NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Alessandra Negrini: "A musa de Bressane"

Até o ano que vem, ela roda um novo longa-metragem,encarna um papel de novela e produz uma peça de escolha própria. Quando? Onde? Sobre o quê? Mistério. Alessandra Vidal de Negreiros Negrini, 38 anos, é uma mulher misteriosa. Pelo menos é isso o que se vende por aí há tempos, talvez como subterfúgio para tentar desvendar e revelar a persona da atriz que se entrega inteiramente em cena e se preserva ainda mais fora dela. Após poucos minutos de espera na sala do apartamento dela, no Alto Leblon, a atriz surge apressada. Banho tomado, calça larga, blusa de malha e sandália rasteira – todas pretas. Ao notar pedestal, luz e câmera fotográfica, dispara: “E aí... Como é que vai ser? Eu não me preparei para foto, não...” Silêncio. Coça a cabeça com as unhas (negras), bagunça as franjas (negras) de seu cabelo à pin-up anos 2000, mas concorda: “Só um minutinho que eu vou me maquiar. Nunca abro minha casa para ninguém. É uma exceção”, frisa. Num giro rápido, vira-se de costas e deixa o ambiente, cuja varanda aponta o canto da praia, à direita, e tem o Baixo sob aponta do nariz. “Há uns cinco ou 10 anos aqui era bom. Hoje em dia os caras te filmam. Não é só paparazzi, não. É muita invasão. Quero me mudar”, revela. Para onde? “Hum, tô vendo”.

Há dois anos a atriz não faz novela (a última foi Paraíso tropical). Mas rejeita a hipótese de fazer TV por necessidade financeira e garante que gosta mesmo de se comunicar com o grande público.

– Quem não gosta não consegue levar adiante. Acho um puta desafio. Porque é muito difícil fazer bem. O ritmo é desumano, enlouquecedor e o assédio é gigantesco. O protagonista de uma novela das oito exerce quase que um cargopolítico. Defender sua arte e ser artista no meio de uma indústriacomo essa não é mole – desabafa.

E deixa claro que é mesmo no cinema onde ela se encontra e molda seu referencial artístico. Sobre uma estante amarela de ferro repousam uma caixa do cineasta Wong Kar Wai, um DVD de Viver a vida, de Jean-Luc Godard, outro do austríaco Georg Wilhelm Pabst, Louise Brooks: Lou Lou, além de livros de Salvador Dalí, Andy Warhol e muitos outros. Fã de Ang Lee, Desejo e perigo é o filme da vez. E Em busca do tempo perdido éa célebre obra de Marcel Proust que ela planeja terminar daqui a dois anos, quando completar 40: “Estou no quinto volume”. Navega por fora do boom de comédias românticas que assaltou as bilheterias nacionais desde que fez Sexo, amor e traição (2004). Quer saber de filmes de autor. Ou melhor, de um autor: Júlio Bressane. Comele, filmou Cleópatra (2007), obra que a levou pela primeira vez ao Festival de Veneza e lhe rendeu o prêmio de Melhor Atriz no Festivalde Brasília. Também contracena com Selton Mello em A erva do rato – novo filme que o diretor põe à baila, em breve. Como a Anna Karina de Godard, a Giulietta Masina de Frederico Fellini,a Penelope Cruz de Pedro Almodóvar, ou a Scarlett Johansson deWoody Allen, Alessandra Negrini é a musa de Bressane.

– Isso é uma honra. Parece aquela coisa de cinema italiano e francês. Mas esse negócio de musa não é a totalidade do meu ser humano. A liberdade para mim é um valor muito importante. Também sou mãe, tenho filhos e gosto de andar solta pelo mundo – diz a bela – e solteira.

E, justo quando exercia o auge de sua função materna eamamentava a pequena Bettina, de 4 anos, Alessandra atendeu o telefonema que mudaria sua vida. Do vizinho.

– Se por um lado elemorava aqui do lado, por outro era o Bressane mítico do cinema brasileiro. Alguém que eu sempre admirei. Lembro que nem o li o roteiro de Cleópatra. Aceitei na hora. Foi um dos maiores encontros da minha vida. Já viajamos muito juntos, com a Rosa, mulher dele. É um amigo de conversas sensacionais. Culto einteligente como poucas pessoas que eu vi na vida. Mas tem amente louca. Um criador genial, aberto e longe do erudito careta. Além de super amoroso.

Recebido com pompa no 65º Festival de Veneza no ano passado, e já em cartaz no circuito comercial de Paris, A erva do rato ainda tenta abrir uma brecha nas telas nacionais, mas chega sem projeções milionárias.

– O sucesso das comédias é muito importante para o mercado. Mas é preciso ter cuidado e entender que uma obra como a do Bresane deve receber incentivos. Não vende milhões, mas roda o mundo inteiro, vira tese de estudos acadêmicos e marca a história do cinema nacional.

