NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O despertar da primavera: Tesão à flor da pele

Hormônios à flor da pele. Excitação expulsa nos poros. Aos ares, gritos, urros, sorrisos nervosos – falatório geral. Jovens de 15 a 25 anos com cabeça à mil em sentimentos, questionamentos, expectativas... E tesão. O palco vibra. E é como se fosse reflexo físico da ebulição que corre no interior de cada um dos 19 atores-cantores do elenco. Tanto frenesi não se explica apenas pelo tic-tac impiedoso que suga os últimos minutos ante à estreia. Sob o invólucro de temas picantes e polêmicos que tangem incesto, suicídio, violência doméstica, homossexualidade, gravidez na adolescência e masturbação, a releitura de Charles Möeller e Cláudio Botelho para o musical O despertar da primavera (que ocupa o Teatro Villa-Lobos a partir desta sexta) é um arsenal estimulante de referências adolescentes incendiada por uma sonoridade rock‘n’roll.

– No fundo acreditamos que um cara jovem pode sair de casa e, em vez de ir só para as suas baladas e raves, se interesse em assistir um Wedekind cantado. Isso é fundamental para o nosso futuro – afirma o diretor Charles Möeller. – Como artistas, chegamos a um ponto da nossa carreira em que temos o dever de formar novas e melhores plateias. Quando você está ligado à arte, com num musical, a experiência sensorial é tão impactante, a música, o cenário, o figurino e a poesia têm um poder tão forte que eu duvido que alguém possa pensar em assaltar e afundar sua vida.

O despertar já nasceu polêmica. A peça original se passa na Alemanha do fim do século 19, narrando o romance entre Melchior (vivido agora por Pierre Baitelli) e Wendla (Malu Rodrigues). A tradicional família dela não aprova o rapaz, um rebelde por natureza. Em torno dos amantes que descobrem o amor e a barra pesada de confrontar os mais velhos, outros jovens se juntam em um painel de personagens que questionam dogmas religiosos e comportamentais e o conservadorismo da sociedade. Proibido de ser encenado na íntegra por mais de 80 anos (foi acusado de incitar os jovens ao suicídio e à prostituição), o texto do dramaturgo alemão Frank Wedekind, de 1891, só seria montado sem adulterações em 1974, na Inglaterra. Até aí, a peça – considerada precursora do expressionismo alemão – já havia virado objeto de culto através de encenações amadoras e debates apaixonados em universidades. Em 1979, chegou a ser montada no Rio.

A recriação de Botelho & Möeller – a dupla detalhista e apurada que institucionalizou o formato musical como entretenimento de alto nível – conseguiu autorização dos criadores do musical para, mantendo o texto e as canções de Sheik & Sater, mudar totalmente a encenação e os cenários. Desde que explodiu, em 2006, na Broadway, e rodou o mundo, esta é a primeira versão autoral para o musical. Após curta e acachapante temporada no circuito off-Broadway, em 2006, o espetáculo dirigido por Duncan Sheik e Steven Sater foi consagrado e arrebatou oito prêmios Tony, incluindo Melhor Musical, Texto, Letra e Música. Agora, sob a direção detalhista e apurada da dupla que institucionalizou o formato musical como entretenimento de alto nível, a tríade de opressão familiar, educacional e eclesiástica é mandada às favas num sonoro “Vai se foder!”:

– Seja em Hanover ou no Rio, o estado, a igreja, a escola e a família mudaram bastante. A modernização e evolução tecnológica tornaram a informação muito mais acessível e veloz, mas a ignorância, a hipocrisia politicamente correta, a compreensão sobre temas que regem o universo interno jovem permanece extremamente arcaica. Andamos muito, apenas artifical e superficialmente. Mas olhar para dentro continua sendo um processo complicado. Já poderíamos ter saído dessa há tempos. Por isso fico tocado em poder dizer aos pais: “Não trate o seu filho como um ignorante!” justamente porque o resultado disso é um adulto ignorante e violento.

Botelho traça um paralelo com outro musical de sonoridade rock para ilustrar seu impacto e empenho em comprar os direitos para a adaptação, Rent. Baseado na ópera La bohéme, de Puccini, e assinado por Jonathan Larson, Rent acompanha a trajetória de jovens artistas do Lower east side nova-iorquino para tocar em temas como a Aids. Após encerrar, em 2008, uma temporada de 12 anos, é considerado o principal responsável por renovar e atrair um público jovem à Broadway.

