NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Caetano Veloso Zii zie - Part 1

Do lado de fora do bar d'hotel, no Marina All Suites, o cenário era visualmente muito próximo ao que retrata a capa de Zii zie, novo álbum de Caetano Veloso. Vento sudoeste trazendo uma frente fria e, a reboque, nuvens carregadas de pingos de chuva pintando o céu, ainda de tarde, numa bonita mescla de cores: cinza, azul e verde. Um Rio, ou melhor, um Leblon chuvoso, noturno e até certo ponto sombrio. Caetano adentra o salão. 56 minutos de atraso. E agora já é noite no bairro que o artista agora cultua e também reside. Sentado ao lado dos músicos da bandaCê (o guitarrista Pedro Sá, o baixista Ricardo Dias Gomes e o baterista Marcelo Callado), o baiano parece também um menino. Se bem que... "Olha, pode diminuir esse ar-condicionado? Tá muito forte... Vindo direto na minha cabeça.." Pronto. Frio solucionado, calor e prazer em discursar instaurado. Abaixo, a primeira parte, na íntegra, da entrevista que o artsita concedeu na última terça-feira. Em pauta, Obama, Lobão, rock, MPB, velhice, juventude, internet e família...

Sobre os recentes "esforços" americanos e do presidente Obama em solucionar os problemas gerados pela Base de Guantánamo, instalada em Cuba. E sobre a música Base de Guantánamo.

Fico contente com a notícia de que o Obama liberou as viagens e a remessa de dinheiro para os cubanos, pelos familiares que vivem em Miami. Isso era mantido de uma maneira desagradável de ambos os lados. E agora ele aproxima. E me orgulho de ter feito a canção. Porque quando fiz a música, eu lembro que, na semana seguinte, eu cantei no show e a suprema corte americana, ainda sob o governo Bush, fazia uma restrição ao tipo de repressão que acontecia na prisão de Guantánamo. Foi tudo no ano passado. E ali, os americanos concederam aos prisioneiros da base de Guantánamo alguns direitos... E eu agradeci à suprema corte por isso durante o show.

De que forma o blog Obra em Progresso interferiu direta e indiretamente em Zii zie?

Houve uma faixa cujo arranjo eu coloquei em votação no blog. Eu tinha uma preferência pessoal entre as versões e fiquei torcendo para que vencesse a que eu tinha escolhido, o que aconteceu. Foi a questão de interatividade mais direta do blog em relação à produção do disco. Mas, indiretamente, a presença das pessoas que falavam durante as semanas, lendo e respondendo aos comentários... Isso muda o nosso ânimo. Já saí contaminado com aquela convivência... O pessoal do rock da Bahia influiu enormemente também. Publiquei uma entrevista com o Pedro Sá em que falo dos meus diálogos com a turma do rock de Salvador. Passei o meu verão lá e a gente se encontrou. O blog gerou esses encontros, mas hoje ele acabou... A obra terminou, já cumprimos a função que tinha e lançamos o disco...

De que forma o blog mudou sua relação com os fãs? Ajudou a criar uma nova perspectiva sobre esse tipo de relacionamento?

Com o blog, eu pude notar muitas reações ao que eu faço, pela natureza do que era dito... Coisas que eu não sabia... De como repercute intimamente em diversas pessoas... Quando uma pessoa diz algo, ela não fala algo apenas para si só. Acabei apanhando uma outra visão. Sem dúvida tendo a ter atitudes espontaneamente diferentes a partir das relações com essas pessoas.

Saiu uma notícia de que no blog montado para promover o lançamento de Leite derramado, novo livro de Chico Buarque, comentários negativos foram retirados do ar, Houve o mesmo no Obra em Progresso?

Quem organizava era Hermano Vianna... Eu não sei. Acho que retirado não foi nada. O que foi publicado no blog ficou e tem coisas que são negativas. Pessoas discutiram e discordaram e algumas diretamente agredindo... O que também levou os outros comentaristas a reagir contra essas pessoas. Mas é claro que a maioria estava ali para coisas boas... Um cara que não gosta de mim não vai ficar entrando no meu site para falar... Só se tem algum problema de cabeça...

Sobre o pedido de que comentasse a frase de que estaria entrando na velhice. O que significa dizer que está entrando na velhice? O que isso muda?

É exatamente isso mesmo. Uma constatação... Tenho 66 anos. E se eu quiser escrever o que significa isso, acho que essa frase é bem objetiva. Falo em comparação com eles que estão no fim dos 20. Pedro que tá no meio dos 30... Então a pessoa que tem 28, ela tá começando a chegar na idade adulta... E eu estou entrando na velhice... Meu cabelo, a maioria é branco... Então a frase quer dizer exatamente isso. Eu uso óculos, coisa que eu não usava...

