NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz

Recebi, na semana passada, o primeiro álbum da Orkestra Rumpilezz, liderada pelo maestro Letieres Leite. Ele assina uma obra-prima em que moderniza os ancestrais da música brasileira. Um espanto. Ano passado, escrevi uma matéria de capa para o Caderno B sobre o trabalho, à época disponível apenas via Myspace. Indiquei o trabalho para alguns amigos, inclusive do mercado, mas Letieres acabou assinando com a Biscoito Fino. Abaixo, a reportagem feita quando Letieres ainda não sabia muito bem o que fazer. Falava com calma, com a certeza de que um trabalho como o dele não dependia de lógicas de mercado ou coisa parecida. Fora criado para marcar época. E já começou.

O som do baiano Letieres Leite, 49, vem sendo apontado por gente graúda como um dos mais criativos e originais do mundo. O que o ergue à fama, como um dos mais inventivos músicos do nosso tempo, são as composições traçadas a partir das claves e desenhos rítmicos do universo percussivo baiano, inspiradas na tradição dos toques dos orixás do candomblé e pelas células rítmicas do samba afro (Ilê Ayê), samba duro, kabila (de Angola), Olodum e a chula (do Recôncavo Baiano). Fenômeno musical nascido em 2006, na Bahia, e trazido à tona pela agilidade da Internet, a Orkestra Rumpilezz caiu nas graças de nomes como Eumir Deodato, Airto Moreira, Ed Motta e Arrigo Barnabé. Gravado durante três dias no Teatro Castro Alves e mixado pelo produtor Joe Ferla (Nat King Cole), o álbum revela o gênio musical do maestro, compositor e saxofonista Letieres Leite, que nos últimos anos acostumou-se à labuta como arranjador da cantora e ícone pop Ivete Sangalo.


– Não é uma escolha minha. A decisão de lançar fora do Brasil acabou sendo natural – explica Leite. – Existem pelo menos quatro grandes selos internacionais na disputa, mas ainda não fechamos a negociação. No Brasil, também já há um interessado.

Como qualquer grupo ou artista novo, essa big band apoiada em sopros e percussão de sotaque afro e jazzístico usou o site de relacionamentos musical MySpace como ferramenta de autopromoção. É praticamente um oásis em meio à poluição musical igualmente disponível na web, com suas originalíssimas composições, que chamam a atenção pela mescla entre erudito e cultura popular.

"Impressionante. Adorei os arranjos. Sempre para a frente", postou na página da banda o arranjador Eumir Deodato.

Um dos muitos a se surpreender diante dos arranjos e improvisações da Rumpilezz é o percussionista Airto Moreira. Assim como o baixista Paulo Russo, ele destaca, no MySpace, a originalidade da Orkestra e dá ênfase à distribuição das harmonias, em contraponto aos elementos rítmicos. Max de Castro deixa os fãs ansiosos ao garantir nunca ter esperado tanto por um disco. Faz coro com o baterista Renato Massa, que não acreditava poder ouvir algo tão expressivo no Brasil. Ácido, o compositor Arrigo Barnabé diz que, ao conhecer a Rumpilezz, finalmente encontrou um "motivo genial para gostar da Bahia".

Se os elogios ao dinamismo do compositor, arranjador e saxofonista baiano dão conta apenas de mensurar a proporção que o trabalho representa no universo de músicos e estudiosos, cabe a Ed Motta desnudar o mistério e definir da melhor forma a importância de Letieres e da sua orquestra para a música moderna.

– A Orkestra Rumpilezz é o que há de mais interessante na música, atualmente. Não estou falando de Brasil, mas, sim, do mundo – destaca Motta. – O seu trabalho é de uma importância sem precedentes. Letieres é um gênio. Afirmo, sem pudor, que o mestre Moacir Santos passou o bastão para ele.

Formada por cinco músicos de percussão (que usam atabaques, surdos, timbaus, caixa, agogô, pandeiro e caxixi) e 14 de sopro (quatro trompetes, quatro trombones, dois saxes alto, dois saxes tenor, um sax barítono e uma tuba), a Rumpilezz é associada à grandiosidade das trilhas cinematográficas de Ennio Morricone, assim como à música do pianista Gil Evans.

– São influências, assim como Hermeto e Egberto Gismonti. Mas não sigo nenhum tipo de regra – garante o músico. – Estudei, aprendi e me formei em composição para dominar as técnicas, mas, na hora de criar, faço o favor de me livrar de muitas dessas convenções.

Foi à época em que estudava e lecionava música brasileira na Europa, em Viena, há 20 anos, que começou a burilar as primeiras canções do début. Cada música seria dedicada e obedeceria à célula rítmica de cada orixá.

– Existe uma batida exclusiva para representar cada um dos orixás. É um desenho.

Como a complexidade da música do candomblé é desconhecida mesmo no Brasil, Letieres sentiu a necessidade de que ela fosse reconhecida como um tipo de som rigorosamente organizado.

– Tratei de transpor os sons dos tambores rum, rumpi e lê para instrumentos como tuba, trombone, entre outros. Parece que deu certo – orgulha-se.

Apesar de concordar que o universo percussivo baiano chega ao ouvinte brasileiro de forma reduzida através da pasteurização da axé music, ele não vê conflito em trabalhar com a musa baiana.

– Eu e Ivete usamos a mesma matéria-prima. Ela faz música voltada para o entretenimento, de assimilação imediata. A Rumpilezz se concentra na preservação, conhecimento e entendimento de uma tradição cultural. Mas ela tem consciência e faz uso da nossa escola.


Um comentário:

Anônimo disse...

Aí Letieres, velho amigo, parabéns pelo lindo trabalho com esses maravilhosos músicos, você soube filtrar a alma brasileira com arojo, sofisticação, encremento harmônico, melódico e esse rítimo lindo da Bahia. Parabéns !

Tayrone (Florianópolis)