças dos maiores DJs e produtores do momento. Para colaborar em seu disco, recentemente lançado, Santogold arregimentou gente de peso, como o produtor Mark Ronson (Amy Winehouse), Disco D, Switch, Freq Nasty, Diplo, Radioclit, o líder do Spank Rock, Naeem Juwan, além da amiga e parceira M.I.A.

Incensada pela mídia britânica Santogold mostra-se muito mais talentosa do que M.I.A. Cotada para o TIM Festival 2008, a moça promete, se vier, um dos mais quentes shows da noite.


segunda-feira, 2 de junho de 2008

New things






Após um estafante dia de trabalho decidi caminhar em direção aos intermináveis chopes do Baixo-Gávea, que varam madrugadas e cartões de crédito, sempre a postos e insones. Ao me deparar com a charmosa, mas careira, loja de CDs (?!), Tracks, não titubeei e adentrei o recinto. Ali, uma profusão de CDs intocados – como virgens santas doidas para serem acariciadas, bulinadas e ouvidas pelo menos por uma única vez – eram cuidadosamente organizados a fim de, pretensiosamente, seduzir algum desmiolado a desembolsar 60 pratas.

Pobres CDs; os larguei sem piedade, ou nostalgia, e parti rumo ao fundo da loja, onde uma minguada coleção de livros jazia disposta nas curtas e empoeiradas prateleiras do pequeno reservado dedicado aos amantes da literatura – musical, diga-se de passagem. E de passagem, como quem não quer nada, de uma hora para outra, senti-me entorpecidamente livre, assim como as frenéticas batidas do grupo afrobeat do Brooklyn, Antibalas, que explodiam quentes pelas caixas de som do local. Tomado de assalto pelas batidas negras que, àquela altura, subjugavam sem cerimônia meu já abalado inconsciente, tratei de apanhar duas pequenas jóias editadas pela Conrad.

O primeiro, "Abutre": obra de estréia do poeta, músico e escritor negro norte-americano, Gil Scott-Heron, ou, como preferem, um dos pais do Rap – quando o termo ainda significava ritmo e poesia. O segundo, "New thing": título que, para mim, era realmente novidade. Folheei suas poucas mais de 200 páginas e me interessei de imediato pela história escrita pelo coletivo literário Wu Ming, que narra o florescer da cultura afro-americana em fins da década de 60. Saquei no impulso meu cada vez mais fino, surrado e esvaziado cartão magnético à débito e silenciei o espírito com minhas duas pequenas new things.















New Thing

"New thing" não é apenas um romance, mas sim, como seu autor, Wu Ming 1, assinala: “um objeto narrativo não-identificado”. Assim como sua obra, o autor italiano e não chinês, como o nome sugere, também faz parte de um "coletivo de escritores não-identificados": batizado Wu Ming. Lançado em março pela Conrad, a obra usa e simula arquétipos do jornalismo investigativo, como depoimentos, entrevistas, artigos e notas para desenvolver um romance calcado em uma suposta realidade: a América negra nos turbulentos anos 60, onde as lutas de classe que se desenrolaram no período e o surgimento do free jazz servem como pano de fundo para uma onda de crimes e assassinatos que invadem os bairros negros de Nova York.

Seguindo a linha da chamada narrativa coral – consagrada no cinema por Robert Altman –, e na história oral de livros como "Mate-me por favor", de Legs McNeil, o autor cria uma verdadeira multidão de narradores-personagens, cujas histórias se encontram e se entrelaçam. Composto por uma extensa gama de entrevistas, documentos e anotações diversas o material condensa a partir de elementos distintos e, por vezes, desconexos uma rede de informações que mistura no mesmo turbilhão, jazz, cultura negra, política e violência.

