A combalida indústria fonográfica precisa de fôlego. Respirar novos ares é preciso. Mesmo cansado de ler matérias, crônicas e reportagens com estas citações, não me fiz de rogado, e eis que começo também o meu com este desgastado chavão. Utilizo o recurso apenas para ilustrar preguiça, acomodação e falta de criatividade. O que afirmam estas frases, no entanto, é fato, há mais de dez anos consumado, velho e ainda assim extremamente atual. Estranho, não?
Se a panacéia para o impasse que assombra a indústria pudesse ser garantida pela qualidade artística dos produtos que comercializa, poderíamos apontar o disco a ser resenhado como uma das possíveis e importantes soluções. Porém, como sabemos, o buraco é mais embaixo. Bem lá embaixo, se é que me entendem. Se estamos perto do fundo, não me cabe a resposta, pois a cada ano que passa parece que esse poço é infindo.
As grandes empresas de música criaram ao longo dos anos uma enorme cratera na superfície de seus negócios e tentam aplacar o problema com miraculosas soluções virtuais e tecnologias paliativas. Esperanças vencidas como a tecnologia DRM (Digital Rights Management, proteção anti-cópias) acaba de ser jogada pra escanteio pela EMI, sua criadora. A grande família dos “tones” parece ser a salvação da lavoura. Vídeo-tones, true-tones, sms-tones, ring-tones e etc. Mas isso tudo é fragmento de música, serve de enfeite decorativo e certamente não abastece ou acalenta os corações dos amantes musicais, além de não resgatar o público consumidor da era dos LPs / CDs ou de atrair a nova geração virtual.
Para a música, apontam os estudiosos, profissionais do ramo e novos artistas, nunca houve uma época mais favorável. Barateamento de ferramentas de produção de discos e um crescimento agilíssimo das ferramentas de marketing e promoção virtual. Neste contexto mutável e incerto, a boa música, “tadinha”, não tem poder para salvar a indústria que a explora. E deveria? Ruim para as majors. Bom para os amantes da música. E para as bandas, bom ou ruim? Quem responde?
YOUNG MODERN
Repulsa, amor à primeira vista e confusão. Transpor um disco em palavras é no mínimo insano. Reduzir a maestria de belas melodias à letras ocas, chapadas e inflexíveis, é tarefa ingrata. Mais ainda quando o resenhista-blogueiro se entorpece pelo objeto de analise. Aí sim, reside o medo. Está posto o paradigma da inexistente imparcialidade jornalística.
Incompreendidos e subestimados pela maioria da critica especializada, o Silverchair parece sofrer as conseqüências da acomodação e possível surdez de jornalistas musicais ao redor do globo. Pergunto constantemente à minha consciência e a colegas se não é fácil discernir e separar a qualidade artística pungente da farsa puramente mercadológica, que assalta frequentemente o mercado com bandas acéfalas e vazias.
O que pretendo por aqui, portanto, é confirmar, ou apenas salientar, que o maior trunfo do Silverchair é a capacidade criativa e inventividade de seu líder Daniel Johns. Depois de um excelente e também subestimado projeto paralelo, The Dissociatives – em colaboração com o DJ australiano Paul Mac –, Johns retorna com sua banda para o lançamento de sua obra mais ousada: Young Modern.
O trabalho já está disponível para audição completa – tanto no site oficial: http://www.chairpage.com/, quanto no myspace: www.myspace.com/silverchair –, e até agora é absolutamente ignorado por aqui. Talvez seja preciso estampar capas de revistas britânicas ou americanas para se olhar um novo trabalho ou um artista que se reinventa. A mídia especializada, por sinal, parece a cada dia se apregoar mais a pautas definidas por datas de lançamentos, CDs recebidos, e acordos tácitos com a indústria. Sei que o assunto dá pano pra manga, mas no caso, ofereço a fruta, pois não sei quem suga quem nessa troca de delicadezas.
Com índices e rankings de venda pífios de seu último lançamento, "Diorama", no Reino Unido e nos EUA, o trio de Newcastle se tornou quase “cult”. Apreciadores famosos como Bono Vox e Billy Corgan, vocalistas do U2 e do Smashing Pumpkins respectivamente, não serviram para mudar a impressão da mídia e daqueles que outrora exaltavam canções como “Tomorrow” e “Freak".
Longe de todo e qualquer descaso, Daniel Johns mais uma vez se preocupa em fazer arte, e esta é a única faceta que ele inteligentemente preserva. A quem se propõe construir uma sólida e respeitada carreira artística, nada soaria mais óbvio do que o seguir desta cartilha. O dia a dia, no entanto, nos prova o contrário. A enxurrada de bandas que diariamente hospedam seus perfis e músicas em sites como o myspace, comprovam o perigo, além de provocar grandiosas tsunamis de desorientados e candidatos a “gênio”. De forma avassaladora, deságuam diariamente no oceano da mediocridade trocentas bandas por segundo, uma tremenda “banda larga”.
