NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Alejandro Sanz e Jorge Drexler lançam trabalhos em busca de novas sonoridades

Durante um passeio de barco pelo litoral de Nova York, em meados do ano passado, Alejandro Sanz curtia o bom tempo rodeado de amigos. Entre eles, uma presença especial fazia daquela tarde ainda mais paradisíaca. Não era a primeira nem a última vez que ele se encontraria com a cantora americana Alicia Keys – que na semana passada gravou um clipe com Beyoncé no Rio – mas naquele instante despertava o conceito que embala seu oitavo disco de carreira, Paraiso express. Após se conhecerem nos bastidores de uma edição do Rock in Rio Lisboa, estabeleceram uma conexão imediata, mas Sanz não sabia até que ponto poderia levar adiante aquela empatia. A admiração era mútua, mas só alguns meses depois, durante o repentino encontro a bordo, eles construíram uma nova parceria.

– Nós nos encontramos nos bastidores, brincamos um com o outro e sentimos uma conexão. Então, alguns meses depois, durante esse encontro, eu estava tocando guitarra e começamos a improvisar.

Do primeiro encontro surgiu o esboço de uma nova canção, Looking for paradise, agora transformada no carro-chefe do novo trabalho de Sanz. Um dos maiores ganhadores do Grammy Latino, com 15 gramofones na estante, Sanz é um dos grandes fenômenos do mercado fonográfico espanhol, com cerca de 25 milhões de álbuns vendidos. Lançado no início do ano, Paraiso express já encabeça as principais paradas do México, Espanha e Estados Unidos. E o videoclipe do primeiro single, gravado com Alicia Keys, conta com mais de um milhão de exibições no YouTube. Extasiado com a parceria, ele recorda cada detalhe da construção de seu mais novo hit.

– Passou algum tempo até ela vir ao meu estúdio, em Miami. Lembro que começamos a tocar para relembrar a canção e Tommy Torres (produtor do disco) gostou bastante, mas quis mudar uma coisa ou outra na melodia – recorda. – Trabalhamos em cima das sugestões, mas a coisa não estava funcionando. Até que ela decidiu que deveríamos gravar da forma como havíamos feito no barco, em Nova York. A conexão estava ali. Alicia começou a escrever a letra em inglês e eu a minha parte, em espanhol. Ela é uma grande mulher, uma artista completa.

Produzido pelo porto-riquenho Torres e mixado por Bob Clearmountain (Rolling Stones, Bruce Springsteen, Paul McCartney), Paraiso express flerta com uma sonoridade próxima ao pop rock britânico. Se dá um passo à frente para conquistar novos fãs, não deixa de inserir as baladas românticas que talharam seu sucesso entre as rádios populares mundo afora.

– Percebo certa evolução em todos os meus discos. Busco sempre fazer algo diferente, sem repetir fórmulas – explica Sanz. – O que faço hoje cresce numa direção rock, mas sempre passa pelo flamenco e pelo pop. Paraiso... é um disco mais próximo da roupagem pop rock nos arranjos, um rock mais sinfônico, com orquestrações. Tentei alcançar esse tipo de sonoridade, que é muito poderosa e energética.

Por trás da tal energia que impulsiona a rouquidão indistinta da voz de Alejandro Sanz está um conceito ensolarado, que perpassa todas as suas novas canções. Bon vivant, o ícone espanhol e ídolo latino mostra que o tal passeio de barco serviu para muito mais do que refrescar as ideias.

– Ali surgiu um conceito. Falo sobre os pequenos paraísos que encontramos no dia a dia. Maravilhas que acontecem perto de nós, mas que não percebemos. Isso pode ser numa simples reunião familiar, ou numa noite de muito sexo, por exemplo.


Drexler mais orgânico

Assim como Alejandro Sanz, o músico uruguaio, mas radicado na Espanha, Jorge Drexler não é dado a repetições. Com mais de 10 álbuns na bagagem, ele agora acena com Amar la trama. Gravado num set de televisão, em vez de um estúdio convencional, Drexler reuniu nove músicos, dispostos em círculo num amplo salão, para registrar suas novas canções ao vivo. O músico, que iniciou a carreira com uma sonoridade aparentemente folk, repleta de instrumentos acústicos – e, anos depois, enveredou pela eletrônica – agora soa orgânico e mais quente, acompanhado de metais e percussão.

– Já havia me desenvolvido bastante como músico quando comecei a trabalhar e produzir com computadores, o que eu adoro fazer até hoje. Ao mesmo tempo, precisava mudar, não queria repetir a linguagem de álbuns anteriores, e sempre admirei o estilo de gravação antigo, adotado por gente como Frank Sinatra. O cantor soando numa grande sala, interagindo com os músicos...

No caso de Drexler, o músico interage também com uma pequena plateia, que foi reunida para aquecer ainda mais o set.

– É um público ausente na gravação final. Mas sinto há muito tempo que a música precisa ter um alvo. Sentia a falta dessa troca durante a gravação dos meus últimos trabalhos. Como numa peça de teatro, tudo se modifica com a presença do público. Queria esse estado de alerta e tensão entre os músicos. Não queria algo relaxado na comodidade de uma pequena sala. Além disso, sei que nós, músicos, temos uma grande tendência à sedução. Eu mudo completamente a maneira de tocar quando alguém me observa, e sabia que isso iria acontecer com todos os músicos.

Ao escutar o resultado, Drexler não escondeu o incômodo com “aquela sujeirinha de uma gravação captada ao vivo”. Aos poucos, porém, se acostumou com a nova sonoridade. E empolga-se em detalhar o que move as mudanças que embalam as várias fases da sua carreira.
– Procurava algo mais luminoso, quente, orgânico e vivo. Queria algo mais real, apesar de saber que a verdade não é um monopólio da naturalidade – filosofa. – Eu sigo golpeando e arriscando, mas quando eu sinto que já transitei demais por um estética decido mudar. Quando ouvi pela primeira vez fiquei em pânico, porque no computador eu edito, limpo e acerto cada detalhe. Numa sala, os microfones captam a ressonância dos outros instrumentos. Apesar dos erros, queria realmente largar o laboratório e o microscópio. E acabou sendo ótimo.

Ganhador do Oscar de Melhor Canção por Al otro lado del río, incluída na trilha sonora de Diários de motocicleta, de Walter Salles, Drexler acumula trabalhos enquanto cuida do lançamento.

– Compus uma nova canção para o novo filme de Andrucha Waddington, que é como se fosse um soneto.

Além disso, acaba de assinar a trilha sonora para o novo longa de James Ivory, The city of your final destination, com Anthony Hopkins no elenco.

– Sou fã de Ivory. É um dos meus diretores favoritos.

À maneira de um bom roteiro de cinema, Drexler trata Amar la trama como uma narrativa, e destaca a multiplicidade de significados de sua nova trama.

– Gosto de vogais porque elas nos despertam emoção. Além disso, trama é uma palavra polivalente, que pode sugerir uma confabulação, a sequência de um caminho, uma circunstância... Amar la trama é um conceito narrativo. Mais que o desenlace, eu quero desfrutar o trajeto.

E, se possível, com novos companheiros de música.

– Gostaria muito de compor com Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante. Dê esse recado a eles.


Una canción me trajo hasta aquí

Nenhum comentário: