NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

sábado, 28 de março de 2009

Rio-Curitiba-Rio

# Curitiba–Rio acompanhando o mar de nuvens brancas e densas que circundam o avião, enquanto lá embaixo o litoral é recortado perfeitamente num satélite real e o sol fulminante devassa a janela com seu calor: amarelo, laranja e VERMELHO, quando é chegada a hora da aterrissagem. Cai a noite, vento frio que corta o descampado que é o aeroporto. Uma hora e pouco de voo. O bastante para ler o depoimento completo concedido por Vinicius de Moraes ao Museu da Imagem e do Som, em 1967. Na mesa, Otto Lara Resende, Lúcio Rangel e Alex Viany provocam e adulam o mestre numa conversa deliciosa. Aliás, como são prazerosas as leituras das entrevistas da série Encontros, publicada pela Azougue desde o ano passado. De Milton Santos, passando por Maio de 1968 e aportando em Vinicius, Gilberto Gil, Tropicália, Jorge Mautner, entre muitos outros. Todos captados ao longo dos anos enquanto acompanhamos a evolução do pensamento de cada um. Na volta, passei de Vinicius a Gil. Poucos cinco anos depois, 1972, Gil voltando da Inglaterra em entrevista (para a revista Bondinho) daquelas super extensas, tiradas do gravador e reproduzidas sílaba por sílaba, reticências, modos, manias, jeitos, cê tá entendendo? - repetia Gil ao fim de suas muitas viagens internas, externas, cósmicas e metafísicas. Era ano de Expresso 2222 e tempo de reavaliar todo o ciclo da Tropicália. Aliás, o livro Bondinho, também lançado pela Azougue ano passado, contém entrevistas lindíssimas na íntegra. Valioso trabalho de resgate e memória.

# Mas enfim, tudo isso foi o caminho até Curitiba, de onde cheguei agora pouco após cobrir os últimos dias do Festival. Confesso que fora com um pé atrás. Meia-hora antes de partir da redação, matéria colada na página para a edição de sábado, e chega um aviso da assessoria que Rock'n'roll havia sido cancelada do festival. Era justamente essa adaptação para o texto do tcheco, mas naturalizado inglês, Tom Stoppard, dirigida por Felipe Vidal e Tato Consorti, que chamara minha atenção. Descaso da produção de um lado, intrasigência dos produtores da peça do outro, e o público, jornalistas, amantes do teatro e afins a ver navios.

# Saí do avião e me meti numa sala escura de cara. Em cartaz no Sesc da esquina uma interessante produção de Fortaleza, Os lesados. De início belíssimo: homens-máquinas, figurinos, movimentos perfeitamente angulados e harmônicos, luz idem. Em pauta: solidão e, principalmente, comodismo, acomodação, acomoda a ação... sono a partir da metade. Boas interpretações para o texto inteligente mas demasiado repetitivo de Rafael... Pouca criatividade cênica para lidar ou tratar da solidão, da angústia, da inércia, do vazio... Quatro atores sentados no alto de um aparato de madeira ficam amarados uns aos outros, sentam, pulam, levantam, gritam, sentam, pulam, levantam, gritam, sentam, pulam, levantam, grit...

# Fui para o hotel. Dia seguinte (sexta) era fechamento do B. Tarde inteira lidando com as palavras de Lázaro Ramos, para a quarta temporada de Espelhos, seu belo programa/doc que circula pelo Canal Brasil. Além desta, restava pauta sobre a única atração internacional do Festival de Curitiba: a badalada e tecnológica Sin sangre. Produção chilena altamente deslumbrada por seus recursos modernos que pretendem, e realmente o fazem, mesclar teatro e cinema. Projeções em 3D, bang bang noir, atuações exageradas, texto intrigante, mas longo, longo... 1h50. Quase um filme. E como espetáculo não chega a ser bom filme, muito menos ótima peça. Leia matéria na íntegra.

# Sábado de mostra paralela: a gigantesca e louca Fringe com suas mais de 290 peças em horários e teatros/espaços diversos. Mas até dei sorte. Às 12h, work in progress para Cartas ao jovem poeta, inspirado no texto de Rilke. Uma maravilha de ideias. Uma viagem às capacidades de cada um de nós. Mergulho em si, desprezo à crítica, a arte como forma, como experimento, como expressão, como devoção e lançamento de nosso íntimo à exposição, ao risco, à criação, à vida. Fim de tarde com Ópera atômica. Espetáculo curitibano que, ao que parece, é sucesso por lá. Clima meio esquisito do teatro Regina Voegel, localizado no Shopping Estação. Uma aura de Shopping da Gávea curitibano, algo decadente, algo superficial e banal desde a fachada do teatro, com banners de peças horrendas e com os mais bizarros títulos: Caquinhas, Só risos, Ri maior e afins. Dezenas daquelas "comédias" profundamente deprimentes, tristes, desagradáveis só de imaginar, quanto mais de assistir. Mas Ópera é divertida, apesar de um texto que diz nada e fala sobre o nada. Atores carismáticos, bom tempo de humor, vozes bem treinadinhas...

# Parto para a próxima com passos de quase arrependimento. Ávores abatidas ou para Luís Melo, versão de Marcos Damasceno para texto de Thomas Bernhard é um espetáculo de pequenas proporções. Explica-se: a montagem se passa na sala de estar de uma pequena casa, onde Damasceno montou um espaço cênico que abriga cerca de 30 pessoas. Como o boca-a-boca já comia solto há alguns dias, a sessão mais parecia uma privê para jornalistas. Todos alinhados e solicitando mais e mais cadeiras. O monólogo protagonizado por Rosana Stavis é um acerto. Um crítica ácida ao isolacionismo, egocentrismo, narcismo e os limites que perpassam as discussões entre artistas de certa forma decadentes durante um jantar em homenagem a um grande ator do Teatro Nacional de Viena – referência ao curitibano Luís Melo. Corelacionando a Viena do texto original à cena artística e teatral curitibana, Rosana insere espetadas em alguns locais, como Mario Bortolotto e Felipe Hirsch – sobra até para Gerald Thomas. De voz potente, que salta aos ouvidos já em sua primeira fala, Rosana é atriz que merecia ser vista e revista Brasil afora. Elucubrações mais sobre Árvores abatidas aqui.

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