NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

domingo, 25 de maio de 2008

Expresso do 'hype'



Punk, pós-punk, new wave, tecno pop, new romantic, grunge, electrônica: a salada de gêneros e rótulos que povoou a música pop nos últimos 30 e tantos anos deve muito de sua validade à influência do semanário musical inglês New Musical Express, sinônimo de construção (e destruição) de modismos musicais desde 1952.

A última tentativa da revista de criar um novo hype no cenário musical inglês (e, por tabela, no mundo) foi o chamado new rave – termo surgido em 2006 e usado para caracterizar a música dos grupos Foals, Friendly Fires, Does it Offend You, Yeah? e Late of the Pier, todos ainda em seus singles e/ou álbuns de estréia. Endossados pelo cada vez mais sensacionalista e paranóico semanário britânico, New Musical Express (NME), aparentam, no entanto, não conseguir o mesmo feito e fôlego gerado por ondas hypes anteriores, que aos ipods do mundo todo apresentaram bandas como Franz Ferdinand, Kaiser Chiefs e Artic Monkeys.

– Não sei até que ponto o alcance da NME chega ao Brasil. Mas na Inglaterra é tratada como uma publicação infâme por tentar incendiar e, meses depois, deixar estas mesmas bandas de lado. Ardendo, sem chama alguma, na fogueira do esquecimento – ilustra o tecladista do Foals, Edwin Congrave. – Sei que o hype é falso e altamente destrutivo e tenho certeza absoluta que a circulação e vendagens da NME estão caindo rápido o bastante para dizer que brevemente irão apenas permancer na versão on-line. Aí terão que competir diretamente com sites como Drowned in sound e Pitchforkmedia, que estão em um outro nível.

De acordo com Edwin, publicações como a NME escrevem sobre quais bandas conseguiram chegar lá e sobre as ambições dos novos artistas, antes mesmo que tenham lançado mais de um single. Além disso, revela a dúbia e incestuosa relação entre a máquina hype da publicação e o lobby que faz girar as engrenagens das ferozes assessorias de imprensa inglesas.

– Eles trabalham de mãos atadas com agências de imprensa, obviamente interessadas em todo este negócio. Estão sendo bons com a gente, não posso negar. Embora, à medida que falam sobre nossa música, surgem, na mesma proporção, uma série de controvérsias.

Cercado pelo mito, ou mico, da new rave, o Friendly Fires é mais um expoente deste que seria um novo gênero musical. O hype, no entanto, não deixa o trio formado por Ed MacFarlane (voz), Edd Gibson (guitarra) e Jack Savidge (bateria) em uma situação confortável.

– Não estamos envolvidos por esta cena, bandas ou nas rodas do mundo fashion ou social. Apenas queremos fazer as coisas de acordo com a nossa vontade e inspiração, e tentar não se atolar por toda a merda que rola no East London – rebate o vocalista e principal compositor, Ed MacFarlane.
A classificação, apesar de irritar o vocalista e limitar a musicalidade do grupo, não é totalmente desprezível, já que uma das características principais da sonoridade do FF é a mistura de batidas dançantes aceleradas, teclados sintetizadores, guitarras espaciais e muito groove para as pistas de dança. É o que há de mais "moderno" no cenário indie inglês, ou seja, dar nova roupagem a sonoridade pop oitentista, adicionando o ritmo eletro à melodias pop pegajosas. Resultado: dance-punk-funk para não deixar ninguém parado.

– Estaria mentindo se dissesse que não me preocupo ou me animo se as pessoas estão dançando ou não – revela MacFarlane, que além do incensado single Paris, desenhou a explosiva releitura de Your Love, pinçada do repertório do ídolo da cena house de Chicago, Jamie Principle. – Nossa principal intenção era escrever música pop dançante com uma pegada melódica forte. Kompact Records tem sido uma grande influência. Nós amamos como o selo tradicionalmente combina batidas fortes de house com melodias afetadas e luxuriantes.

Taxados insistentemente como uma banda geek, math-rock e new rave, o quinteto de Oxford conhece de cor e salteado os rótulos que a imprensa inglesa lhes empresta. Nem aí para qualquer convenção, eles afirmam ser influenciados tanto pelo minimalismo do compositor erudito Steve Reich, como também pelo pop dançante de artistas como Gwen Stefani e Nelly Furtado.

