NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

domingo, 17 de janeiro de 2010

Para quem ama e odeia: Gessinger chega aos 25 anos de carreira com novo trabalho e biografia

Com a marca de 25 anos de carreira surge o peso dos números a mais apontados na carteira de identidade. Aos 46 anos, Humberto Gessinger não imagina o que poderá fazer no próximo quarto de século, mas encara bem o envelhecimento. Entre bandas desfeitas e carreiras solos, ele encontra numa dupla seu mais novo impulso e fonte de inspiração: “Componho menos do que antes, mas com muito mais prazer”, diz. Sem pressa ou pressão, leva a vida num ritmo menos acelerado, mas não menos intenso em relação ao ímpeto de compor. Ex-estudante de arquitetura, Gessinger contabilizou, na última segunda-feira, exatos 25 anos desde o primeiro show dos Engenheiros do Hawaii no pátio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. Para celebrar a data, ele acaba de lançar uma biografia e não descarta episódicas apresentações da antiga banda ao longo de 2010. Amado (e igualmente odiado) por muitos, autor de hits como O papa é pop e Infinita highway ainda se mostra fascinado por formas e contornos: “Minha chave de entrada no mundo é a composição. E o que me estimula é a invenção da novas formatos. Faço melodias, escrevo e depois descubro os canais para dar vazão”. Como um arquiteto musical, mostra prazer em detalhar cada milímetro do novo formato que inventa para moldar sua nova empreitada: a dupla Pouca Vogal, formada com o guitarrista Duca Leindecker .

– Estou adorando envelhecer. Acho que capricorniano gosta do tempo. Parece que eu estava preparado, sempre gostei de calos e de rugas no rosto – garante Gessinger. – Com o tempo, aprendi a dizer não. A entender que não devo fazer o máximo, a usar melhor a minha voz. entender melhor que eu sou e o que eu escrevo.

Ele acaba de lançar uma biografia, Pra ser sincero, com 123 letras e uma análise acadêmica sobre a sua trajetória, assinada por Luís Augusto Fischer. Mas assegura que não se vê rompendo com a música em direção à ficção. Muito pelo contrário. Com Duca Leindecker (Cidadão Quem), lança e excursiona com o CD e DVD Pouca Vogal – Ao vivo em Porto Alegre. No trabalho, além das oito canções inéditas cunhadas em dupla, como Depois da curva, Além da máscara e O voo do besouro, emprestam novos caminhos a clássicos do Engenheiros do Hawaii, como A montanha, Até o fim e Toda forma de poder, assim como Girassóis, entre outras do Cidadão Quem.

– Conheço o Duca desde o início dos anos 80. Eu tenho 46 e ele 39. Era um moleque, o virtuoso da guitarra. Começou a tocar antes de mim e fazia coisas que eu nem imaginava. Com 13 anos ele já era da cena local. Era uma fase de transição na guitarra, com Van Halen e Stanley Jordan, aquela coisa virtuosística. É claro que ele evoluiu muito a partir dessa primeira impressão.

Entusiasmado com o novo projeto e com as novas canções, com o passar dos anos Gessinger revela compor cada vez menos. Mas admite que ainda se diverte com todo o processo.

– Não posso escrever o que já fiz. Você passa a se dar conta de como é louco tirar, do nada, no meio de um grupo de notas e de palavras, uma canção, que não existia cinco minutos antes – teoriza. – Eu gravei discos muito densos e com muita escrita no início. Hoje, só de olhar fico cansado. Fazia isso sem sentir. Agora, há menos pressa e pressão. Não existe a necessidade de se mostrar e se estabelecer.

No palco, a dupla se reveza em vários instrumentos. Gessinger toca violão, viola caipira, gaitas, piano e midi pedalboard (um teclado tocado com os pés), enquanto Leindecker fica com guitarra, violões com “afinações esquisitas” e bombo leguero – percussão de origem argentina. O cantor ainda tenta fazer com que o novo projeto seja entendido pelo público.

– É uma coisa meio de one man band, mas quero frisar que não é um acústico. Outro dia, escreveram que fazíamos um formato acústico manjado. Mas é o contrário disso – ressalta Gessinger, destacando a afinidade do duo: – Não é qualquer um que poderia trazer o resultado que eu queria. Precisava de uma simetria, que tivesse um histórico parecido. Tínhamos bandas na mesma época, do mesmo lugar, além do fato de nossas bandas estão hibernando. Em 2004, nos reencontramos e começamos a trabalhar.

Entre fãs e detratores

Acumulando fãs ardorosos na mesma medida dos detratores inflexíveis, Gessinger não se incomoda em despertar sentimentos tão antagônicos.

– Quanto mais profundo e pessoal, mais radicais são as reações. O que me surpreende são trabalhos mornos, que não geram respostas – comenta. – Tenho dificuldades em me comunicar fora do âmbito da canção e nunca achei que acrescentasse alguma coisa o diálogo com a crítica. Isso gerou um distanciamento, já que vivemos num Brasil cordial, da camaradagem.

Gessinger segue um fluxo próprio, autônomo. E nem a data comemorativa do Engenheiros do Hawaii serve como motivo para um desvio de rota – leia-se, o retorno da banda.

– Bandas são entidades abstratas. Quando é que começou? Quando eu comecei a fazer música, quando eu encontrei meus parceiros? É difícil saber, mas devemos fazer algumas apresentações pontuais, porque recebemos muito carinho dos fãs e agora pinta uma nova geração que não viveu os anos 80. É uma história cercada por afeto e não há porque ser radical e dizer que acabou. Mas não acho que seja o veículo ideal. Sinto que o Pouca Vogal é a plataforma adequada para as minhas canções, para o meu jeito de compor e escrever. Até onde eu posso prever, me sinto o cara do Pouca Vogal.


Tententender:

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