NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 11 de agosto de 2009

“É de igual para igual”

Acostumado a escrever, dirigir e lançar filmes anualmente, Daniel Filho é um dos mais bem-sucedidos realizadores do cinema brasileiro. Aos 71 anos, toca em ritmo acelerado os projetos de sua produtora, a Lereby, como a adaptação cinematográfica para a telenovela Roque Santeiro e a cinebiografia do médium brasileiro Chico Xavier. Agora, porém, concentra-se para o lançamento de seu novo longa-metragem, Tempos de paz – orçado em R$ 1, 5 milhão – que estreia nesta sexta.
O aguardado e autoral trabalho do diretor é mais uma amostra da afinada relação com Tony Ramos – protagonista da milionária franquia Se eu fosse você, cuja segunda versão é a maior bilheteria da Retomada, arrecadando R$ 40 milhões. O filme, baseado numa peça de Bosco Brasil, é ambientado após o fim da Segunda Guerra Mundial e conta com o ator no papel de Sigismundo, um oficial do governo Getúlio Vargas responsável por interrogar e expedir vistos para a entrada de imigrantes. Ele contracena com Dan Stulbach, que vive o ator polonês Clausewistz, que se passa por agricultor para conseguir permanência e recomeçar sua vida.

Por que decidiu adaptar ‘Tempos de paz’ para o cinema?

Eu me emocionei demais com a peça e decidi que aquilo tinha que ficar registrado. O que vi entre o Dan (Stulbach) e o Tony (Ramos) não poderia morrer no palco. Propus, inicialmente, que fizéssemos um filme de fundo de quintal. Mas aí tudo começou a crescer, ganhar um orçamento e eu tive em mãos o que precisava. As pessoas se aproximaram da história. É um filme feito por profissionais com impulso amador. Eu coloquei dinheiro no filme. O Dan e o Tony, o fotógrafo e toda a equipe fizeram por amor. Tenho que pagar o Tony...

O que há de especial no texto do Bosco Brasil e que você traz para o filme?

O que emociona no texto... É preciso pensar se o que fazemos tem de fato importância. Trabalhamos com arte. Existem pessoas que têm, como resposta ao trabalho, resultados materiais. Assim como um médico salva uma vida e o engenheiro constrói uma ponte. Mas tudo depende de uma abnegação total em serviço do que se faz. Você pega o seu exemplo, como jornalista. Qual a importância desse texto que você quer escrever sobre o filme? Qual o sentido dessa entrevista? Enquanto um monte de gente passa fome na cidade, no país e no mundo. Enquanto o mundo está prestes a explodir, como há pouco, com as ameaças da Coreia. Parece que ninguém se importa. O filme trabalha com sentimentos de pessoas que se vêem em posições opostas. É difícil explicar, mas te garanto, com absoluta certeza, que o filme não é chato.

E por que diz isso?

Ainda não encontrei ninguém que dissesse algo parecido. O filme consegue atingir pessoas experientes de cinema, assim como os técnicos. Eles começam observando os detalhes, mas, após alguns minutos, são tomados pela história. Possivelmente por esse mesmo sentimento inexplicável que me carrega. Mas é claro que posso destacar o poder da estrutura dramática e a interpretação dos atores.

Como trabalhou com os atores nessa mudança de esferas, do teatro para o cinema, do palco para o set?

Eles tiveram que mudar completamente a forma de atuar. Eu tinha um DVD da peça e ele me serviu de exemplo. Antes de começarmos os ensaios, eu me virei para eles e disse: “Estamos com um problema”. O tom no teatro é completamente diferente. Você joga para a plateia. No cinema, a alma entra em jogo, e os olhos. É muito diferente. Fizemos 20 dias de ensaios porque adaptamos um novo texto, e rodamos em nove.

‘Tempos de paz’ é tratado como o filme autoral de Daniel Filho. Vê algum sentido nessa classificação?

O filme não é de minha autoria. A história é do Bosco Brasil. É, sim, um filme mais denso. E acho que vem daí a confusão. Mas, por outro lado, ele não é mais denso que Primo Basílio (2007). Esse, sim, foi um risco que eu corri. Não há um herói, ou personagem que você possa ter empatia. E eu sabia disso porque conhecia a história. Uma das boas cartilhas do cinema diz que é preciso ter um personagem que se comunique com determinado tipo de público, alguém que o espectador se reconheça. Pode até ser um rejeitado, como nos filmes do Woody Allen. Mas é preciso gerar identificação. Em Se eu fosse você, homens e mulheres de todas as classes e idades se reconhecem. É de uma comunicabilidade impressionante. Em Tempos de paz, mesmo que você não se identifique com o carrasco, nenhum dos dois é totalmente herói ou vilão.

O que significa a constatação de uma bilheteria recorde como a ocorrida com as duas versões de ‘Se eu fosse você’?

É claro que eu acho do cacete. Mas sou uma pessoa que trabalha há décadas nesse sentido. Tenho 55 anos de profissão, desde os tempos de TV. Toda essa bagagem me leva a tomar menos tombos que antes. Com a idade, os acertos são mais constantes. Aos poucos, vi que o filme foi saindo do gueto. A cada semana tomava proporções maiores até deixar de ser meu e se tornar do público. É algo importante para o cinema brasileiro, que agora se sustenta com filmes de comédia. Antes eram os atores que carregavam o público, comediantes como o Renato Aragão. Estamos lutando de igual para igual com os blockbusters que sempre dominaram o nosso mercado. E falo aqui dessa fatia que é a comédia romântica. Filmes como Tropa de elite e Meu nome não é Johnny fizeram muito sucesso, mas não atingiram essa marca porque se comunicam apenas com um tipo de público. Tem gente que não quer ir ao cinema para assistir à violência.

No lançamento de ‘A mulher invisível’, Cláudio Torres afirmava esperar que o filme batesse a casa do milhão. Faz projeção para ‘Tempos de paz’?

Saio com umas 50 cópias. Gostaria de ter um pouco mais. Espero atingir a casa do meio milhão de espectadores. Tenho absoluta certeza de que as pessoas que assistirem ao filme vão indicá-lo. É claro que, talvez, um pré-adolescente não se interesse pelo tema. Mas, como homem de cinema, consegui uma credibilidade com o público. Modéstia à parte, as pessoas sabem que o meu filme comunica.

Como se posiciona frente aos que dizem que comédias consideradas potenciais blockbusters não deveriam ser realizadas com o benefício das leis de incentivo?

Mantenho essa média de um filme por ano. E é o que eu busco continuar a fazer. Agora, se não há leis de incentivo não há como produzir. As pessoas esquecem que a grande maioria dos filmes não se paga. Para ter algum lucro, só mesmo com o benefício. Porque você não pode querer que todos os longas façam 3 milhões de espectadores. Vamos pegar um caso atual, o Divã. É preciso fazer conta para esses caras entenderem que não funciona como imaginam. Primeiro que 50 % ficam na mão dos exibidores, 20 a 30 %, nas mãos dos produtores. Se o Divã acumula cerca de 1,7 milhão de espectadores, gera cerca de R$ 15, 8 milhões. Tirando 50%, sobram 7,8. Menos 30 % sobram R$ 4,5. Esse filme custou mais de R$ 5 milhões para chegar às salas de cinema. Então ele não se paga e muito menos dá lucro. Eu estou falando da segunda maior bilheteria nacional do ano, um grande blockbuster. O Se eu fosse você 2 se pagaria, mas a gente não pode esquecer que ele acumula o dobro do segundo lugar.
Por que filmar Chico Xavier?

Olha, eu ia apenas produzir. Mas fui tendo dificuldades com alguns diretores. Teve um que disse ter medo de fantasmas. Foi afastado do projeto. E aí resolvi assumir. Espero lançar em abril de 2010.

Que tipo de espectador é Daniel Filho?

Eu não assisto a Homem Aranha, Homem de Aço, essas coisas. Lembro de 2046, do Wong Kar-Wai, entre outros chineses muito bons. Gostei muito de Gran Torino. Minha criação não parte apenas do cinema americano. E, sim, de Visconti, Fellini, Bergman, Rosselini, Truffaut, Kubrick, John Ford, Billy Wilder, Welles, Chabrol, Cassavetes… Tenho uns 3.500 filmes. Uma vasta DVDteca, que agora está sendo tomada pelo Blu-Ray.

Um comentário:

Marcelo Alves disse...

A questão que fica é: Por que um cara que gosta de tantos diretores de qualidade como os citados na última resposta faz filmes babas como "Se eu fosse você"? Mas "Tempos de Paz" parece ser um bom filme. Vou assistir.