NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Sérgio Sampaio põe de novo o bloco na rua

Naquela noite de verão de 1989, o palco do Circo Voador adormecia sonolento com uma atração pouco conhecida, vinda do Maranhão. Na plateia, o cantor Sérgio Sampaio, em visita ao Rio, passava despercebido. Não que fosse difícil. Afinal, fazia sete anos desde que ele lançara seu último trabalho, Sinceramente (1982), e um bocado de tempo desde que havia regressado à sua Cachoeiro de Itapemirim natal. Reconhecido pelos integrantes da tal banda, foi chamado ao palco e, em poucos minutos, eletrizou a madrugada com uma canja que incluía seu maior sucesso Eu quero é botar meu bloco na rua e uma homenagem a Cazuza. À beira do palco, um amigo do grupo, o então jornalista e conterrâneo Zeca Baleiro pirava com a performance.

Após o fim apoteótico, traçou linha reta e foi ao camarim para conhecer o herói das rodas de violão que seus irmãos mais velhos embalavam quando ele era pequeno. Não perdeu tempo, e convidou o ídolo para uma entrevista a ser publicada na edição inaugural de uma revista de cultura que editava com alguns colegas. Apesar do aceno positivo, apenas alguns meses mais tarde teve acesso ao cassete que o entrevistado utilizara como meio de resposta. Jamais publicada na imprensa até a inclusão de alguns trechos nesta página, o contato serviu para insuflar a admiração por Sampaio.

“Sérgio era camicase”

– Era um cara fascinante, cheio de mistérios, maldito, com histórico sobre drogas, tudo que um adolescente como eu se impressionava – diz Baleiro, que até o fim do ano reedita Sinceramente. – É frustrante ver um cara que morreu cedo sem ter feito metade do que poderia. Não segurou a barra da popularidade e tornou-se irascível.

Diferente de outros da época, como o Luiz Melodia, que voa na loucura, mas retorna. Sérgio era mais camicase.

Lembro desse encontro com carinho e a fita com a entrevista era impressionante, porque ele deixou uma gravação caseira de uma música inédita, Maiúsculo.

Anos mais tarde, em 1994, Sampaio parecia empenhado em pôr fim ao hiato de mais de uma década que o punha no ostracismo. Mas em maio daquele ano, vítima de uma crise de pancreatite, o músico não resistiu, deixando versões demo em voz e violão para oito faixas que se transformariam em seu quarto álbum de carreira, a ser editado pelo selo Baratos Afins. Era a deixa para que Baleiro iniciasse uma garimpagem sonora junto à família do músico, que o levou a restaurar faixas e lançar, em 2005, o álbum póstumo Cruel.

– Três anos depois da sua morte, fui chamado pelo Sérgio Natureza para um projeto em sua homenagem.

Recebi oito canções inéditas para escolher, mas acabei optando por Tem que acontecer, que eu já namorava – conta o músico.

Ele refere-se ao álbum-tributo Balaio de Sampaio, relançado agora pelo produtor Marco Mazzola, como marco aos 15 anos da morte do compositor, aos 47 anos. O disco, composto por 13 faixas interpretadas por pesos-pesados da MPB, como Erasmo Carlos, Lenine, , João Bosco, João Nogueira, além de antigos amigos, como Luiz Melodia e Jards Macalé, conta com arranjos inéditos tecidos por Mazzola para a faixa-símbolo de Sampaio.

– Eu quero é botar meu bloco na rua foi um grande sucesso e quis fazer uma versão mais atual – conta Mazzola. – Depois de 11 anos, consegui reaver os direitos e colocar o disco na rua. Não é uma questão de vender, mas, sim, de expor uma raridade sobre um compositor que desperta muita curiosidade. Sérgio era autodestrutivo. E, apesar dos discos que fez, não conseguiu fincar seu nome entre os maiores da música brasileira. Acabou no ostracismo e nem sequer noticiaram a sua morte.

Técnico de mixagem da antiga gravadora Philips, Mazzola era chefiado por Roberto Menescal e André Midani quando conheceu Sampaio, em 1972. Ele fora chamado para participar de uma reunião na sede da companhia. Lá, um homem de terno, gravata e óculos escuros, chamado Raulzito, acompanhava um jovem músico que havia descoberto num teste para a CBS e que havia decidido empresariar.

– Sérgio mostrou algumas canções e o achei incrível. Mas saí da sala e o tal empresário veio junto. Disse que tinha umas canções, tirou o paletó, a gravata e começou a cantar. Não acreditei, entrei na sala e bati no ouvido do Menescal. “Esse tal de Raulzito tem uma canções que você vai pirar”. Ele respondeu: “Quer produzir? Toma conta dele”. E foi aí que Sérgio e Raul Seixas foram contratados e participaram do Festival daquele ano. Depois o Raul se tornou um fenômeno porque conseguiu segurar e ir em frente na sua loucura, enquanto o Sérgio não acompanhou aquele ritmo.

