NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sting: Perdido entre memórias congeladas

Chancelado pelo respeitado selo alemão Deutsche Grammophon, Sting apresenta-se austero em If on a winter’s night, álbum que remonta sua veneração pela música tradicional e folclórica das ilhas britânicas. Partindo de suas reminiscências e navegando por uma jornada melancólica e reflexiva, em que elege o inverno como sua estação favorita, o músico patina e se perde nas trilhas que tencionam fazer a ponte entre o seu passado nostálgico e seu presente criativo – aparentemente pouco inspirado.

Para traduzir o sentimento de reclusão que reside em seu flerte com o inverno, o músico, que nos últimos anos acostumou-se a arregaçar as mangas de suas diminutas camisetas para exibir seus bíceps, cobre-se de negro vestindo sobretudo, cachecol e botas na enevoada capa do trabalho. E tão gélido, esquemático e pouco acolhedor quanto o clima que embala tal obra são os arranjos, as melodias e as interpretações excessivamente empostadas do cantor.

Orientação natalina

Embora não tenha sido concebido e promovido como um álbum essencialmente natalino, em If on a winter’s night Sting destaca sua admiração pelos festejos que celebram o nascimento de Jesus Cristo. No texto do encarte que acompanha e serve como guia às intenções do artista, revela que até hoje se encanta com os “elementos mágicos e proféticos” relacionados à data: “Aprecio a beleza dessas histórias e como elas puderam servir de inspiração a tantos músicos e poetas por tantos séculos. Era meu desejo tratar desses temas com reverência e respeito”, escreve o músico. E a despeito de sua opção agnóstica, destaca que o simbolismo das peças de arte sacra ainda lhe causam forte impacto. Tal reverência, respeito e impacto, servem, no entanto, para congelar o espectro de suas canções. De faixa em faixa, o álbum se arrasta, como se todo seu cuidado estético, preciosismo estrutural e estudo do
arsenal de antigas referências servissem apenas para engessar seu desempenho e tornar o repertório tão bem cortado quanto entediante.

Dispersivo – ou melhor, digno de bocejos e sonolência em alto grau – é realmente difícil, para um ouvinte casual ou menos atento aos detalhes e finas nuances, manter-se acordado do início ao fim da execução do CD. Produzido em parceira com o arranjador Robert Sadin, o trabalho passeia por uma coleção de 15 canções, cânticos, temas de ninar e baladas tradicionais de sua terra natal, Newcastle, como The snow it
melts the soonest, Soul cake (canção “suplicante” inglesa), Gabriel’s message (cântico do século 14) e Balulalow (cantiga de ninar de Peter Warlock), entre outras que marcaram os últimos séculos do cancioneiro britânico.

Inspirado pelo universo lírico e melódico de seus ancestrais, Sting esculpe duas canções próprias, Lullaby for an anxious child e The hounds of winter – único momento em que se aproxima de refrões ligeiramente pop. As duas, no entanto, já haviam sido gravadas, sendo que a segunda serviu à abertura do álbum solo Mercury falling (1996). Ambas soam como o restante do álbum, como se fossem artesanalmente talhadas à mão em madeira, perfeitas para a execução em ambientação acústica, com adorno de violões, violinos, violoncelos e harpas, entre outros instrumentos rústicos.

Releitura de Henry Purcell

Tal roupagem, que sugere o intimismo da foto de abertura do encarte, em que os músicos que o acompanham empunham seus instrumentos numa roda à luz de velas, permanece na cabeça do artista, enquanto que o frio cortante que o move endurece o
contato entre os dedos e as cordas e entre suas ideias e o resultado final. Um dos pontos altos do álbum é a interpretação de Hurdy gurdy man, uma versão musical e literária para o inglês de Der Leiermann, um clássico de inverno de Schubert. Outro destaque do álbum é Now winter comes slowly, de Henry Purcell, além do poema musicado de Robert Louis Stevenson, Christmas at sea; e da letra que Sting traça para You only cross my mind in winter, de J. S. Bach – faixa de encerramento que narra uma história de fantasmas, densa e crepuscular.

Como o fim do inverno é prenúncio de dias ensolarados, vale torcer para que o fim do álbum seja indicativo de novos ventos ao cantor, que desde Sacred love (2003), não povoa o imaginário dos fãs com um álbum de canções próprias.

Um comentário:

marcelo alves disse...

Admiro a inquietação de Sting, que volta e meia aparece com algo, digamos, bizarro, mas pelo visto ele é quase sempre mal sucedido quando sai de sua roupagem pop do Police. Pelo menos a capa do disco é bonita.
abs