NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 15 de setembro de 2009

David Lynch, Danger Mouse & Sparklehorse: mistura surreal

Dono de uma filmografia de tintas surrealistas e oníricas, nada seria mais apropriado
ao cineasta David Lynch que, em sua primeira incursão ao universo da música, ele se
unisse a um rato e a um cavalo em forma de gente. Talvez tenha sido exatamente pelos
contornos fantásticos dessa aventura que o diretor aceitou o desafio proposto pelo
produtor Brian Burton, vulgo Danger Mouse (Gnarls Barkley, Beck, Gorillaz), e o músico Sparklehorse, codinome para Mark Linkous. A princípio, Lynch seria o responsável pela arte gráfica da parceira entre os dois músicos: um material que conta com ilustrações, montagens e um livro com 100 fotografias inéditas que compõem uma narrativa visual das canções.

O cineasta, contudo, se empolgou. Decidiu compor, escrever letras, cantar e batizar o projeto com uma faixa de sua autoria, Dark night of the soul – disponível em streaming no site National Public Radio (www.npr.org). O inusitado, porém, ainda haveria de bater à porta do estúdio. Por conta de uma pendenga legal com a EMI, o disco jamais pode ser lançado oficialmente. Apesar de não entrar em detalhes, o selo confirma a disputa judicial. Alega, em nota oficial, que “continua fazendo todos os esforços para resolver a situação diretamente com Brian Burton. Enquanto isso, precisamos reservar nossos direitos”. Porém, desde o lançamento do projeto – em julho, numa exposição realizada na Kohn Gallery (Califórnia) – até hoje, o destino do trabalho parece estar fadado a traçar os ocultos caminhos da internet. Após vazar em dispositivos de troca de arquivos como torrent e em programas P2P, o “grupo” tratou de oferecer uma saída inventiva para o impasse. No site oficial, decanta a mensagem: “Devido a uma disputa legal com a EMI, Danger Mouse não pode lançá-lo, com medo de ser processado”. Versões com pôster ou livro são acompanhadas por um CD-R vazio. Todas as cópias são marcadas com os dizeres: “Por razões legais, este CD não contém músicas. Use-o como quiser”.

– Ficamos preocupados de o material ficar arquivado. Talvez as pessoas jamais pudessem ouvi-lo – explica Linkous. – Eu sempre amei a embalagem em forma de livro de trabalhos do grupo Boards of Canada, como Geogaddi. Lynch nos pediu todas as letras do disco. E a coisa nasceu daí, mas o custo fez com que fizéssemos uma edição limitada de 5 mil cópias. Realmente não sei se isso será resolvido. É um problema entre a gravadora e o Danger. Minha relação com a EMI terminou quando a indústria da música veio abaixo. É triste, porque se trata de um grande projeto.

Põe grande nisso. Dark Night of the soul reúne um time estelar com os maiores ícones do rock americano. Definitivamente cruza gerações, num coquetel que parte dos anos 60 e 70, com Iggy Pop, atravessa a geração indie dos anos 90, com Frank Black (Pixies) e Wayne Coyne (Flaming Lips), até bater o novo rock dos anos 2000, representado pelo líder dos Strokes, Julian Casablancas.

– Sou fã de Iggy Pop desde o primeiro disco, The Stooges (1969), assim como do trabalho do Frank Black, especialmente os seus discos solo. E, é claro, o primeiro disco dos Strokes é um clássico. Eram nomes com os quais eu sonhava, mas que Brian (Danger Mouse) magicamente materializou.

Jimi Hendrix do laptop

Artistas incensados pelo universo indie, como Gruff Rhys (Super Furry Animals), Jason Lytle (Grandaddy), James Mercer (The Shins), Nina Person, Suzanne Vega e Vic Chestnut também participam. Povoam com seus vocais, melodias doces, adornadas por arranjos sinuosos e minimalistas, mas de feições pop.

– Amo Super Furry Animals. Eles têm uma influência marcante dos Beatles, mas não gratuita. Acredito que Jason Lytle é mais que um elo da nossa geração. E o Vic é simplesmente o cara mais inteligente que eu conheço.

Linkous define Danger Mouse como o Jimi Hendrix do laptop, “exceto pelo fato de que ele não tacar fogo” em seu instrumento de trabalho. Descreve o encontro com o parceiro como um truque do acaso. Deprimido e envolto num hiato criativo após o lançamento de It’s a wonderful life(2001), ele havia perdido o interesse pela música. Obcecado pela sonoridade dos últimos anos dos Beatles, mais precisamente 1965/66, deparou-se com The grey album (2004), projeto que consagrou Danger Mouse por mesclar os arranjos do White album dos Beatles aos vocais do rapper Jay-Z, pinçados do seu The black album (2003).

