Moscovita, radicada no barra-pesada Bronx desde os nove anos, Regina Spektor graduou-se em piano clássico e, hoje, sem o menor embaraço adiciona batidas de hip-hop, instrumentos de sopro e singelos riffs de guitarra às suas composições. Spektor já causa burburinho na cena do Lower East Side nova-iorquino há mais de cinco anos. Seus primeiros e hipnotizantes shows ocorridos em centenas de pequenos clubes locais ganharam proporções inimagináveis para a moça tímida de cabelos castanhos ondulados, olhos azuis e lábios generosamente avermelhados.
Filha de judeus russos que imigraram durante o regime da Perestroika, a cantora, de 27 anos, transmite candura; seu estereotipo alude a um fetichismo recatado. Sapatos bicolores, vestido sobre os joelhos, olhar melancólico, como o de uma boneca – não pela beleza, mas sim pelo desajeitado de seu gestual, vide o clipe "Fidelity". Dona de uma voz cristalina e precisa, Regina Spektor é, hoje, uma das mais inventivas compositoras e intérpretes da música pop norte-americana. Apesar de ser comparada, no início de sua carreira, a outras cantoras e pianistas como Fiona Apple e Tori Amos, Spektor bebe de fontes distintas e mais louváveis, que vão de Beatles a Frédéric Chopin.
Contratada pela Sire, ela distribui via Warner seu quarto disco de carreira “Begin to Hope” – “11:11” e “Songs”, foram os dois primeiros, produzidos e distribuídos de forma independente. “Soviet Kitsch”, de 2003 já trazia o espectro, apesar de menos instrumentação, do que viria a ser este novo e excelente trabalho. O álbum anterior, gravado em apenas dez dias, serviu de passaporte para o contrato com a Sire, além de catapultar Spektor definitivamente para o mainstream, em colaborações e turnês ao lado de artistas como os Strokes.
De quase-vendedora ambulante a objeto cult de apreciação e, porque não, rasgação de seda por parte da mídia especializada, um espaço-tempo de cinco anos foi o bastante para que o encanto de seu acanhado despojamento fosse notado. De mera coadjuvante em festivais ao redor do mundo Regina se estabeleceu, de um ano para o outro, como nome respeitado. Sua música saía, assim, da intimidade de seu quarto e de apresentações para platéias de 200 pessoas para públicos mais generosos. De londres a Nova Iorque, Spektor passou a lotar grandes casas como o Irving Plaza e o Shephard Bush Empire.
Begin to Hope
“Begin to Hope” conta com produção sofisticada e altamente detalhista. A enganosa simplicidade que estampa o álbum é reflexo de uma artista que sabe muito bem que o potencial de sua criação não está na profusão indiscriminada de elementos sonoros, mas sim na justa posição de suas diversas influencias, que passam pelo jazz, pela música clássica até chegar em leves beats eletrônicos e melodias pop construídas com excelência.
Seu novo projeto é experimental. No entanto, isto não reflete na estética de sua sonoridade e no resultado final das composições do disco. Coeso do início ao fim, o álbum é o retrato de uma multi-instrumentista de enorme talento, que pôde brincar, durante dois meses, com todos os recursos de estúdio possíveis, além de idéias inimagináveis movidas por seus sinceros devaneios melódicos. É a arte de alguém que tem a exata noção de que grandiosos arranjos não são necessariamente sinônimos de apreciação por parte de ouvinte. O intuito aqui é fazer com que o disco seja tão divertido para quem o fez quanto para quem o ouve.
Objetivo alcançado com êxito através de um incessante desfilar de clássicos, que começa com a faixa Fidelity e passa por tantas outras de igual categoria e beleza como Better, Samson e On the Radio. Lady serve de palco para uma homenagem blues/jazzística a lenda Billie Holiday, uma de suas grandes influências. A faixa, assim, como todas as outras, revela a expertise de uma voz que se destaca frente às novas divas que felizmente não param de aparecer no cenário da música pop.
Spektor alia com propriedade o timbre límpido e agudo de sua voz à sensualidade de sussurros e maliciosas divisões métricas; garantias de certa vantagem sobre suas contemporâneas Feist e Charlotte Gainsbourg, por exemplo. Chega, por vezes, a lembrar uma focada Björk em Apres Moi – canção em que expõe com maestria sua habilidade ao piano, enquanto sua voz inebriante navega entre frases melódicas proferidas em inglês, francês e russo.
Como a própria cantora afirma “você nunca sabe a verdadeira linhagem de suas canções”. Confessionais ou não, suas letras, agora em primeira pessoa, despistam os fãs mais ansiosos, que buscam saber se o registro de suas linhas é reflexo de suas experiências pessoais. Realidade poética é o que Spektor transmite como resposta. Habilmente ela faz prevalecer o lirismo de sua obra frente a opacidade de nossa fugaz existência.
NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS
terça-feira, 3 de julho de 2007
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Um comentário:
Fiquei com ciúmes dela!
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