NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

“Meu trabalho é solitário”

Com direção de Antônio Fagundes, Marília Gabriela encena segundo monólogo da carreira e diz que vai ao fundo do medo

O encontro entre Marília Gabriela, José Eduardo Agualusa e Antônio Fagundes numa sala de teatro serve a duas experiências inéditas: o ator assume pela primeira vez a direção de uma peça, enquanto o escritor angolano talha, pela primeira vez, um texto sob medida para uma atriz. Aquela mulher, monólogo livremente inspirado em Hillary Clinton, que entra em cartaz na próxima sexta-feira, no Teatro Leblon, surgiu da cisma de Marília, que convenceu Fagundes a assumir o novo ofício assim, meio na cara de pau, nos bastidores da novela Duas caras (2007): “Mostrei o texto a ele e esperei reações... ‘Magnífico, magnífico’, ele dizia. ‘Por que você não me dirige?’, eu perguntei. ‘Tá louca?’. ‘Ué, todos nós estamos loucos’”.

Por que a exposição solitária no palco?

– Estreei no teatro em 2002, quando o Gerald Thomas me convidou para encenar Esperando Beckett. Topei fazer, mas com a condição de que fosse um monólogo. Era um ato de irresponsabilidade, e não de arrogância. Parecia o melhor caminho. Eu sempre me virei e achei que daria conta sozinha. Meu trabalho sempre foi solitário. Não tinha consciência da dificuldade.

E por que escolheu o Antônio Fagundes para dirigir?

– Até então eu estava tranquila. Foi ele que falou: “Monólogo é um perigo”! Ensinou a mim o que é ter medo no teatro. Mostrou o grande risco que é a solidão em cena. Se algo falha, esquece o texto, não tem para onde ir. É um voo solo.

Você acabou, com intenção ou não, oferecendo um novo papel para a carreira dele...

– Acho que ele vai repetir a experiência, que é também muito solitária, penosa e difícil. O comando dele foi brilhante. É preciso acordar para a importância de um ator que fez do mais comercial ao mais sofisticado em cima do palco. Fiquei muito impressionada. Ele sabe de tudo que acontece entre o palco e a plateia: “Se você alongar mais um pouco essa sílaba você perde o público, hein”.

Como surgiu a oportunidade trabalhar com Agualusa?

– Nos conhecemos num festival de cinema, na Paraíba, em 2007. Como ele diz, foi um caso de amizade à primeira vista. Até hoje nos falamos todos os dias. Entramos no Skype e morremos de rir, discutir e brigar. Uma relação muito impressionante. A ideia da peça surgiu numa época em que eu estava em Portugal. O Agualusa e o Mia Couto escreviam uma peça. E aí me virei para ele e perguntei por que ele não escrevia algo para mim.

Você já conhecia o trabalho dele? O que tem de especial?

– Tem algo que eu admiro também no Chico Buarque. Ele escreve como uma mulher, uma sintonia muito fina. Gosta tanto das mulheres que é delicadíssimo quando fala delas. Sente como elas. É isso que dá ser amiga de escritor. E ele me usou. Existem frases inteiras que são minhas. Inclusive a primeira: “Eu não me queixo”. Aliás, se eu fosse para escrever um livro sobre a minha vida, algo que eu nunca farei, começaria assim.

Que tipo de mulher é sua personagem?

– É baseada na Hillary Clinton. Ela começava a pleitear sua candidatura à presidência dos EUA. Depois que perdeu as prévias, notamos que o texto era muito mais do que o factual. Agualusa não queria a Hillary, nem a Marília, queria a atriz que faria a personagem H. Com sua vida própria. É um acerto de contas. Ela chega ao poder pelo rancor, depois pelo amor... Discute política, paixão, submissão...

O que a fez pular da bancada para o palco?

– A inquietação dos 50 anos. Por volta dessa idade, as pessoas sentem a necessidade de fazer outra coisa da vida. Na época da faculdade, eu ensaiava junto com um grupo de teatro. E, quando vim para São Paulo, a Bibi Ferreira me recepcionou com um convite. Mas, naquele tempo, resolvi me ater à carreira jornalística. Depois que saí da Globo, recebi inúmeros convites do Raúl Cortez, do Zé Celso... O teatro flertava comigo, mas eu recusava. Até que o Gerald apareceu.

Após chegar ao teatro, às novelas e ao cinema, você encara o jornalismo como mecanismo de expressão limitado?

– Honestamente, não... Aliás, acho que são profissões que se misturam. O jornalismo me faz entender a importância de saber ouvir, e bem. E como ator, no teatro, se você não escutar com atenção o diretor, os atores, o público e, principalmente, a sua voz, não dá realmente certo.

Ainda há fascínio com o formato de entrevista?

– Me interessa absolutamente. Ainda preciso muito daquele trabalho. Até hoje eu pergunto com a mesma curiosidade da primeira vez que me vi nessa posição. Eu me esforço para conseguir extrair novas histórias e verdades.

Ainda resta nervosismo diante de um entrevistado?

– Fico nervosa se eu percebo que sou ignorante no assunto. Com o tempo, fiquei cada vez menos tensa. Aprendi a admitir muito melhor a minha ignorância. Antes era agressiva para conseguir dominar o entrevistado. Mas, se você realmente quer respostas, é preciso se mostrar do tamanho que você é em relação àquele assunto.

E em frente à câmera, aos outros atores, à plateia...

– Meia hora antes desse espetáculo eu sento no palco com a luz apagada e as cortinas fechadas. E aí começo a ouvir a porta se abrindo, as pessoas entrando e aí aquele medo começa a tomar conta de mim. Vou ao fundo do medo. E aos poucos ele me devolve uma força.

Quais são os desafios do jornalismo, do teatro, do cinema, das novelas?

– No jornalismo, está em conseguir a resposta mais verdadeira. No teatro, é tentar desvendar e descobrir o que é a vida. No cinema, o desafio está em passar uma verdade mesmo com a sua cara ampliada numa tela gigante. Enquanto na TV, como atriz, é conseguir se manter ator em meio àquela linha de produção.

E o da vida?

– Trabalho isso na análise... Acho que é conseguir viver bem. Mesmo ao descobrir que, na verdade, tudo não passa de certa ilusão.

O que vem em seguida a esse trabalho?

– Na semana que vem começo a rodar, junto com a Marília Pêra e a Suzana Vieira, a minissérie Cinquentinha. É do Aguinaldo Silva e deve estrear em setembro. Ano que vem, tenho mais uma peça para fazer, mas não será um monólogo. E o melhor de tudo é que o meu livro (Eu que te amo tanto, 2008) vai se transformar numa série de TV, com tratamento de cinema. As histórias vão ser comandadas por diferentes diretores de cinema.

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