– Trocamos contatos e em poucos dias começamos a trabalhar. Desta vez, ele me falou: “Eu não queria te dizer até que tivesse certeza, mas David Lynch concordou em fazer a arte do nosso disco”. Depois ele veio com um papo de que iria cantar... Então peguei meu Optigan, fiz um take no estúdio e mandei para ele, que colocou letras, cantou e mandou de volta três dias depois.

Prestes a finalizar a mixagem, Lynch trouxe a cartada final: O cineasta, que inicialmente faria a parte gráfica do projeto, compôs e até cantou.

– Ele veio com uma ideia que se tornou a faixa-título, Dark night of the soul. É uma piada... O disco traz uma série de elementos soturnos, mas foi gravado em Los Angeles, em dias completamente ensolarados.

Fã da filmografia de Lynch, Linkous observa uma influência direta da obra do cineasta em seus discos. Surrealistas, suas letras são um emaranhado de citações que não chegam a construir uma narrativa linear ou um sentido estritamente objetivo. Na maior parte das vezes, conduz o ouvinte a estímulos visuais. O músico acredita que a arte está nas variadas possibilidades de organizar esses estímulos.

– Talvez seja como uma imagem obscura de um quadro. Mesmo que seja vaga ou surreal afeta a nossa cabeça – analisa. – Lynch tem um estilo parecido com o Hitchcock: as cenas que não são mostradas inspiram nosso cérebro a imaginar coisas muito piores. Mas o que importa é que eu sempre tive reações viscerais a seus filmes. E ainda hoje não acredito que me tornei amigo de um cara que sempre foi um herói para mim.

Um homem escondido sob a máscara de um cavalo

Considerado um dos mais inventivos artistas do cenário alternativo americano, Mark Linkous, que posa para fotos vestindo uma máscara equina, é uma figura obscura, com um histórico depressivo. Após gravar o aclamado début Vivadixiesubmarinetransmissionplot (1995) e excursionar com o Radiohead, o músico sofreu uma overdose num hotel de Londres, por abuso de antidepressivos, heroína e álcool. Internado numa clínica de reabilitação, depois de passar por uma cirurgia que quase lhe custou as duas pernas, dedicou canções de seu álbum seguinte, Good morning spider (1998), às enfermeiras que lhe atenderam no hospital de Paddington. A experiência de sentir a morte de perto pareceu convencê-lo de que era preciso experimentar. Desde então, a liberdade e a constância com que troca seus parceiros no
Sparklehorse é a mesma com a qual recicla a sua música, recheando seus trabalhos com preciosos colaboradores. Em 2001, contou com a lenda Tom Waits, além de reunir PJ
Harvey, Bob Rupe, Vic Chesnutt, Nina Persson e o produtor Dave Fridmann (Flaming Lips e MGMT) para It’s a wonderful life (2001) – um de seus mais elogiados álbuns. Cinco anos mais tarde, Dreamt for light years in the belly of a mountain (2006) marca o encontro com Danger Mouse, Christian Fennesz e Steven Drozd.

– Conheci as pessoas em turnês, como Thom Yorke e Polly Harvey, entre muitos outros que eu admirava e que se tornaram amigos. John Cale me convidou para tocar em dois shows em homenagem a Nico, por exemplo – gaba-se Linkous. – Na maioria das vezes, são artistas mais famosos que eu. E foi por acaso que Tom Waits apareceu na minha vida. Meu empresário soube, por alguém próximo a ele, que seus filhos tinham roubado um LP de Vivadixie... do toca-discos dele. Mandei um novo, com uma carta. Ele me ligou, começamos a conversar e eu pensei num pseudo blues sujo, quebrado, meio hip hop, com um groove que eu não conseguia colocar voz. E aí ele me trouxe de volta Dog door.

Para o mês que vem, o músico põe na rua um novo álbum colaborativo, em dupla com Christian Fennesz, e faz shows na Europa.

– Gosto de ter uma banda para cada projeto. Meu próximo disco vai ser gravado parcialmente ao vivo. Quero juntar uns amigos no estúdio do Steve Albini e captar essa coisa inexplicável que rola no ar.


Ouça: http://www.npr.org/templates/story/story.php?storyId=104129585

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá,
Parabéns pelo Blog....gostaria de convidá-lo a visitar o nosso....minervapop.blogspot.com
Valeu!
Anselmo - SP

marcelo alves disse...

O disco é muito bom. As faixas do David Lynch são a cara dele. Destaque para o Iggy Pop também, que infelizmente não veremos em novembro aqui no Rio de Janeiro.
abs,
marcelo