Mas quero dizer em termos musicais, de que forma influi no seu trabalho?

Aí temos outro assunto... Bom, é outra parte da pergunta... Parte de como é trabalhar com pessoas de gerações diferentes. Olha, o Pedro Sá eu conheço desde pequenininho, entendeu... Desde menino... E temos uma verdadeira amizade desde que ele era menino; a verdade é essa. Desde menino ele já era meu amigo. É... Menino pequeno ele era meu amigo. E depois cresceu e se tornou amigo, porque ele é amigo de meu filho, que é muito meu amigo. E aí tínhamos muitos assuntos em comum e muita coisa para conversar. E eu fazendo e vivendo de música e ele se tornando músico... Então, o assunto da música entrou muito... Temos idades bastante diferentes, mas temos interesses semelhantes com relação a música e tudo mais... Muita coisa que compartilhamos. Então quando eu quis fazer o Cê, que nasceu a partir dessas muitas conversas com ele – porque tínhamos planejado fazer um disco de rock anônimo, possivelmente sob um heterônimo. Como se fosse um projeto paralelo... E por causa disso, conversamos muito sobre como seria esse tal disco de rock que nós não fizemos mas que acabou se materializando no Cê...

Outro dia tava contando isso e um sujeito me virou e disse: "Olha, mas você é um cara maravilhoso. Você consegue fazer e ser o seu próprio projeto paralelo". Eu adorei isso! Então, o Cê era esse negócio... E eu combinando isso com Pedro, pedi a ele que escolhesse e indicasse músicos que pudessem tocar com a gente. E ele indicou Ricardo e Marcelo. Eu já tinha o repertório. E aí nós fizemos uma reunião com o Ricardo para eu mostrar as canções e ver se entrava no lance. E, depois, com Marcelo. Foi logo... Todo mundo entendia o que a gente tava falando e acho que foi por isso que Pedro os chamou. Eu conhecia os dois, mas pouco. Pedro conhecia os dois, mas bem. Então, a capacidade de entender o que eu tava dizendo e de interpretar o que eu estava planejando era imensa em todos os dois. Daí já partiu para os ensaios e lá a realização dos sonhos que eu imaginava era, assim, vou dizer... imediata. Tanto no Cê como no Zii zie a gente não teve momento de incompreensão, tipo “toca uma coisa, mas na verdade queria a outra, mas aí não sabe aonde achar”; o que acontece muito freqüentemente em bandas. E na nossa isso não aconteceu, a verdade é essa. Foi realmente o nível mais límpido de comunicação que eu já experimentei. Pedro me trouxe esses dois meninos que tinham 26 anos, na altura. Ele poderia ter trazido alguém de 45, 52 ou 17. Mas trouxe esses de 26. Se o sujeito tivesse 52 e o resultado musical fosse assim igualmente límpido, eu estaria igualmente feliz. Mas o fato de eles terem 26 anos, à época, e agora 28 e 29, faz com eles tenham uma coisa que é diferente até mesmo da geração de Pedro, que já é mais aberta do que a minha, que é uma amplidão de interesses na música que não era normal antigamente. O cara que era mais rock’n’roll não sabia nada de jazz, não queria e achava que era chato... Acreditava que a música popular brasileira não tava com nada e não tinha interesse em todas as áreas. E eles têm interesse em todas as áreas. Muita cultura... Eles ouviram muita coisa com muito interesse e pesquisaram... É uma geração muito... É uma marca internacional, entendeu? Internacional. Procura na internet e nos sebos de discos... O pessoal dessa geração é muito assim, né? Então, o negócio da idade ficou menos importante, a não ser pelo fato de nós aproveitarmos essas vantagens. Eu também tenho vantagens por ser velho... Por exemplo: “Tom Jobim disse isso uma vez para fulano e eu tava na hora...” Alguma experiência concreta que eu conte para eles... Isso dá uma aproximação e uma vivência de coisas que eles não teriam. Tem isso também, entende... O que mais eu posso dizer... É mais ou menos isso esse negócio de idade.

Há participação efetiva e afetiva dos filhos Tom e Zeca no processo de escolha das músicas? Opiniões, sugestões, participação real?

