Entre a finalização e o lançamento de seu segundo curta-metragem, Beijo de sal(2006), e este abril de 2008, mais de 40 festivais nacionais e internacionais, além de dez prêmios – entre eles o de melhor ficção no último Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro (2007) – repousam impressos no currículo do diretor carioca Fellipe Gamarano Barbosa.
Dividindo tempo entre a pré-produção de sua estréia em longas, intitulado Cotas, e maquinando idéias para novos curtas, o cineasta, de 27 anos, não esboça ar blasé ao ver seu pequeno e belo filme de 18 minutos listado para mais uma competição, o Grande Prêmio Vivo de Cinema, cuja cerimônia de premiação será realizada hoje à noite, no Vivo Rio, no Flamengo.
– Sou fã dos curtas contra os quais estou concorrendo – afirma, modesto, o cineasta, que concluiu recentemente mestrado em cinema na Columbia University, em Nova York. – Não acredito nessa história de melhor filme.
Os seis anos de estudos acadêmicos não foram suficientes para demolir sua cor morena. Há poucos dias de volta ao Rio, aproveitou o fim de semana de praia para botar o papo, o sol e, principalmente, o sal em dia, tudo para que Beijo de sal também possa ganhar recarga de energia, logo mais.
– Não faço filmes para mim mesmo, não acredito nisso – diz. – Faço filme para comunicar algo, uma experiência.
Ao sorver influências de cineastas como John Cassavetes e os irmãos Dardenne, Barbosa aposta numa estética naturalista para traçar a história de dois amigos, que se reencontram às vésperas da virada do ano. O fascínio do mais velho e influente, Rogério, ao reencontrar Paulo se desmancha pela presença da namorada do mais moço, na casa em que ambos dividiam suas desventuras enquanto solteiros. Ao sugerir uma atração homossexual inconsciente entre os personagens, colhe os louros de sua fita em mostras competitivas voltadas para o público GLS mundo afora.
– Esse filme está tendo uma sobrevida que vai além de minhas expectativas – admite. – Um ano e meio depois de lançado, ainda segue firme e continuo a receber convites. Além deste prêmio, agora, ele está percorrendo os festivais com temática GLS da Europa, como em Istambul, Londres, Torino. Parece que o filme resolveu sair do armário – brinca o diretor.
Incluído na lista das 25 novas caras do cinema independente, pela Filmmaker Magazine, Beijo de sal foi festejado pela crítica de publicações influentes, como o jornal The New York Times e a revista New York Magazine, que o considerou o melhor curta do Festival de Sundance, em 2007, na mostra competitiva idealizada pelo produtor, diretor e ator Robert Redford. Não à toa, ao ganhar projeção no concorrido mercado independente americano, o projeto para seu primeiro longa-metragem (co-escrito com Karen Sztajnberg) foi recentemente selecionado para o laboratório de roteiros do Sundance Institute – o mesmo por onde passaram Casa de areia (Andrucha Waddington) e Central do Brasil (Walter Salles).
– Em janeiro, tive a oportunidade de conviver e aprender com alguns roteiristas e cineastas incríveis, como Thomas Vinterberg e Rodrigo Garcia – recorda o cineasta, que, após passar por mais uma seleção, se prepara para uma nova jornada no instituto de Redford. – Agora, em junho, volto para participar de uma oficina de direção para o desenvolvimento de Cotas.
Ao explorar assuntos como medo, etnia, classe, privilégio e despertar sexual na decadente elite carioca, Cotas registra a trajetória de Jean, um adolescente que tenta se esquivar da superproteção dos pais durante o ano do vestibular. É uma história em que questões de classe estão sempre presentes, mas quase nunca são confrontadas pela família, capitaneada por uma mãe e um pai que, à beira da falência, concordam em esconder do filho de 16 anos, Jean, a bancarrota, até que ele passe no vestibular. O ano é 2004 e o exame se tornou ainda mais competitivo, devido ao polêmico sistema de cotas estabelecido em um país em que etnia não se define tão facilmente.
– Não sei se posso dizer que é biográfico, mas é bastante pessoal. Lida com temas que me interessam e que já vivi – revela Fellipe, que estudou sob o severo comando dos monges no tradicional Colégio de São Bento. – Quero fazer este filme logo. Sinto urgência no assunto.
O cineasta pernambucano Lírio Ferreira aplaude a ascensão:
– Ele trabalhou como meu assistente em O homem que engarrafava as nuvens, que ainda está em pós-produção. É atuante no set, vê tudo que o cerca, questiona tudo e propõe soluções.
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Apesar do assédio e do bom posicionamento no mercado independente dos Estados Unidos, o cineasta afirma não ser fácil conseguir captar verbas para sua primeira incursão no universo do longa-metragem.
