NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Wild Beasts: o ataque das bestas selvagens

Em 2002, Hayden Thorpe e Ben Little eram só dois moleques de 15 anos que aproveitavam o tempo fora da Queen Katherine School para começar uma banda. Criados na pequena e conservadora cidade de Kendal, queriam — como a maioria dos adolescentes do lugar — chocar os pais, colegas e quem mais viesse pela frente. E foi nesse espírito que batizaram o duo que tinham juntos de Fauve — termo francês que designa “bestas selvagens”. A cada ensaio, Hayden estrebuchava em gritos que tateavam cumplicidade com as angústias e inseguranças arremessadas pelos urros de Kurt Cobain. Apenas dois anos mais tarde, o cantor entendeu um sutil truque do destino, algo que o faria opor-se diametralmente às peculiaridades vocais do seu ídolo grunge: seus afeminados falsetos causavam reações tão fortes de estranhamento e magnetismo quanto os brados roucos e lancinantes de Cobain.

– Dos 14 aos 16 eu tentava desesperadamente soar como Kurt, bem ao estilo adolescente irritado e explodindo em testosterona que eu era. Achava que havia algo de errado comigo por ter uma voz mais suave e afeminada – recorda o líder e principal compositor do quarteto inglês Wild Beasts, Hayden Thorpe, em entrevista ao Jornal do Brasil.

Sentado à frente de um laptop, numa mesa do seu café favorito, em Leeds, o músico de 22 anos lembra que o desconforto e o medo em assumir sua voz o dominou até a descoberta de artistas como Leonard Cohen e The Smiths. Foi só aí que compreendeu que as palavras poderiam ser tão ameaçadoras quanto a mais violenta das ações.

– A minha voz permitia que eu envolvesse letras agressivas e as disfarçasse, como um cavalo de Tróia. Descobri a minha arma. Dizer coisa horríveis da forma mais bela possível era o meu modo de gritar “fuck you”. Era a minha rebelião.

Lançado em 2007, o primeiro álbum do quarteto, Limbo, panto já prenunciava suas particularidades sonoras, que lembram nomes como Elbow e Antony and the Johnsons. E é justo por força de seus agudos, e das vozes encorpadas de Tom Fleming (baixo) e Chris Talbot (bateria), que o segundo trabalho do grupo, Two dancers, tornou-se um fenômeno de crítica desde o lançamento, no mês passado.

– É um disco humano, com personalidade e caráter. Decidimos deixar que o acaso e os acidentes guiassem a sonoridade explica o músico. – É um álbum de tempo e espaço, um produto daquele ambiente. Acredito que as pessoas queiram sentir a presença dos artistas, em vez de um disfarce perfeito.

À primeira vista, a tríade vocal é o que os distingue das centenas de bandas que pululam o cenário indie inglês da atualidade. Mas não só. A cada verso atinado por Thorpe, impressiona a variedade e a complexidade dos questionamentos, sentimentos e desejos que se agitam na cabeça do compositor. Lançando mão de metáforas, simbolismos e poesia refinada, o grupo expõe um mundo de amores perdidos e lares despedaçados, numa montanha russa que reflete seu estado mental ao longo da última turnê , época em que deu talho às canções de Two dancers.

– A estrada é uma espécie de hiper-realidade, uma estranha condição de existência em que você passa a experimentar a vida num misto de estafa e lucidez. É um turbilhão de sentimentos que te leva a um perigoso nível de adrenalina. Tentamos condensar a beleza e a fragilidade desse complexo estado mental.

Referências explícitas a órgãos sexuais e cenas de orgias compõem o arsenal lírico e libidinoso do grupo. À flor da pele, mas longe de intenções meramente apelativas, Thorpe expressa o desejo de perturbar o puritanismo vigente – inglês ou não. Como alvo, a banda mira nos velhos tabus que ainda encontram guarida nos “liberados” anos 2000.