A aversão ao showbusiness, à badalação dos bastidores, o assédio dos fãs e à exposição massificada aliada à falta de estrutura pessoal (marcada por sua solidão) e profissional (não tinha uma banda e nem um empresário que cuidasse somente dos seus negócios e o ajudasse a desenlaçar problemas) serviram como embuste à pecha de maldito. Autor da biografia Eu quero é botar meu bloco na rua, que, em outubro, voltou às livrarias em nova e revisada edição, Rodrigo Moreira acredita na tese acima como fator levou Sampaio ao limbo profissional nos anos 80, com escassos shows em bares a minguados cachês:


– Ele passou a sofrer com a censura política e estética, que minaram sua expectativa e o levaram a um desencanto pelo mercado da música. Essa coisa do maldito só é boa para o folclore, mas foi extremamente prejudicial. O maldito não faz show, não é convidado para programas de TV e, também por isso, vende poucos discos. Ele não tirou proveito do sucesso do seu primeiro disco. Não consolidou a carreira porque não tinha estrutura. Não havia um Guilherme Araújo, como os baianos tiveram.

Presente na “virada noturna” da MPB

Dedicado a analisar a estrutura poética e melódica do álbum Eu quero é botar meu bloco na rua, a editora Língua Geral dá início à série de livros de bolso Língua Cantada – organizada pelo núcleo de estudos musicais do Cesap (Ucam). Neste primeiro volume, escrito por Paulo Henriques Britto, o clássico de Sérgio Sampaio é esmiuçado letra por letra, acorde por acorde.

– Já havia escrito sobre o momento do rock brasileiro posterior ao tropicalismo. Quando recebi o convite, voltei a escutar os discos do Sérgio, pesquisei na internet o que eu não conhecia e li a sua biografia – conta o autor.

Paulo Henriques Britto define Sampaio como representante paradigmático do movimento
pós-tropicalista, momento que associa a uma “virada noturna” da música popular brasileira liderada por nomes como Luiz Melodia, Jards Macalé, Wally Salomão, Torquato Neto, entre outros, logo após a implementação do AI-5 em plena ditadura militar:

– As coisas mudaram drasticamente com o AI-5. Em 1972 e 1973, morei na Califórnia e vinha embalado com os festivais de rock e a contracultura. Mas no Brasil, as guitarras, o rock e os cabelos longos não se relacionavam com o paz e amor, ou até com a contestação aguerrida do sistema político. O pós-tropicalismo tinha um clima
de medo. Vários amigos piraram, foram exilados, viviam na clandestinidade. A música era muito baixo-astral, falava de noite, solidão, derrota, exílio e loucura.

“Toco violão como quem toca o corpo de mulher”

A entrevista perdida, usada apenas como material de suporte ao lançamento do álbum Cruel, idealizado e concebido por Zeca Baleiro, pode ser conferida, em alguns trechos abaixo:

Início


“Comecei em 1971, na CBS. Fui até lá para acompanhar no violão um rapaz, que queria fazer um teste para cantor. E quem nos recebeu foi um produtor chamado Raulzito,
que era o Raul Seixas. Ele cantou, eu toquei, e aí o Raul disse para o Odibar que para lançar um cantor novo precisava de uma música muito poderosa, que invadisse as rádios e chamasse atenção. E eu, inocentemente, falei: “Tenho umas coisas aqui, será que interessa?”. Ele olhou pra mim com aquela cara de enfado, pensando “Ai, meu Deus,
mais um compositor”, e disse: “Tá bom, então canta”. Aí eu cantei uma canção e ele arregalou o olho: “É sua? Tem mais?” Cantei outra e outra e outra… Na saída, ele nos
convidou para tomar um café, e falou baixinho pra mim: “Volta amanhã”. Voltei e fiquei”.

Música

“Eu não sou músico. Músico é Hermeto, é Egberto... Músico eu não sou. Faço meus acordes, pego o violão... Toco no violão como quem toca o corpo de uma mulher
sem saber as zonas erógenas. Vai tocando por instinto... Assim é a minha relação com o instrumento. Sou um poeta, mas a poesia se manifesta em mim através da letra de música. Não seria um poeta como Vinicius, como Drummond, como Fernando Pessoa, por exemplo. Talvez não fosse capaz de sentar e escrever um livro de poesia e, mesmo que escrevesse, não iria sair lá grande coisa. A música é uma coisa muito forte e, geralmente, quando faço as músicas, sai tudo junto, letra e música. E é uma coisa
bastante agradável, tesuda, extasiante mesmo de fazer. Eu me coloco nu nas coisas que faço”.

Inspiração

“Costumo dizer que o luar não teria razão alguma de existir se não tivesse, por exemplo, um casal de namorados admirando aquele espetáculo deslumbrante. Acho muito
mais bonito o êxtase no semblante de um casal do que propriamente o espetáculo. Então, a fonte de inspiração são as relações humanas. O ser humano é a coisa mais bonita”.


5 comentários:

Anônimo disse...

nilton de souza moraes,sou primo de sergio sampaio

Anônimo disse...

maricá tera querida sou feliz porque te amo

Anônimo disse...

maricá tera querida sou feliz porque te amo

jards Zue disse...

feliz por ter te ouvido

Toques disse...

Parabéns pelo blog e em especial por esta postagem sobre o Sérgio Sampaio. Agradei de verdade. Gostaria apenas de saber quem é o autor da fotografia do Sérgio?