Johns e cia., porém, fazem parte de outro time e não precisam se preocupar. Young Modern, quinto disco de carreira, deve ser degustado sem apego a sabores e essências musicais testadas anteriormente pela banda. O novo trabalho provoca, no ouvinte casual ao mais fanático dos fãs, sentimentos desencontrados e paradoxais, e é isso que torna interessante a viagem.
Constituído a partir de demos, produzidas em 2005, o novo álbum chegou a ser apresentado como um possível trabalho solo ou um disco duplo – boato desmentido pelo artista em entrevista a Rolling Stone, em abril de 2006. Ciente de que as canções funcionariam melhor como uma banda, os velhos parceiros Chris Joannu e Ben Gillies foram novamente convocados. Durante o ano passado alguns shows serviram de teste para as faixas do novo repertório. Com as demos produzidas e devidamente testadas, a banda partiu para Los Angeles afim de gravar as versões finais com o produtor Nick Launay (Talking Heads e Midnight Oil), no Seedy Underbelly Studios.
Durante as sessões novas músicas foram escritas e, mais uma vez, a banda contou com a preciosa colaboração de Van Dyke Parks – fiel parceiro de Brian Wilson na obra prima Smile – que produziu suntuosos e cinematográficos arranjos de cordas, para as faixas “If You Keep Losing Sleep”, “Those Thieving Birds part 1 e 2” e “All Across the World”. As faixas orquestradas por Van Dyke Parks e executadas pela filarmônica de Praga soam como trilhas sonoras clássicas dos estúdios Disney. Fantasiosas, belas e inventivas, estas canções revelam a capacidade de Johns em produzir músicas sinestésicas, complexas e, ainda assim, extremamente palatáveis.
No decorrer das onze faixas de Young Modern, o líder do Silverchair não descansa um minuto. Assume personagens, vocais excêntricos, melodias e métricas deliciosamente tortas. A cada canção uma nova banda surge e levanta duas questões indissociáveis: o Silverchair acabou? Ou ainda, o que é o Silverchair? Apenas um fluxo de criatividade musical. Não se trata de um ciclo, refluxo ou regurgito, pois Johns não recorre ao seu passado, mas sim, se reinventa.
Do alto de seus 27 anos, o cantor e seus comparsas, na verdade, são várias bandas, e soam no final como uma coesa obra músico-circense. Repleta de elementos lúdicos e delicados, os músicos optam por explorar os limites visuais que podem oferecer através de suas canções. Efervescentes cenários, como a Bollywood indiana – centro cinematográfico de Bombay, que produz mais filmes anualmente do que a Hollywood norte-americana –, são algumas das referências que Johns utiliza para ilustrar aquilo que quer em algumas das faixas.
“Mind Reader” e “The Man Who Knew Too Much” são as canções mais fortes de Young Modern. As guitarras de Johns, agora Fender, atiram secas, precisas e sem tanto peso. As distorções dão lugar a criatividade rítmica, que fazem o ouvinte dançar – instinto e intuito primevo do Rock n`Roll. “Low” e “Waiting all the Day” seguem a cartilha da simplicidade. Poucas e doces notas musicais conduzem estas duas pérolas, estruturadas no que há de mais simples e necessário numa boa canção pop: melodias acima da média.
O primeiro single do álbum “Straight Lines”, que há cinco semanas lidera os charts de musica australianos, fez do Silverchair a primeira banda da história a emplacar cinco singles em primeiro lugar na terra dos cangurus. A épica canção, no entanto, apresenta uma atmosfera bem diferente do restante do álbum.
John Lennon, Roy Orbinson, Talking Heads e Midnight Oil, foram os artistas cunhados por Johns para sintetizar os anseios do novo trabalho. Porém, o que se ouve é Beach Boys, Rolling Stones e Walt Disney. Sem o escapismo ingênuo de Diorama (2002), Young Modern retrata o Silverchair na sua melhor tentativa de extravasar seu pop psicodélico, original e, talvez, inimitável.
NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS
quinta-feira, 19 de abril de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
O velho "cadeira de prata" sempre foi bom desde o tempo em que eles imitavam o Nirvana. Falava-se que era coisa de adolescente e aquele blá,blá,blá que você conhece. Coisa de mídia padronizada. Ainda não ouvi "Young Modern" e até achei que o Silverchair tivesse acabado, mas se mantiver o nível de seus melhores discos, já valerá a pena uma escutada.
Postar um comentário