NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

terça-feira, 7 de abril de 2009

Romulo Fróes - Múltiplas contradições

Em reportagem publicada na capa do caderno Ilustrada, já há algumas semanas, sob o título de "Soco na mesmice", a Folha estampava o paulista Romulo Fróes como o mais novo... Vocês já sabem como termina essa história – e geralmente, mal. Mas o que me leva a traçar linhas é a surpresa de ter conhecido o trabalho do cantor dias antes num daqueles canais de TV hediondos transmitidos em alguns "privilegiados" ônibus da cidade. Me chamou a atenção, de cara, aquela aura cinzenta, repleta de concreto, paisagem enfumaçada, grafitada com uma guitarra vintage boiando pelo Rio Tietê emoldurando uma sonoridade abrasileirada, pseudo samba, pseudo rock, mas não ruim... E é exatamente no limiar entre o indie rock e a música popular brasileira que trafegam os acordes de Fróes. Incomodado com a faceta de sambista determinando as rédeas de sua carreira, após o lançamento de Calado (2004) e Cão (2006), parece que o moço decidiu dar um basta: turbinar as incertezas e censurar as certezas que porventura viessem a definir o gênero, a estética ou o estilo do seu trabalho. E foi assim que, determinado, reuniu-se num estúdio com um power trio roqueiro e desancou a arremessar suas dezenas de novas composições. O cantor que assina seu próprio release e nele afirma compor com facilidade tremenda lançou, como que para provar sua tese, um álbum duplo (na verdade dois discos) No chão sem chão, dividido em sessões batizadas como Cala boca já morreu e Saiba ficar quieto – não, não é mea-culpa ou auto-recado embutidos nos subtítulos do seu duplo cartão de visitas:

– A decisão de lançá-las, todas, mais do que revelar um amadorismo e talvez até um certo anacronismo, aumentado por este texto de contracapa, antes escancara o que é pra mim um modo rico de composição, que vem do meu contato permanente com a criação e da minha facilidade de fazer canções – assinala o autor.

E, mais adiante, prossegue o esclarecimento sobre seu mais novo intento: distanciar-se da seara sambista para, assim, traçar novos e híbridos rumos para a música popular brasileira.

– No Chão Sem o Chão traz ainda minha admiração pelo samba, mas acredito que avança minha reflexão sobre a canção brasileira e minha busca de novos caminhos pra ela; cabe a quem ouvi-lo avaliar seu sucesso nessa empreitada. O que sei é que finalmente me realizo por inteiro com um disco e penso que achei a resposta para a recorrente pergunta “que tipo de música você faz?”. Está aqui. Essa aqui.

Ao todo, o amontoado de 33 canções registram seu feito e sucesso em diluir as barreiras que separam o rock alternativo americano do samba de morro carioca. Entre a melancolia de sambas canções e a urgência roqueira, Fróes canta e empunha seu violão de nylon enquanto o trio envenena sua melodias com levadas de baixo, batera e guitarras distorcidas – pilotadas com competência acima da média por Guilherme Held. No entanto, sua coletânea ressoa, em diversos momentos, como um protótipo formal do que Caetano Veloso propôs em Cê, álbum de inclinação indie que o baiano celebrizou, modernizando a MPB e seu repertório autoral. No chão sem o chão sugere que Fróes como cantor é menos inventivo, profícuo e versátil do que poderíamos prever de um sujeito que, como autor, embala um arsenal desmedido de canções. Não que não seja afinado, mas é monotônico e seu cantar navega sempre numa única dimensão. E esta é pouco estimulante, visceral, urgente ou, vá lá, libidinosa. Além de seu lacônico desempenho vocal para letras, sim, expressivas, extensas e visuais, mas de rasa profundidade, o que fica é uma dupla e hercúlea (para os dias de hoje) empreitada musical: a sua própria, ao fazê-lo; e a do ouvinte, em conseguir assimilar cerca de duas horas de áudio. Perfila-se, assim, um sujeito que, nem roqueiro, muito menos sambista, não se dá o trabalho de tentar assinar sua própria feição. Sinal dos tempos? Fragmentados, híbridos, líquidos, ou seja lá o que for, o fato é que a voz de Fróes se transforma numa tentativa evasiva de não ser, muito mais do que, por fim, vir a ser algo. Fróes, como o título vaticina, está no chão, mas sem chão (preso à sua anti-forma, mas flutuando em essência). Torçamos que em seu próximo álbum possa estar sem chão, mas no chão (livre de preocupações formais e estéticas, e ainda mais arraigado ao inconsciente). Talento não lhe falta, e seu trabalho é um respiro, mesmo que demasiado longo, à tal mesmice que assola, não a música brasileira, mas as FMs. Como prova a ótima (e roqueira) Anjo (abaixo):

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