NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Felipe Vidal encena ‘Sutura’, polêmico texto do autor britânico Anthony Neilson

A literatura não é mais a arte-mãe. Nem o próprio teatro é referência central. Cinema, quadrinhos, videoclipes e música pop explodem da construção dramatúrgica. E é como se a encenação se transformasse num show ao vivo, de uma banda de rock: visceral, impactante, que insere o público e o faz interagir com o que ocorre sobre o palco. A definição refere-se ao In-yer-face theatre, teatro provocativo surgido a partir da década de 90, na Inglaterra, cujos expoentes são Sarah Kane, Mark Ravenhill e Anthony Neilson. É dessa multiplicidade de influências, todas incrustadas na dramaturgia através de fragmentos de letras de música ou cortes eminentemente cinematográficos, que nasce o interesse pelo teatro que Felipe Vidal, 35, acostumou-se a por em cena. Após montar Purificado (2002), primeiro texto de Sarah Kane apresentado no país; O mundo maravilhoso de Dissocia (2007), de Anthony Neilson; e trazer aos palcos o celebrado Rock’n’roll (2009), de Tom Stoppard, o diretor volta a investigar Neilson, com o espetáculo Sutura, em cartaz no Oi Futuro.

– O que me interessa e me aproxima ao teatro desses autores é entender o funcionamento da construção dramatúrgica, a maneira como ela provoca uma relação natural e intensa com a plateia – explica Vidal. – Neilson faz uma arte de impacto, estabelece sensações muito fortes. Não se relaciona apenas intelectualmente com o espectador, ele nos agarra pelo estômago. Não conta só uma história, troca experiências.

Relação vista como jogo


A sensação é de que as palavras, pouco a pouco, inserem esse espectador na peça. Um teatro que busca, acima de tudo, interação.

– É fruto de uma geração que cresceu absorvendo estímulos variados, um amplo cruzamento de referências. Buscamos interagir. A literatura e o teatro não são mais os oráculos. Neilson faz peças conectadas ao cinema.

Na adaptação de Vidal, Sutura narra os encontros e desencontros causados pela impossibilidade de comunicação entre um homem uma mulher. No primeiro ato, passado no apartamento do casal, os dois se encontram para reavaliar o futuro e os (des)caminhos de um tempestuoso relacionamento, que é abalado por uma gravidez repentina. Com o palco dividido por um fino voil, o segundo ato, localizado num decadente conjugado, apresenta o início de uma série de fantasias e desconcertantes jogos sexuais. Aos poucos, a radicalização e a intensidade do que ocorre em cada um dos lados passa a desvendar a conexão de uma mesma história. A ponto de a cortina, literalmente, cair.

– Um lado passa a explicar o outro e vice-versa. É como uma quadra esportiva: o voil é como uma rede que funciona como símbolo deste outro lugar no tempo, da visão um pouco velada que temos do passado ou futuro. O texto trata de como nos posicionamos num relacionamento. A partir de uma situação simples, Neilson traça uma obra complexa.

Ao iniciar uma pesquisa sobre dramaturgos contemporâneos no início dos anos 2000, Vidal deparou-se com os escritos de Sarah Kane. Lançada pelo The Royal Court Theatre em 1995, com a peça Blasted, a dramaturga construiu uma carreira tão curta e intensa como sua vida. Em 1999, aos 28 anos, cometeu suicídio. Deixou a pesquisadores como Vidal quatro peças de tirar o fôlego, em que mescla amor, drogas, cenas de incesto, horrores de guerras, devastações e mutilações humanas.

– Fiz a curadoria de leituras para um evento e tentei trazer gente de fora, como o crítico Aleks Sierz, que havia escrito um livro chamado In-yer-face theatre. Ele dedica capítulos exclusivos a três autores: Kane, Ravenhill e Neilson, que era o único que eu não conhecia. Entrei em contato com o Sierz e ele enviou o livro, perguntando se eu não gostaria de traduzir. A partir daí, conheci os textos e decidi montar.

Diretor do longa The debt collector, Neilson teve O maravilhoso mundo de Dissocia (2004) comparado ao cinema de David Lynch. Nela, submerge à loucura de uma personagem com desordem dissociativa. Já em Sutura, cunhada em 2002, faz referências a Auschwitz e investiga relações carnais e jogos sexuais.

– Esses textos estrearam no Royal Court, uma espécie de celeiro de onde surgem temáticas e pesquisas muito arrojadas.

Para o ano que vem, Felipe carrega na manga uma nova montagem. E, é claro, outro dramaturgo inglês será revelado.

– Martin Crimp é montado no mundo todo, menos aqui. Atentados contra a vida dela será minha nova empreitada de pesquisa.

Nenhum comentário: