NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Sexo, drogas e Rolling Stones

Com 30 anos dedicados ao jornalismo cultural, escrevendo sobre rock, cinema e cultura pop, o jornalista, roteirista e diretor José Emílio Rondeau é autor, em conjunto com o pesquisador musical Nélio Rodrigues, da primeira biografia sobre os Rolling Stones escrita por brasileiros: Sexo, drogas e Rolling Stones.

Partindo de extensa pesquisa, além de entrevistas exclusivas com Jagger, Richards e cia., os autores emprestam novo olhar ao legado histórico da "maior banda de rock de todos os tempos". Afinal, com 46 anos de carreira e em plena atividade na primeira década do século 21, os Rolling Stones continuam a escrever sua história, iniciada na década de 60.

Nesta entrevista, José Emílio – que hoje acumula função de assessor de imprensa do candidato à prefeitura do Rio Fernando Gabeira – destaca a velha rixa que colocava em lados opostos os Beatles e os Rolling Stones, e, que, segundo ele, foi uma das mais eficazes estratégias já fomentadas pelo interesse da indústria fonográfica. Ele apresenta ainda detalhes sobre a relação dos Stones com o Brasil; as diversas fases e turbulências entre os músicos da banda; além de seus encontros como fã e jornalista e os shows aos quais presenciou.

LFR: Por que fazer um livro sobre os Rolling Stones, além, é óbvio, da questão pessoal e sua posição como fã da banda?

– Sabia que o filme do Scorcese estava para sair e percebi que era uma boa hora para escrever um livro que, no país, jamais havia sido feito. Registramos a história da banda pelo olhar de dois brasileiros. A história ainda não havia sido escrita desta forma, além de não haver um lançamento do gênero, sobre a banda, disponível nas prateleiras das livrarias.

LFR: Como e quando teve inicio sua relação com os Stones? Por que é sua banda predileta?

– Acompanhei com o mesmo entusiasmo os Beatles e os Rolling Stones na minha adolescência. Naturalmente, quando os Beatles encerraram a carreira, em 1970, passei a me dedicar e acompanhar os Rolling Stones, pois eles continuavam a escrever sua história. Não é apenas a maior banda de todos os tempos, mas são os únicos remanescentes de uma era tão rica como aquela. Por isso mesmo, compõem um painel dos mais interessantes para se pesquisar e escrever. Eles são a história viva do rock e continuam a construí-la com ótimos discos. Isso é muito bonito.

LFR: Como fã e, mais tarde, jornalista e escritor, você dedicou boa parte de suas audições aos discos dos Beatles e dos Rolling Stones. Como vê a contraposição entre as duas bandas ao longo da década de 60 e, depois, a "disputa" sobre qual das duas seria a maior banda de rock de todos os tempos?

– Na verdade, os Beatles começaram um pouco antes do que os Stones. O sucesso dos Beatles abriu as portas para as experimentações que todas as bandas, até hoje em dia, continuam a fazer. Realmente eram duas bandas bastante diferentes. Os Beatles vinhas do norte da Inglaterra, da cidade de Liverpool, enquanto que os Stones eram londrinos e estavam no centro de tudo o que acontecia no país. Fora a questão cultural, estas diferenças também eram bastante claras em relação à música que faziam. Enquanto os Beatles faziam pop, os Stones bebiam direto da fonte do blues americano.

LFR: Era consciente essa intenção de se diferenciar e representar talvez o oposto do que o estilo cool, mas certinho, dos Beatles vendia? Fruto exclusivo das intenções e interesses financeiros da indústria fonográfica ou realmente uma completa polarização dos modos de agir e pensar dos integrantes da banda?

– Os Stones tiveram o cuidado e a sabedoria de se distingüir. Não adiantava ser uma cópia,ou um novo Beatles. Queriam representar algo distante daquilo. Esta noção os definiu e criou esta tensão na diferença entre as duas bandas. A postura ameaçadora e agressiva dos Stones vinha em contraposição ao bom mocismo preservado pelos Beatles. Naturalmente, fora dos olhares do público, os Beatles eram tão bandidos quanto os Stones. No entanto, Mick Jagger abraçou a causa e percebeu que a controvérsia poderia gerar um interesse ainda maior nas duas bandas. Isso estimulava os fãs, os críticos e as duas bandas. Com o tempo, os Stones acabaram por viver com todo esplendor este lado sombrio que tanto alimentavam.

LFR: Por incrível que pareça aos olhos de hoje, Mick Jagger demorou um pouco para se afirmar como a figura central e líder da banda. A postura e a figura extravagante de Brian Jones ofuscava os outros integrantes? A partir de que ponto Jagger tomou as rédeas do grupo para si?

– Brian Jones era um camarada que sabia tudo sobre blues. Tinha inúmeros e os melhores contatos no showbiss. Os outros músicos dos Rolling Stones, de certa forma, idolatravam Brian Jones. Depois, com o convívio, perceberam que ele era uma pessoa frágil, extremamente insegura e cheia de turbulências. Aproveitando esses momentos de crise e inconstâncias psicológicas de Brian, Jagger começou a o engolir. A partir disso, a ruptura se naturalizou.

LFR: Qual a fase criativa dos Stones que mais o agrada ou a mais importante musicalmente? Com Brian Jones, Mick Taylor ou com o Ron Wood, que é a mais duradoura?