– Lá fora é difícil captar apoio, já que o filme será rodado no Brasil e conta com elenco de atores brasileiros. No Brasil, no entanto, não é fácil conseguir apoio de uma produtora, pois existem muitos projetos na fila e eu estou há um bom tempo fora. Meu filme está inscrito em alguns editais e espero que seja aprovado – diz Fellipe, que bancou Beijo de sal, rodado em 16 mm, sem nenhum centavo público, apenas dinheiro recebido em premiação por uma disciplina da faculdade, o New Line Award.
A limitação financeira, aliás, forçou o diretor a fazer escolhas que até certo ponto simplificaram a concepção estética e definiram características cruciais do premiado curta. Ao escolher um não-ator, Rogério Trindade, para o papel principal, apostando em seu carisma, Fellipe optou por estar rodeado de pessoas amigas, com quem tem intimidade, ao invés de profissionais.
– Tudo começa e termina na personalidade do Rogério. É alguém que de fato tem tudo e todos, mas que no fundo é muito triste e vazio. Não chamo nem um pouco atenção para mim e para a câmera; é o que menos importa. O filme foi um exercício onde conscientemente procuro não me mostrar – pontua o diretor, justificando sua direção um tanto quanto discreta.
Além da premissa estilística, Fellipe faz questão de frisar o conflito existente entre a intrusão de grandes aparatos de filmagem e a tentativa de capturar realidade. Atrito ideológico que, na opinião do diretor, se acentua em um país desigual como o Brasil.
– Tinha 10 mil dólares e limitei ao máximo o aparato, pois se o grande objetivo é capturar realidade, isto ajuda muito os atores. Mais do que isso, no entanto, não me sentiria confortável em utilizar orçamentos milionários, um aparato imenso, caminhões de luz, pra filmar num país pobre e tão desigual como o nosso. Neste ponto, eu gosto de olhar pra Cassavettes, ou Maurice Pialat, para ter certeza de que o melhor cinema não necessita de muito dinheiro. Deveríamos olhar um pouco mais para o legado de Glauber, e como seu cinema foi consistente com o que ele escreveu. Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça – destaca Fellipe.
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Histórico:Ganhador do Grande Prêmio Vivo de Cinema, na última terça-feira, como melhor curta na categoria ficção. Exibido no maior festival de curtas do mundo, o francês Clermont-Ferrand (2007), Gramado (2006), New York Short Short Cuts Film Festival (2007), além de Sundance, "Beijo de Sal" ganhou os prêmios de melhor filme e melhor direção pelo júri do Festival de Cinema da Columbia University, melhor ficção no Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro - Curta Cinema, melhor filme no Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, além do prêmio máximo de melhor curta-metragem ibero-americano no Festival Internacional de Cine, em Guadalajara, México (2007).
Dividindo tempo entre a pré-produção de sua estréia em longas, intitulado Cotas, e maquinando idéias para novos curtas, o cineasta, de 27 anos, não esboça ar blasé ao ver seu pequeno e belo filme de 18 minutos listado para mais uma competição, o Grande Prêmio Vivo de Cinema, cuja cerimônia de premiação será realizada hoje à noite, no Vivo Rio, no Flamengo.
– Sou fã dos curtas contra os quais estou concorrendo – afirma, modesto, o cineasta, que concluiu recentemente mestrado em cinema na Columbia University, em Nova York. – Não acredito nessa história de melhor filme.
Os seis anos de estudos acadêmicos não foram suficientes para demolir sua cor morena. Há poucos dias de volta ao Rio, aproveitou o fim de semana de praia para botar o papo, o sol e, principalmente, o sal em dia, tudo para que Beijo de sal também possa ganhar recarga de energia, logo mais.
– Não faço filmes para mim mesmo, não acredito nisso – diz. – Faço filme para comunicar algo, uma experiência.
Ao sorver influências de cineastas como John Cassavetes e os irmãos Dardenne, Barbosa aposta numa estética naturalista para traçar a história de dois amigos, que se reencontram às vésperas da virada do ano. O fascínio do mais velho e influente, Rogério, ao reencontrar Paulo se desmancha pela presença da namorada do mais moço, na casa em que ambos dividiam suas desventuras enquanto solteiros. Ao sugerir uma atração homossexual inconsciente entre os personagens, colhe os louros de sua fita em mostras competitivas voltadas para o público GLS mundo afora.
– Esse filme está tendo uma sobrevida que vai além de minhas expectativas – admite. – Um ano e meio depois de lançado, ainda segue firme e continuo a receber convites. Além deste prêmio, agora, ele está percorrendo os festivais com temática GLS da Europa, como em Istambul, Londres, Torino. Parece que o filme resolveu sair do armário – brinca o diretor.