– Rent é rock, ousado, mas atira para todos os lados e cai nos padrões. Fiquei impressionado com O despertar... porque é algo vigoroso e diferente do que estamos acostumados a assistir, principalmente na Broadway. É uma proposta iconoclasta. Existe nudez, cenas de sexo em que os atores realmente se tocam. Fugimos do padrão em que a canção avança a história. As canções ilustram e extravasam o inconsciente dos personagens. A música entra em cena justo quando há uma explosão de sentimento e revolta. Não é algo objetivo, são letras subjetivas e não foi brincadeira adaptá-las. Algumas metáforas não funcionavam. Busquei o auxílio de outras. Mas trabalhamos com muita liberdade. Afinal, somos diretores e não montadores. Fizemos a nossa história.
Tijolos e paredes reforçam a ideia da castração dos jovens protagonistas; todos os momentos de liberdade ocorrem na floresta cenográfica planejada por Rogério Falcão. Já os figurinos de Marcelo Pies apostam em transparências... isso quando não são dispensados totalmente. Entre outras mudanças, a substituição de microfones de mão, o uso de plataformas de aço, em vez de um espetáculo em forma de arena, figurinos conectados à época em que o texto foi escrito, além de uma significativa repaginação no conceito e no fluxo das intervenções musicais. Charles conta que parada cada canção, o musical americano ganhava contornos de um show de rock:
– As músicas prescindiam de pausas. Cada cantor tirava um microfone do bolso e começava um show. Eles fazem mais alusão ao indie, o visual é mais moderno, a luz expressionista. Tivemos o cuidado de integrar iluminação e música. Mas adoramos o trabalho dos dois, que levaram oito anos para escrever o musical. 100 anos depois eles tiveram a grande sacada de perceber que os questionamentos, tabus e inseguranças são os mesmos. Wedekind escreveu um texto para chacoalhar o espectador. E é incrível notar que ele nunca foi tão lido e cultuado como agora. O expressionismo alemão ganhou uma sobrevida gigantesca por causa dos musicais. Há muito pouco questionamento. As pessoas parecem anestesiadas num momento em que meninas ainda casam virgens, a igreja condena fiéis ao inferno, o índice de suicídio adolescente eleva-se assustadoramente. Por isso não se trata de uma peça niilista, mas, ao contrário, sobre a vida.

Quem rouba a cena é:

Indicado a Melhor Ator no Prêmio Shell 2008, por Cine-teatro limite, Rodrigo Pandolfo, 25 anos, solta a voz como o inquieto Moritz. Ele encara seu primeiro musical como um desafio, misto de amor e dor.

– Quando a minha dor se casa com o meu amor, é maravilhoso. É o que ocorre agora. Sofro de um mal: não conseguir me entregar para algo que não me faça sentido. E O despertar... faz muito. A peça me faz gritar, sofrer, cantar, amar, aprender, entender. E me faz não entender, tira o sono, me desperta. E, após o “meu” despertar, o objetivo agora é despertar o outro, e no outro. A sexualidade é eternamente despertada, e infantil. O abuso, a opressão, o suicídio são assuntos eternos, nos tiram do chão, são carne viva. O texto é um grito por libertação do “vento triste que nunca desiste do nosso rosto”.

Teatro Villa-Lobos – Av. Princesa Isabel, 440, Copacabana (2334-7153). Cap.: 463 pessoas. 5ª e 6ª, às 21h; sáb., às 21h30; e dom., às 18h. R$ 60 (5ª e 6ª), R$ 80 (sáb.) e R$ 70 (dom.). Duração: 120 minutos. 14 anos. Até 15 de novembro.

2 comentários:

AsaladaMista disse...

muito bom o blog, achei sem querer quando estava vendo um post bem antigo sobre vitor araújo, sou maníaca por notícias/entrevistas dele, haha :D

adorei o post, ja queria saber sobre este espetáculo, tinha ouvido falar sobre o Pierre nele e tal...
Parabéns!

xx

Anônimo disse...

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