A partir de depoimentos, ora atuais, ora de arquivo, o livro narra uma história em que as lutas pelos direitos dos afro-americanos no Brooklyn da primavera de 1967 ganham destaque. Exatamente um ano antes do explosivo 1968, quando o establishment norte-amerciano já estava de pernas para o ar, Martin Luther King liderava os protestos contra a guerra no Vietnã, Stokely Carmichael disseminava por toda parte a filosofia Black Power, assim como em Newark e Detroit conflitos de rua eram deflagrados por questões raciais, deixando dezenas de mortos e milhares de feridos. Na música, o título de um célebre álbum de Ornette Coleman passa a batizar um novo gênero musical: o free jazz, ou melhor, a new thing.

Já no Brooklyn, em Nova York, o assunto que mobilizava a comunidade local era uma misteriosa série de assassinatos que, em poucos meses, deixara mortos alguns dos mais ilustres representantes da vanguarda jazzística da cidade. Enquanto John Coltrane - um dos maiores músicos do século XX - morre consumido por um tumor, o misterioso assassino, apelidado "Filho de Whiteman" não pára de matar jazzistas famosos, ou não, assim como ativistas dos movimentos negros. Para a população em geral e para o aguerrido jornal Brooklynite, não havia dúvidas: os crimes eram motivados por ódio racial. Já para a polícia, os homicídios não possuíam relação entre si, muito menos com um suposto serial killer racista.

No entanto, teorias de conspiração começam a surgir e a tensão na cidade chega ao seu limite quando prefeitura, polícia, imprensa e representantes dos movimentos negros continuam a falar cada um à sua maneira, atendendo aos seus princípios – boa parte das vezes distantes e em completo desequilíbrio. Hipóteses das mais tresloucadas surgem sobre quem poderia ser o assassino e sobre o papel do governo dos EUA em todo o ocorrido.

Em uma verdadeira aula de contextualização histórica, Wu Ming 1 mostra conhecimento profundo dos temas postos em jogo, entre eles cultura negra, engajamento social, diferenças humanas, medos, desejos e arte popular, no caso, o jazz. O autor transporta o leitor ao centro dos fervilhantes bairros do Brooklyn e do Harlem nos anos 60. Uma viagem polifônica e nostálgica a dois dos mais genuínos e importantes pólos de efervecência da cultura negra e que, hoje, esvaziados pela especulação imobiliária, são apenas pálidas sombras do que um dia foram e representaram.

Wu Ming

Surgido em 2000, o coletivo de escritores, Wu Ming, compõem uma bem-sucedida rede internacional de sabotagem midiática e guerrilha cultural que abarca o universo do cinema, teatro, quadrinhos, artes plásticas, projetos multimídia e literatura. "Wu - Ming" é uma expressão chinesa, significa "sem nome" ou "cinco nomes", dependendo de como se pronuncia a primeira sílaba.

O nome do grupo tem tanto a intenção de homenagear a dissidência ("Wu Ming" é uma assinatura muito comum entre os cidadãos chineses que pedem democracia e liberdade de expressão) quanto de rejeitar a máquina de fabricar celebridades cuja linha de montagem transforma o autor em astro. A rigor, no entanto, os elementos do grupo não se dizem anônimos anônimos.

– Nossos nomes não são um segredo. No entanto, usamos cinco nomes artísticos formados pelo nome do grupo mais um número, seguindo a ordem alfabética dos nossos sobrenomes – explica Wo Ming 1, ou melhor, Roberto Bui, que é acompanhado por Giovanni Cattabriga, Wu Ming 2; Luca Di Meo, Wu Ming 3; Federico Guglielmi, Wu Ming 4; e Riccardo Pedrini, Wu Ming 5.

Entre 2000 e 2006, a obra de maior destaque internacional do grupo está no romance 54 (Conrad, 2005), thriller de espionagem internacional envolvendo o ator Cary Grant, o ditador iugoslavo Marechal Tito e o mafioso Lucky Luciano. Os membros do grupo também escreveram livros "solo", entre eles, New Thing, de Wu Ming 1, lançado em 2004 e só agora traduzido para o português. Ainda na praia do jazz, em 2007, também foi lançada uma coletânea de jazz dos anos 60 organizada por Wu Ming 1, The Old New Thing (composto por 2 CDs e um livro).