– Queríamos fazer música que fosse bastante técnica, que não fosse apenas música de festa, mas que ao mesmo tempo você pudesse dançar bastante com ela – explica o vocalista Yannis Philipakis, que sustenta o som dançante da banda sem acordes ou riffs de guitarras, apenas com notas soltas, executadas agudas e altas.

Apontados pelo editor-chefe da NME, Conor McNicholas, como a bola da vez de 2008, o Late of the Pier ainda trabalha em estúdio para finalizar o seu debut, que será lançado no segundo semestre pelo respeitado selo Parlophone. Enquanto isso, outro expoente do gênero, o quarteto eletro-rock Does it offend you, yeah?, colhe amargas resenhas para o seu álbum de estréia, 'You have no idea what you're getting yourself into'; publicadas por prestigiosas revistas inglesas, como a Mojo, e pelo jornalão The Guardian, que, em janeiro deste ano, destacou extenso artigo sobre o movimento.

– Nos anos 90 assisti ao show do Prodigy no Reading Festival e soube de imediato o que eu gostaria de fazer – contou ao jornal inglês o guitarrista James Rushent, que apresenta resposta para o escalafobético colorido de suas roupas. – Isto é uma resposta aos anos cinzentos em que indies cerebrais comandavam as festas.

Ao invés de comandar laptops em cima dos palcos, como muitos dos artistas que conduziram as raves inglesas nos anos 90 fizeram, os novos atos produzem som dançante a partir de baixo, guitarra e bateria, além de muitos sintetizadores.

– Em 1995 os Chemical Brothers já levavam seus laptops aos palcos, não vejo motivo para fazer isso agora. Queremos fazer as pessoas dançarem. Se chamam isso de new rave, não importa, o que vale é a festa.

Os new ravers ingleses, desde o início do ano, não aportam com seus singles e álbuns encabeçando os charts da BBC Radio1, que serve como comparativo à Billboard americana. Preteridos pelas novas divas, Adele, Duffy e Estelle, e pela força ainda pungente de melosas artistas R&B, caso de Mariah Carrey e da novata Leona Lewis, a safra inglesa versão 2008 patina, desengonçada e mambembe na arapuca criada para salvar a ansiosa e hiperativa juventude da geração hype.

– Realmente não quero e nem pretendo ser um ídolo da geração indie. Talvez esteja se referindo a músicos como Pete Doherty, que usam a credibilidade de seu status para manter as pessoas interessadas em colocá-los nos jornais e revistas de fofocas baratas. Este tipo de coisa me aborrece sensivelmente. Acho que celebridade é uma palavra praticamente sem sentido para se referir a um músico de sucesso, é sinônimo de pessoas sem talento, participantes de reality shows ou mulheres de jogadores de futebol – metralha o vocalista da incensada nova promessa dançante, Friendly Fires.

Com contrato assinado recentemente com a XL Recordings (Radiohead e Raconteurs), Ed McFarlane nega intenção, mesmo que inconsciente, de seguir a onda disco-punk em voga. O vocalista rebate insinuações de que sua banda faz parte de um empacotamento mercadológico e editorial e apesar de confirmar, através de suas influências, que segue tendências musicais antenadas, sustenta com veemência e frases de efeito a distância entre o hype e a arte.

– Não fomos catapultados pela imprensa e nem colocamos a faca na garganta das pessoas para ouvirem nossa música. Quero que todas as nossas músicas soem como perfeitas canções pop e as vezes isso não é tarefa das mais fáceis. Estou satisfeito pelo que conseguimos com nossos dois EPs e com o single, Paris, porque pudemos construír lentamente todo este hype – afirma MacFarlane.

Assim como MacFarlane, que procura não se iludir com a precoce exposição que o single Paris conferiu ao Friendly Fires, o baixista do Foals faz questão de salientar que sua banda não irá e nem pretende renovar o cenário indie inglês, que, em 2007, catapultou o trio Klaxons e os brasileiros do CSS como representantes da new rave.