– O álcool e a vulnerabilidade das turnês aguçam a sensibilidade. Quando estamos sóbrios ou caretas não percebemos o que se passa com tanta clareza. As construções da nossa sociedade, que reprimem nossos desejos instintivos de sexo e violência, vão abaixo. E aí podemos dar vazão ao que nossos corpos desejam. Esse sentimento de crueza sexual e fome se infiltraram definitivamente no nosso trabalho. E é para isso que as canções, os poemas e arte servem. Revelam o que não podemos dizer no dia a dia. Se comunicam com todos nós da forma mais honesta possível.

Two dancers é esculpido por canções que tracejam dinâmicas próprias. Não que isso determine uma falta de conexão entre as faixas que se seguem. Muito porque o conceito estético e temático que permeia o álbum mantém-se, do início ao fim, intacto. Abre-se ao ouvinte uma espécie de ópera pop, em que interpretações dramáticas dão vida a personagens, com suas emoções, humores e intensidades. Dificilmente apreciado em todas as suas nuances numa primeira audição, Two dancers desvela sutis e instigantes paradoxos. O maior deles talvez seja a maturidade com que seus jovens componentes encaram o universo pop da sua geração.

– O pop tem essa qualidade mágica de ser um gênero sem limites, que não se fixa a um determinado tipo de ouvinte. E é por isso que colocamos em nossas canções todas as influências que nos tocam sem medo algum. O pop não requer grande inteligência. Sobrevive do nosso dom de interpretar e imaginar as coisas do mundo.

NYT: “Grandes ambições e músicas brilhantes”

Já na primeira passagem por Nova York, os ingleses do Wild Beasts conseguiram captar a atenção do jornal New York Times, que elogiou o grupo num texto recente. “Os Wild Beasts encaixam grandes ambições em sucintas e brilhantes músicas”, disse o diário, admirando a “mistura de inteligência e reflexos, invenção e destruição” da banda. Eles chegam a comparar o vocal melodramático de Hayden Thorpe aos de Morrissey e Bono – a semelhança com U2 vai também para a parte instrumental – e classificam as letras como “igualmente elegantes e feias”, como na música Hooting and howling. O som que as acompanha é definido pelo New York Times como camadas de esquisitices e complexidades musicais.

E não é só o jornal nova-iorquino que vem despejando elogios à banda. O semanário inglês NME (New Musical Express) admirou a “alquimia artística” do grupo, que faz o estranho parecer normal. “Em um ano de segundos álbuns não muito difíceis aparece o mais surpreendente de todos”, diz o veículo sobre o Two dancers. Eles destacam ainda a coesão do CD – quando “na era dos downloads”, a ideia de álbum não é mais tão importante: “Este é um disco no qual pular uma música parece sacrilégio”.

O site Pitchfork, conhecido pela exigência e arrogância nas críticas, deu a nota 8,4 para Two dancers. E destaca o falsete usado pelo vocalista Hayden Thorpe, “um som que apesar de tender à risada e ceticismo (...) ainda é uma arma altamente eficiente na guerra sem fim contra o indie cauteloso e sério”. O site ainda classifica a música This is our lot como um “hino para a era”, o tipo de música que os fãs que esperam o “retorno do rock” do Radiohead queriam que a banda soasse.

Apesar do elogioso retorno da crítica, Thorpe não se sente confortável com a vulnerabilidade de sua condição de elogiado ou humilhado. Referências freudianas, versos sobre narcisismo e obsessão refletem um leque de defesas contra a opinião alheia.

– É uma constante de estresse. Acho que o narcisismo age como um mecanismo de defesa. Você apenas precisa ser bravo o bastante para refletir ao final de cada dia e se questionar o que tem a perder.

Num mundo em que as portas da web permitem que o mais renomado especialista ou o mais afoito adolescente destrinchem opiniões, unanimidade tornou-se um termo utópico. Mas bem que o Wild Beasts chega perto.

– O que é positivo dessa repercussão é perceber que os críticos nos deram o mérito da dúvida. Certamente os fizemos confrontar ideias pré-concebidas. A vida pública da nossa banda situa-se num patamar diferente da nossa existência como um grupo de garotos que apenas ama se reunir para tocar e compor.

Hooting & howling:




All the king's men:

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