Livremente inspirado em dois contos de Machado de Assis, A causa secreta e Um esqueleto, o filme dá prosseguimento à relação íntima do diretor de Brás Cubas (1985) e Dias de Nietzsche em Turim (2002) com a literatura. Bressane investe, a seu modo, numa abordagem que investiga a relação do homem com a morte e na incompreensível ligação que estabelece com os animais, no caso um rato. Na história, Ele, interpretado por Selton Mello, e Ela, Alessandra Negrini, caminham por um cemitério à beira-mar até que iniciam uma estranha onda de voyeurismo etensão sexual.

– Trabalhamos com muitas imagens para entender o que ele queria. É um filme muito seco, minimalista e por isso difícil de fazer. Contracenamos pelo avesso. Mas o Selton é muito fluido. Além de ser um grande ator, é um parceiro e tanto.

Desde que interpretou a jovem e sedutora Engraçadinha, protagonista da minissérie homônima, dirigida por Denise Saraceni, em 1995, Alessandra tornou-se atriz. De verdade. Pelo menos para ela:

– Me deu um lastro, como se fosse um diploma. Faço teatro desde pequena na escola, quando morava em Santos. Já havia feito TV, mas com Engraçadinha ganhei reconhecimento. A partir daí, talvez, eu tenha fincado o pé e dito para mim mesmo ‘pode ser que eu esteja na profissão certa’. Pode ser, porque eu sou muito crítica. Eu sempre coloco uma dúvida – conta a ex-estudante de jornalismo e ciências sociais da USP.

Toda nudez será celebrada

Questionamentos que alimenta há mais de 10 anos em sessões de análise. Não sobre a profissão. Mas sobre os personagens que veste sobre a pele – ou se despe, como no longa de Bressane.

– Se você tem um filme forte o suficiente em termos de linguagempara te vestir você não está nua. Estar nua é uma coisa linda, umaforma de expor a alma. E um recurso muito importante para o ator. No filme eu estou nua, mas tenho ao meu lado um fotógrafo comoo Walter Carvalho. A luz é minha roupa e a dramaturgia, meufigurino completo.

Capa da Playboy em 2000, ela se sente à vontade para falar do assunto: “Há 10 anos foi muito importante. Todas as grandes estrelas desse país posaram. Agora eu não faria. Mas tenho orgulho”. Tranquilidade que a condição de atriz até hoje não lhe concede: “À vontade ninguém se sente. Isso não existe. Com o passar dos anos, tenho mais prazer em atuar. Mas quando o artista se sente à vontade... Aí é que eu desconfio”.

Selton Mello é apenas mais um sob a influência de Negrini

Não é a primeira vez que Selton e Alessandra formam um par romântico. Há cerca de 10 anos, eles protagonizaram A comédiada vida privada, dirigidos por João Falcão. Desde então, Mello aclassifica como inquieta, uma atriz em busca de projetos de risco.

– Vejo nela uma vontade muito grande de crescer como artista. Inteligência é algo atraente e ela tem de sobra. Trabalhar com o Júlio é se oferendar para um método bastante poético. E ter ao lado alguém do calibre dela é tranquilizador e inspirador demais.

Júlio Bressane elogia a ampla e irrestrita expressividade da atriz

Tido como o mais experimental dos filhos do Cinema Novo eenquadrado sob a pecha de cineasta marginal, ao lado de Rogério Sganzerla, Júlio Bressane é só elogios à sua musa.O autor de Matou a família e foi ao cinema (1969), que iniciou a carreira como diretor em Cara a cara (1967), destaca a entrega da atriz aos papéis que lhe dá.

– Alessandra é uma atriz de excelentes recursos, dedicada e estudiosa. A presença e a intensidade dela modificaram o meu trabalho. É difícil encontrar uma pessoa com tanta paixão e coragem de sair de si para se transformar e criar uma nova personagem. Ela leva bastante a sério, quer saber dos mínimos detalhes. Um rigor tão grande que eu pegava os roteiros e via que era todo anotado, palavra por palavra. Posso dizer que as sobrancelhas dela falam muito. Suas reações emotivas e físicas são extraordinárias.

Um comentário:

Marcelo Alves disse...

Tenho uma certa implicância com a Alessandra Negrini. Acho "Engraçadinha" ainda o melhor trabalho dela, mas os filmes que ela fez até agora são fracos ou burocráticos assim como suas atuações. Só não posso opinar sobre "Cleópatra", pois ainda não vi. Já o Bressane é um diretor daqueles que ou a pessoa ama ou odeia. Eu ainda não me coloco, porém, em nenhum dos grupos. Mas acho "Dias de Nietzsche em Turim" um belo trabalho.
abraço,
marcelo