– Não pretendemos regenerar coisa alguma, pois sabemos que intervenções auto-conscientes tendem a falhar. É o que acontece com aquilo que resolveram chamar de new rave, que, para mim, está acabado e falhou. Tentar criar algo espontâneo e transgressor sem ter a ver com a música e, sim, com a cena e com o tipo de vida, seria corrupto. Sabemos que todas estas cenas são inventadas para vender revistas e discos – sentencia. – O CSS está fazendo um ótimo trabalho aqui, assim como o Bonde do Role, mas a imprensa não fala mais nada além disso. A música brasileira não é tocada nas rádios e, com a nuvem hype de música disponível online fica difícil para as pessoas descobrirem coisas por si mesmas.

Myspace, youtube e afins

Apesar de satisfeito em notar a eficiência de ferramentas como o myspace e o youtube para a disseminação quase viral de suas canções pela internet, o vocalista do Friendly Fires é cauteloso.

– Você pode contabilizar milhões de visitações na sua página do Myspace ou nos vídeos que disponibilizamos no Youtube, mas mesmo assim você permanecerá falido – garante.

Se não deixa de mostrar entusiasmo com a possibilidade de ter suas canções na boca de jovens localizados em países tão distantes da cena em que sua banda foi criada, o cantor, ao mesmo tempo, não se ilude e faz questão de mostrar que não perdeu o romantismo e muito menos se sente coagido pelos programas de compartilhamento de arquivos mp3.

– Por um lado é bom, mas acho que este tipo de coisa não beneficia os verdadeiros amantes da música. Sinto falta da tarefa de caçar música em sebos e lojas, assim com o prazer de ter em mãos um CD ou um vinil e finalmente de ter expectativa antes de poder escutá-lo.

A fim de deixar claro que não se trata de um Fausto versão século XXI – personagem imortalizado por Goethe, que vende sua alma em troca de poder, dinheiro, fama e apelo popular – o tecladista do Foals, Edwin Congrave deixa claro que não gostaria de ser comparado com artistas que se despem da arte e se vestem de atos e atitudes sonoras que falam menos como música e mais como arquétipos publicitários.

– Fico apenas cauteloso com um tipo de celebração desqualificada. Agora que nosso álbum foi lançado fico mais tranqüilo. Espero que o hype seja amenizado, pois sei que pelo menos puderam ouvir o nosso trabalho antes de escrever textos repletos de clichês retirados de uma caixa recicladora de chavões jornalisticos – espera. – Espero que todos possam tirar benefícios desta explosão dos meios e mídias de comunicação, mas há muito perigo envolvido. É algo que acho que deveríamos estar mais alerta, pois sinceramente não sei no que vai dar.

Cena indie americana

Mostrando uma ponta de inveja do cenário indie dos EUA, Edwin pôde acompanhar de perto publicações e as novas bandas do cenário underground americano. Contratados recentemente pela gravadora ícone da cultura alternativa americana, Sub Pop, por onde lançaram seu disco de estréia, Antidotes, os ingleses fazem pela segunda vez no ano uma turnê pelas principais cidades americanas.

– Nós prestamos bastante atenção nos EUA, nos sites e nas revistas especializadas e realmente ficamos invejosos. Sei que na cena indie americana rola toda aquela ciumada e brigas internas, mas sinto que as bandas recebem mais tempo para criar suas próprias identidades. Elas não ganham tanta atenção até pelo menos lançarem um primeiro disco e excursionarem bastante. Assim, o hype é construído de forma mais lenta, mais paciente, e, por isso, com mais respeito aos artistas – acredita Congrave.

O músico cita como exemplo a banda conduzida pelo produtor do primeiro álbum do Foals, o guitarrista Dave Sitek, do TV on the Radio, que emprestou seções de metais e intervenções percussivas de afro-beat, providenciadas pelo grupo nova-iorquino Antibalas, ao som math-disco-punk do Foals. Apenas depois de anos de turnê e do lançamento de seu terceiro disco, Return of the Cookie, a banda de Sitek pôde colher os louros e o aval de críticos hypes (ou não), que o puseram no topo das listas de melhores do ano de 2006.

– Agora eles puderam se afastar tocar projetos paralelos, que irão sanar a curiosidade de fãs a partir de uma nova perspectiva, real e repleta de sentidos. É praticamente impossível imaginar que isto aconteça com uma banda britânica – lamenta.

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