NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

CEP 18.000

Celebrados ontem no Espaço Cultural Sérgio Porto, os 18 anos de existência do CEP 20.000, centro de experimentação poética concebido e liderado pelos bravos Chacal e Guilherme Zarvos, foi embalado por boa música e poesia. No entanto, a chegada da maioridade parece ter emprestado melancolia pós-adolescente à festa. A impressão é que falta ânimo aos realizadores, ou fôlego ao evento, ainda hoje um dos principais propulsores de talentos artísticos da cidade.

Não que recaia sobre os ombros de ambos a culpa pela fragilidade ou pelo atrofiar de tal musculatura. De modo algum. Afinal, lutar com uma prefeitura culturalmente acéfala, comandada por um onirólogo que aposta ultrajantes R$ 500 milhões na Cidade da Música, enquanto que o orçamento da pasta não atinge minguados 1%, é tarefa das mais frustrantes, broxantes. Sem contar com as dificuldades atravessadas pelo evento que, por conta das reformas do Sérgio Porto, zarpou para o calabouço, em soturnas mas, mesmo assim, vibrantes noites no Teatro do Jockey.

De fato, o CEP 20.000 precisa de reforço, principalmente dos seus freqüentadores, para que retome o fôlego. Se tomada a noite de ontem como exemplo, a premissa parece palpável, apesar de algumas ressalvas. Composto por cerca de 300 pessoas, o bom público, em sua maioria, preferiu o conforto do foyer regado a cigarros, cerveja e troca de afagos às cadeiras de plástico dedicadas à platéia e a sacação dos versos, poetas e músicos postados no palco. Vale dizer, que a intenção do CEP, desde o início de sua história, não urge o rigor de pestanas paralisadas e íris secas pelos holofotes a iluminar experimentadores. Até porque liberdade é palavra sacra ali. Mas vale o registro de que os papos igualmente saudáveis e frutíferos do lado de fora do teatro despertavam mais excitação do que o que ocorria do lado de dentro.

Escalada para abrir a noite, a banda dos Caetanos, Marcelo Callado (bateria) e Ricardo Dias Gomes (baixo), Do amor, soou bacana, mas descompensada. Com canções/versões escrachos, eles deixaram apenas uma sensação embaraçada por rimas e versos baratos, além de melodias esquecíveis. A apresentação é uma jam session de ótimos músicos que poderiam deixar de insistir nas tais músicas que tentam elaborar e partir para a “experimentação poética” livre e nonsense no palco. Afinal, seus emaranhados rítmicos-melódicos, sem eira nem beira, soam como improvisos, e repetí-los ao vivo, em shows, torna-os pra lá de vazios.

Infelizmente, as linhas de guitarras e timbres bem costurados por Benjão e Bubu dão roupagem a faixas que não aderem a memória nem causam cefaléia, não entretém e nem torram os pelos escrotais, não te fazem zunir em disparada sala afora e muito menos visitar o myspace no dia seguinte ao show. Enfim, o quarteto legal mas chato aprontou uma breve masturbação grupal. Bacana(l), mas só para os chegados, o que, perdão, não chega a ser uma despudorada casa de suingue, algo que talvez so(u)aria mais honesto. O show de ontem serviu ao menos para que eu pusesse a desfalecer os parcos sentidos que ainda depositava na banda.

Despudor e honestidade, com seu corpo e versos, no entanto, foram os trunfos apresentados pelo poeta Éber Inácio. Seu número, experimental, repleto de afetação vocal partiu ainda para um streaptease parcial, que ganhou, no mínimo, a atenção do público. Já Pedro Rocha, que dividia o palco com Éber, esforçava-se, sem muito sucesso, para chamar a atenção da mesma platéia para seus bem traçados versos. Chacal também subiu ao palco para lançar os seus beats ao público, e melhor que Pedro na entonação, dividiu com clareza e eficiência - dramaticidade em boa medida - seus poemas.

Aqui vale parênteses: Poema falado é experimento e exposição arriscada, em que a tênue linha que separa o ridículo vazio da própria poesia, abrigada em linhas, se perde com facilidade. O poeta, autor e escrevinhador de versos, geralmente passa apertos e, na maioria das vezes, insucesso ao tentar oralizar seus escritos. O poema, assim, se perde, pois procura as cegas, ou as falas, o único elemento que o sustenta: a poesia propriamente não dita, mas, sim, escrita, lida e sentida.

Enquanto a segunda banda da noite, Vulgo Qinho & os Cara, ladeava o palco, a postos com instrumentos a tiracolo, Chacal pedia para que aguardassem a fala da novata Alice Sant’ Anna e, ao que parece, de Ismar Tirelli Neto. Com versos singelos, a poetisa e blogueira de a dobradura apresentou com firmeza suas linhas. Com respiração e divisão de palavras bem cortadas e emissão bastante clara, Alice emoldurou seus poemas enquanto que seu acompanhante, aparentemente nervoso, desorientava os seus.

Era novamente a hora da música. Qinho e os caras representavam literalmente o CEP, que ali estava para celebrar a união da música com a poesia. Antropofágicos ao inverso arremessaram solos distorcidos pela guitarra de Caio Barreto na bela versão de Juízo Final (Nelson Cavaquinho). Entoaram versos em homenagem ao morro do Galo, pedalaram de bicicleta na mente hipnótica de Guilherme Zarvos, que bengaleava pelo espaço, e navegaram em negras melodias traçadas por Jards Macalé e Wally Salomão, enquanto que o filho deste último, Omar, lascava seu palavrório enlaçado em um microfone pouco afeito a reverberação.

* Sobe ao palco o poeta Chacal. Com uma pequena faixa adesiva e brilhante grudada na testa. Põe-se em frente ao microfone. É interrompido por um insatisfeito. O personagem pede, com secura e razão: “Mais música, Chacal. Agora, não!”

Parti depois do bis de Qinho - que a cada apresentação canta melhor -, já que o também muito bom grupo, Os Outros, liderado por Botika e Vitor Paiva, frutos do CEP, não puderam se apresentar porque um dos guitarristas estava doente. Em papo curto no interessante foyer, Botika falava sobre a sinuca de bico que muitas bandas da cidade se encontram:

– É difícil conseguir espaço para apresentações fora da cidade que valem a pena financeiramente. O mesmo acontece na cidade. Até conseguimos tocar em diversas casas mas parece que é pecado ganhar por isso. Acho que em 2000 a situação estava pior, tanto em relação ao número de boas bandas na cena carioca como em relação a espaços disponíveis para tocar.

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