Talvez eu já tenha dito que o Tom, que é o meu filho mais novo, escolhe quais são as músicas que ele mais gosta e me diz... E é sempre muito nítido. Sempre foi e é ainda. Tanto minhas quanto dos outros. Primeiro, ele não gostava de música, depois ele começou a gostar das minhas e dizia quais. Era muito específico quanto às canções preferidas. Ainda muito pequenininho, agora ele está com 12. Agora Zeca, que está com 17, tem muito interesse por música eletrônica. Ele ouve o que a gente faz e é muito inteligente em opinar, se for o caso, mas não está interessado em fazer. Ele ouve muito música eletrônica e sabe uma porrada de coisa de hip hop. Eu tava vendo esse aspecto desse mundo da eletrônica e Zeca sabe muito quem são todos esses caras. Quando estávamos na Baia, ele e os amigos dele conheciam todos os caras que tocavam naquele Fantasmão. E sabe muito daqueles que são hip hop pop, com aquela voz bem com auto-tuning, assim... E isso é muito bacana, porque ele mostra muita coisa de eletrônica que eu não sei. Aí eu tenho uma idéia... Aqueles DJs de musica eletrônica europeus, o holandês tal... Eu não sei, mas o Zeca sabe...

Sobre a música Lobão tem razão, em resposta a canção Para o mano Caetano, escrita por Lobão anos antes. Sobre a comparação entre a estética visual dos últimos trabalhos de Lobão, dedicados a um Rio de Janeiro e a um Leblon soturno, noturno e estranho com este Zii zie – ambos contam com imagens fotográficas tiradas num fim de tarde escuro, quase noite, no bairro. E sobre a ida de Lobão para São Paulo... Caetano diz que agora pretende passar mais tempo em São Paulo... Está seguindo os passos do Lobo?

É, eu to com muita vontade de ficar mais em São Paulo. Então estou seguindo os passos de Lobão. Como é a canção... Lobão tem razão. Pedro disse aqui: “Lobão tem razão, afinal...” Está dito no disco. Eu me lembro que A vida é doce tem um visual mais assim. A vida é doce eu ouvi mais. O mais recente (Canções dentro da noite escura), antes do acústico, eu não ouvi muito, mas tenho uma lembrança vaga de que talvez tenham mesmo essas imagens... As imagens desse disco ficaram dessa maneira por causa de Pedro. Eu não sabia nem como eu faria a capa do disco... Como foi isso Pedro?

Pedro:

Na verdade eu já queria tirar umas fotos do Leblon que fossem de um jeito menos...

Caetano:

Você já estava tirando...

Pedro:

Não, eu não tava nem tirando, mas eu queria tirar umas fotos que fossem estranhas, de um Leblon menos turístico e aí você falou isso... Pediu que eu tirasse fotos não só do Leblon, mas do Rio chuvoso. Porque era uma primavera muito chuvosa, na altura em que estávamos gravando... Então comecei a experimentar para ver se ficava bacana. Mas eu não sou fotógrafo...

Cara... Olha, na verdade eu passei o microfone para Pedro para ele contar a parte que ele não contou.. Tudo o que ele falou é verdade. Mas começou tudo porque ele apareceu no estúdio com uma câmera verde e ele ficava fotografando enquanto a gente estava tocando... Até que um dia ele me mostrou o resultado daquilo, e era muito esquisito... Eu me virei e disse: “que coisa é essa?”... Era uma câmera verde de plástico... Ele falou que era uma câmera soviética, russa... Que é essa Lomo... Aí, eu vi as fotos e achei incrível... E falei... “Porque você não faz umas fotos do Rio?” Estava chovendo e tinha cada tarde com o céu chumbo... E ele tinha visto na previsão que dois dias depois o tempo ia piorar ainda mais, que ia ser super chuvoso... Então no depois do amanhã daquele dia, ele saiu e fotografou aqui no Leblon e em outros lugares do Rio com aquelas chuva... Aquilo é de tarde, não é à noite... Mas tava muito escuro mesmo... E ele fez e quando me trouxe... Quando eu olhei, falei na hora “essa vai ser a capa do disco”... Porque é linda e tal, mas ali em me lembrei do Lobão. Mas me lembrei muito do Lobão quando fiz a música... Está explícito no título e na letra... E fiz por causa daquela música que ele fez para mim, que eu acho linda, acho linda... Agora, está implícito no Lobão tem razão esse negócio do rock como espírito hipersensível. Então, essas coisas que você falou sem eu pensar estavam todas aí dentro. Você fez uma análise que está toda certa... Como era aquela música do Police? Andando nas suas pegadas... Um negócio desse... O lobão é um dinossauro e eu estou seguindo as pegadas dele.

Um comentário:

Marcelo Alves disse...

Caetano é sempre uma entrevista interessante. Anseio pela segunda parte.
Muito boa essa do lobão ser um dinossauro.