
– Moro aqui na roça, saio pouco de casa e alimento essa lenda de que moro na floresta, o que não é mentira – diverte-se o compositor, lançado por vozes femininas como as de Maria Rita, Zélia Duncan e Roberta Sá. – Minha casa é cercada por árvores, fico ouvindo o canto dos passarinhos, tranquilo. Saí da Zona Sul e fiz uma casa no terreno que era do meu avô. Acho que tudo isso interfere na criação, porque me considero uma espécie de cronista, mesmo que seja meio psicodélico ou um cronista da alma... Falo do que eu vivo. E estou curtindo muito estar em casa, os meus filhos, viver da forma mais simples possível.
É o que leva a crer canções como Valsa lisérgica e os versos de Camaleão: “posso dominar o mundo, eu não” e “eu só que o meu lugar, aqui”. Após o lançamento de Bordado (2007) – celebrada estreia solo, carregada de tintura ocre e sonoridade agreste – ele agora cruza marés e se permite navegar por correntes diversas. Descobre fontes, nascentes e desemboca numa musicalidade que presta tributo – mesmo que inconscientemente – a mestres como Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, João Gilberto, Tom Jobim, entre outros.
– É uma bênção ser músico no Brasil e partir de um nível tão evoluído. As influências de Gonzaga, Caymmi, Tom, entre vários outros estão entranhadas – constata o fundador do grupo Bangalafumenga. – Eu percebo essas marcas depois que as canções ficam prontas. Fiz Camaleão e quando terminei vi que Caetano poderia ter feito. Samba quadrado tem a cara do Chico, Samba pra vadiar é o Caymmi carioca, assim como Um samba pra ela é Velha Guarda da Portela. Mas é claro que eles fariam muito melhor.
Mesmo sem data definida para o show de lançamento no Rio, Maranhão já planeja viagem ao exterior. Neto de português, sonha voltar ao país. E não é à toa a participação do fadista António Zambujo em Quase um fado. Depois de conhecer as canções do músico quando percorria de carro a estrada que liga Lisboa ao Porto, Maranhão encontrou-se com Zambujo após um show numa de suas três estadas na terrinha.
– Carrego uma carga lusitana muito forte. Desde pequeno ouvia as histórias do meu avô, que sempre se emocionava ao falar de Portugal, sobre as travessias marítimas... – recorda. – Ficava imaginando visitar o país com ele um dia, o que infelizmente não foi possível. Então, foi um presente duplo ter conseguido apresentar o meu disco lá e depois ter conhecido o Zambujo. Fomos jantar na casa de uns amigos, tomamos vinho e numa hora eu peguei o violão, comecei a mostrar umas canções, e acho que ele gostou. Acabou gravando duas, e o convidei para participar do meu disco.
Em Passageiro não há atropelo de notas, choque de instrumentos ou acidentes de trânsito. Tudo segue um fluxo próprio sem interferir no caminho alheio. Mas isso não impede que se diga que o maior trunfo do álbum é justamente a conversa entre os instrumentos. Em torno das 12 faixas, cada um deles parece aguardar a vez para sentar-se ao redor do violão dedilhado por Maranhão. O instrumento define a base das sinuosas assinaturas do músico.
– Às vezes você abre uma música com mais de 30 instrumentos e não consegue ouvir nada. Quando você coloca uns quatro para conversar e eles se entendem bem, é o ideal.
A conversa entre os instrumentos é fundamental nesse disco. Combinando sofisticação e crueza, Maranhão cerca-se da percussividade ancestral da música afro-brasileira assim como pelos sofisticados arranjos de cordas desenhados por Leandro Braga. De sonoridade cristalina, Passageiro facilita a absorção de cada contorno melódico. Minimalista, Maranhão atua como um artesão cuja matéria-prima é a mais básica possível.
– Acredito na filosofia de que menos é mais em muitos momentos da música. Tudo parte do violão, e quem consegue falar com ele entra na história. Ao optar por arranjos enxutos, valoriza o talento de instrumentistas que “são realmente um dream team”, elogia.
O orgulho responde pela percussão de Marcos Suzano, Marçal e Pretinho da Serrinha, pelos sopros de Zé da Velha, Andrea Ernest Dias e Zé Nogueira (produtor do álbum), as cordas arranjadas por Leandro Braga, além de outros craques como Marcelo Caldi, Ricardo Silveira e Siba.
– Depois que um cara como o Marçal coloca a percussão você tem pouca coisa a acrescentar – enaltece Maranhão. – Toco violão, cavaquinho e percussão, são instrumentos muito íntimos e que já haviam aparecido em primeiro plano em Bordado. Quando me propus a trabalhar com o Zé Nogueira me abri às novidades que ele trouxe. Queria oxigenar, porque o primeiro é centrado no meu universo, atrelado ao Bangalafumenga. Quis separar as coisas. Na música você não precisa ter essa fidelidade, e eu queria trabalhar com alguns dos meus ídolos.
Samba pra vadiar:
Rodrigo Maranhão - Samba pra vadiar by luizfelipereis
Um comentário:
Hermoso disco y acertada review! Saludos desde Argentina y gracias a la floresta brasilera por éste y tantos otros compositores maravillosos. Yamil
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