NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Devendra Banhart - Concisão a favor de criativa alquimia

Aos 20 anos, o texano Devendra Banhart se lançava a bordo de um álbum caseiro, tão despretensioso quanto o seu estilo neo-hippie, The Charles C. Leary – gravado em quatro canais e produzido pelo próprio. A partir de então, ou, melhor, desde que Rejoicing in the hands (2004) tornou-se unanimidade pela crítica, o hipster criado entre a Venezuela e as praias da Califórnia passou a emoldurar, com seus penduricalhos e roupas multicoloridas, trabalhos ensolarados, mas que viajavam numa linhagem psicodélica um tanto quanto dispersiva.

Dono de canções mais contemplativas que excitantes, ou diretas, Banhart é cantor de recursos limitados, mas de ampla criatividade autoral. Dificilmente encontra-se em seus álbuns hits que seguem à risca fórmulas radiofônicas atuais. Produz e compõe quase artesanalmente melodias que flutuam por formas difusas e diversos andamentos, sem, necessariamente, retornar ao ponto de onde partiram ou eleger uma parte a ser afixada na mente do ouvinte como refrão. O despojamento é a marca registrada de tudo que envolve o seu trabalho, no que há de bom e ruim nesta displicente faceta – vide a desleixada performance do músico numa das últimas edições do finado TIM Festival.

Se em seus primeiros álbuns deixava o ouvinte perdido em fileiras de mais de 20 canções, que escorriam de forma cansativa, em What will we be ele tenta o caminho da concisão.São 14 novas faixas que levam a tinta sempre fresca de seu folk tropical, cruzado por referências díspares mas que se casam numa alquimia original e instigante. Evoca distorções setentistas e dinâmica zeppelianas em Rats, surfa por ondas solares e sinuosas em Can’t help but smiling, e, vez por outra, se deixa levar por chacoalhadas dançantes, como em Angelika e Brindo, embebida por ritmos latinos e caribenhos. No fim da contas, Banhart rescende ao pop latino do francês Manu Chao e ao experimentalismo, mesmo que low profile, de Os Mutantes, mas com um estilo próprio e multifacetado.

O time que o acompanha na cristalina sonoridade de What will we be é o mesmo do álbum anterior, o elogiado Smokey rolls down thunder canyon. Coproduzido por Paul Butler, Banhart é escoltado pelo também produtor Noah Georgeson (Little Joy e Joanna Newsom), Greg Rogove (bateria), Luckey Remington (baixo) e Rodrigo Amarante, na guitarra. Navegando por arranjos inventivos, recheados por instrumentos de sopro, piano, elementos acústicos, percussões diversas e belos arranjos vocais, o álbum, gravado numa primavera, no Norte de São Francisco, é um passeio nostálgico que valoriza frágeis melodias e o cantar, em sussurros, que ecoa da pequena voz do músico. Baladas tristes como First song for B, Goin’back e Meet me at lookout point são pontos altos. E dividem espaço com outros destaques, como a grooveada Baby e a dançante e luxuriosa 16th & Valencia, Roxy music, entre muitas outras surpresas.

Aliás, se há alguma alcunha que, definitivamente, não cabe em seu vasto repertório é a previsibilidade. Curioso, trata o estúdio de gravação como um laboratório de experimentações sonoras. Passeia como um cigano, sem residência fixa por gênero musical.Do início ao fim, deixa claro que acompanha as mais peculiares necessidades de cada uma de suas canções. As trata como peças únicas. E se fora do estúdio é o colorido e enigmático músico, e também artista plástico, dentro dele mostra que sua criação aparentemente casual é fruto de um produtor detalhista, nada relapso, atento aos pormenores de suas canções.

Baby e 16th & Valencia, Roxy music. Provando que ao vivo não é muito a dele:

Um comentário:

Camilla Gonçalves disse...

Adorei... adoro ele... ótimo texto!