– As fases com Brian Jones e com Mick Taylor foram as mais valiosas. Com Brian, os Rolling Stones começaram a se descobrir e trataram de construir sua identidade sonora e comportamental. Na época do Brian, ele era o líder, dava as cartas e era o mais querido entre as mulheres. No entanto, ele não era capaz de compor. Jagger e Richards, com o consentimento de Bill Wyman e Charlie Watts assumiram esse papel. Foi a fase mais criativa da banda e que revolucionou e marcou os alicerces da sonoridade dos Stones.

E Mick?

– Com a morte de Brian Jones, entra o Mick Taylor. Ele era um super músico, já famoso e renomado. Mick adicionou um lirismo e uma profundidade musical que os Rolling Stones, até então, não tinham. A partir dessa fase, eles mergulharam em um lado mais sofisticado em termos de arranjos e composições. Mick também compunha e criou muita coisa sem jamais ganhar crédito. Fato, entre outros, que o levou a sair da banda.

LFR: O livro parte de um ponto central, talvez, que é a relação da banda com o Brasil. Até que ponto essa relação resultou em elementos musicais incorporados às suas criações?

– Existem dois exemplos marcantes ligados à vinda deles ao Brasil. Uma substrutura importantíssima que ilustra a relação dos Stones com o Brasil. Eles estiveram aqui pela primeira vez em 1968 e se hospedaram no Copacana Palace, onde conheceram um fotógrafo americano, que os convidou para ir à Bahia. Lá tiveram contato com a música e os ritmos africanos. Ficaram hospedados em uma casa em Itapoã, e no livro usei estas fotos que nunca haviam sido publicadas no mundo todo. Eles ficaram fascinados com o som da Bahia e com a dança que presenciaram no dia da cerimônia da lavagem das escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim. Esse contato com os sons de batuque originarou os arranjos para Simpathy for the devil. Até hoje, eles garantem que essa faixa é um samba. Neste mesmo ano, em 1968, eles foram convidados a passar a virada do ano na fazenda do Walter Moreira Salles, no interior de São Paulo. Contaram depois que se sentiram no estado americano do Arizona, em um legítimo filme de cowboy. Inspiração que fez nascer Honky Tonk Woman. Em uma entrevista, concedida em 1988, Keith Richards me disse que comprou um violão de um cantador de rua que foi usado em diversas apresentações. Em 1975, Jagger esteve no Brasil e gravou algumas canções em estúdio com músicos brasileiros, como Dadi e o Antônio Adolfo. Mas nunca foram lançadas.

LFR: Vocês lançaram o livro que abarca pontos e temas vivenciados ao longo dos últimos 46 anos de banda... No entanto, eles não param de produzir... Como lidar com a questão da finitude, de fechar um livro e colocar um ponto final na história de uma banda que até agora ainda navega em reticências?

– Complicado. A história da banda ainda está sendo escrita. Eles planejam uma nova turnê para 2009, ainda tem muito chão pela frente. Acho que a banda só acaba quando Mick Jagger ou Keith Richards morrerem. Ou Charlie Watt. Se Ron Wood morrer não acredito que a banda termine. O relacionamento entre Jagger e Richards é muito volátil e especial. É um longo casamento, se conhecem desde os primeiros anos de vida, estudaram juntos na mesma escola. É uma relação complexa e profunda que não se desfaz tão facilmente.

LFR: Quantas vezes já presenciou um show dos Stones? Quais deles foram os mais marcantes e por quê?

– Assisti aos Stones umas 12 vezes. A mais marcante foi em 1975, na Flórida, justamente por ver ao vivo aqueles que eu apenas imaginava como seriam. Conhecia os Stones das fotos e dos artigos impressos em folhas de papel. Vê-los em carne e osso, ali, à minha frente, foi uma experiência inesquecível. Esta última apresentação na Praia de Copacabana também foi das mais marcantes, assim como uma outra, em 1994, em um pequeno clube em Toronto, no Canadá. Era um evento promocional, então pude acompanhar as brincadeiras, os trejeitos, suas feições da primeira fila, algo super intimista. Pude ouvir o som que saía direto dos amplificadores, sem PA nem nada. Era realmente o som dos Stones.

LFR: Algum projeto em pauta para o próximo ano?

– Tenho outro projeto que já começa a se desenvolver. Quero remontar a história do rock brasileiro que, apesar da terminologia criada nos anos 80, BRock, começou muito antes, nos anos 60. Quero resgatar toda a história dos Mutantes, Os Incríveis, entre outros. Uma porção de gente que ajudou a fundar as bases do rock nacional e que muita gente não conhece ou dá valor. Será um trabalho mais demorado, pois demanda mais apuração e cuidado na pesquisa. Quando fizemos o trabalho dos Stones foi mais rápido, pois sabíamos a história quase completa de cor.

Um comentário:

Anônimo disse...

Os Stones são a maior banda de todos os tempos. O show de Copacabana foi inesquecível, mas quisera eu poder ter visto a banda 12 vezes em diferentes décadas como ele. É nessas horas que a gente pensa que nasceu na época errada. Mas ainda alimento a esperança de vê-los ao vivo novamente. E o livro? você leu? É bom? Vale a pena?