Incluído na lista das 25 novas caras do cinema independente, pela Filmmaker Magazine, Beijo de sal foi festejado pela crítica de publicações influentes, como o jornal The New York Times e a revista New York Magazine, que o considerou o melhor curta do Festival de Sundance, em 2007, na mostra competitiva idealizada pelo produtor, diretor e ator Robert Redford. Não à toa, ao ganhar projeção no concorrido mercado independente americano, o projeto para seu primeiro longa-metragem (co-escrito com Karen Sztajnberg) foi recentemente selecionado para o laboratório de roteiros do Sundance Institute – o mesmo por onde passaram Casa de areia (Andrucha Waddington) e Central do Brasil (Walter Salles).
– Em janeiro, tive a oportunidade de conviver e aprender com alguns roteiristas e cineastas incríveis, como Thomas Vinterberg e Rodrigo Garcia – recorda o cineasta, que, após passar por mais uma seleção, se prepara para uma nova jornada no instituto de Redford. – Agora, em junho, volto para participar de uma oficina de direção para o desenvolvimento de Cotas.
Ao explorar assuntos como medo, etnia, classe, privilégio e despertar sexual na decadente elite carioca, Cotas registra a trajetória de Jean, um adolescente que tenta se esquivar da superproteção dos pais durante o ano do vestibular. É uma história em que questões de classe estão sempre presentes, mas quase nunca são confrontadas pela família, capitaneada por uma mãe e um pai que, à beira da falência, concordam em esconder do filho de 16 anos, Jean, a bancarrota, até que ele passe no vestibular. O ano é 2004 e o exame se tornou ainda mais competitivo, devido ao polêmico sistema de cotas estabelecido em um país em que etnia não se define tão facilmente.
– Não sei se posso dizer que é biográfico, mas é bastante pessoal. Lida com temas que me interessam e que já vivi – revela Fellipe, que estudou sob o severo comando dos monges no tradicional Colégio de São Bento. – Quero fazer este filme logo. Sinto urgência no assunto.
O cineasta pernambucano Lírio Ferreira aplaude a ascensão:
– Ele trabalhou como meu assistente em O homem que engarrafava as nuvens, que ainda está em pós-produção. É atuante no set, vê tudo que o cerca, questiona tudo e propõe soluções.
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Apesar do assédio e do bom posicionamento no mercado independente dos Estados Unidos, o cineasta afirma não ser fácil conseguir captar verbas para sua primeira incursão no universo do longa-metragem.
– Lá fora é difícil captar apoio, já que o filme será rodado no Brasil e conta com elenco de atores brasileiros. No Brasil, no entanto, não é fácil conseguir apoio de uma produtora, pois existem muitos projetos na fila e eu estou há um bom tempo fora. Meu filme está inscrito em alguns editais e espero que seja aprovado – diz Fellipe, que bancou Beijo de sal, rodado em 16 mm, sem nenhum centavo público, apenas dinheiro recebido em premiação por uma disciplina da faculdade, o New Line Award.
A limitação financeira, aliás, forçou o diretor a fazer escolhas que até certo ponto simplificaram a concepção estética e definiram características cruciais do premiado curta. Ao escolher um não-ator, Rogério Trindade, para o papel principal, apostando em seu carisma, Fellipe optou por estar rodeado de pessoas amigas, com quem tem intimidade, ao invés de profissionais.
– Tudo começa e termina na personalidade do Rogério. É alguém que de fato tem tudo e todos, mas que no fundo é muito triste e vazio. Não chamo nem um pouco atenção para mim e para a câmera; é o que menos importa. O filme foi um exercício onde conscientemente procuro não me mostrar – pontua o diretor, justificando sua direção um tanto quanto discreta.
Além da premissa estilística, Fellipe faz questão de frisar o conflito existente entre a intrusão de grandes aparatos de filmagem e a tentativa de capturar realidade. Atrito ideológico que, na opinião do diretor, se acentua em um país desigual como o Brasil.
– Tinha 10 mil dólares e limitei ao máximo o aparato, pois se o grande objetivo é capturar realidade, isto ajuda muito os atores. Mais do que isso, no entanto, não me sentiria confortável em utilizar orçamentos milionários, um aparato imenso, caminhões de luz, pra filmar num país pobre e tão desigual como o nosso. Neste ponto, eu gosto de olhar pra Cassavettes, ou Maurice Pialat, para ter certeza de que o melhor cinema não necessita de muito dinheiro. Deveríamos olhar um pouco mais para o legado de Glauber, e como seu cinema foi consistente com o que ele escreveu. Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça – destaca Fellipe.
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Histórico:Ganhador do Grande Prêmio Vivo de Cinema, na última terça-feira, como melhor curta na categoria ficção. Exibido no maior festival de curtas do mundo, o francês Clermont-Ferrand (2007), Gramado (2006), New York Short Short Cuts Film Festival (2007), além de Sundance, "Beijo de Sal" ganhou os prêmios de melhor filme e melhor direção pelo júri do Festival de Cinema da Columbia University, melhor ficção no Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro - Curta Cinema, melhor filme no Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, além do prêmio máximo de melhor curta-metragem ibero-americano no Festival Internacional de Cine, em Guadalajara, México (2007).
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