NOTAS SOLTAS E RUÍDOS ESCRITOS

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Após o elogiado disco de estreia, José James finaliza 'Blackmagic'

Desde que foi cunhado, o termo black music – nas décadas de 60 e 70 mais associado ao soul e ao funk – assume a condição genérica de um guarda-chuva, ao mesmo tempo amplo e redutor, da produção musical afro-americana. A partir do fim dos anos 80 e com a chegada do século 21, o “problema” ganhou dimensão ainda mais significativa com a evolução das mesclas, samplers e colagens capitaneadas pelo movimento hip hop e pela nova geração do r&b. Justo no auge das misturas impulsionadas pela digitalização dos mecanismos de produção, surge um cantor que, descartando o aparato eletrônico e suas múltiplas possibilidades, faz de sua voz um instrumento, ou melhor um sintetizador orgânico e natural de todas as referências que se espremem no tal panteão black. Após a salva de palmas da crítica internacional ao seu debute, The dreamer, aos 30 anos José James finaliza seu próximo álbum, que sob o sugestivo título de Blackmagic – com cinco faixas já disponíveis em seu MySpace – leva a crer que, mais que um agrupamento de gêneros, a tal black music é coisa mágica, e no caso de JJ, talvez, magia negra.

– A minha música é apenas o reflexo de quem eu sou. Venho de um mundo de diversidades, inúmeros backgrounds, paixões e experiências. Gosto de uma porção de coisas e posso fazer da minha música a união de uma série de escolhas. Eu quero que a minha expressão seja natural e repleta de sentidos – diz José James, enquanto saboreia um chá de menta, ao som de Benji B, num estúdio ao leste de Londres, onde ajusta os toques finais do novo disco, previsto para ser lançado em janeiro de 2010, pela Brownswood Recordings.

À sua frente, espalhados ao redor de seu laptop, discos de dubstep, um novo CD do Spectrum e outros de Alice Coltrane, sobre quem prepara um projeto para o London Jazz Festival – elementos que povoam suas mais recentes audições.

– Além disso, tenho escutado muito Flying Lotus e Zahra Hindi – detalha JJ, que acaba de se apresentar na Europa à frente de um projeto tributo a John Coltrane.

Para os próximos meses, além de acertar sua banda para os shows da turnê Blackmagic, ele se apresenta em duas datas junto a outra sensação do jazz, Melody Gardot, e termina de afinar as notas para dois projetos paralelos, com o pianista Jef Neve e a participação em duas canções para o novo trabalho do Bassment Jaxx. Numa época em que cantoras parecem dominar a cena jazzy, José James segue a tradição vocal de ícones como como Joe Williams, Nat King Cole, Mark Murphy, Leon Thomas, Andy Bey, entre outros, que lhe conferem uma sonoridade vintage à base essencial de piano e baixo acústico. No entanto, mais que apenas prestar tributo às feras do soul e do jazz, James simboliza a música negra contemporânea ao unir estilos clássicos à cultura de rua, ou hip hop.

– Gosto de música que soe como os discos da Motown, Nick Drake e Cat Power – exemplifica. – Já Gaye, Billie Holliday e Coltrane assumem um comprometimento com a comunicação que é ina creditável. Se você aplica essa dedicação e paixão, realmente não importa em que época você está vivendo ou criando a sua obra.

Para o músico, seu primeiro álbum, The dreamer , soa como uma “tarde de domingo, o espaço entre a vida privada do fim de semana e nossa vida pública durante os dias normais”. Diz que é mais pessoal e intimista que Blackmagic , que define como um disco contemporâneo “influenciado pela noite, pelo quarto de dormir, por confissões de amor e muitos beats”.

Produzido por Flying Lotus, Moodymann, DJ Mitsu the Beats, Taylor McFerrin e pelo próprio, o CD traduz esse emaranhado de referências novas e antigas.

– Marvin Gaye e hip hop estão mais no foco dessa sonoridade, mas é claro que através do meu próprio processo de composição. The dreamer e Blackmagic são álbuns sombrios e calorosos, mas com uma leveza que vem de diferentes lugares.

Filho de uma descendente de irlandeses e de um músico panamenho ligado às tradições do reggae, José James nasceu em 1981, na fria e cinzenta Minneapolis – segundo alguns, a mais hostil cidade americana. Cresceu enquanto as rádios locais faziam explodir os alto-falantes da sua casa ao som de Jimmy Jam and Terry Lewis, Prince e The Time. Durante a adolescência, a cena hip hop o levou a devorar álbuns de De La Soul, A Tribe Called Quest, Digable Planets, The Pharcyde, Ice Cube, Cypress Hill, entre outros que também sampleavam os discos de seus cantores de soul e instrumentistas de jazz prediletos.

– Eu ficava louco com Digable Planets, que me levou ao jazz por citar todos os maiores nomes em seus raps – recorda.

Aos 15 anos, quando sua voz de repente mudou e passou a assumir o registro grave e profundo de barítono, José James decidiu se juntar ao coral da high school católica em que estudava.

– Eles davam ênfase a coisas como Gloria, de Vivladi – lembra.

E enquanto se dedicava a algumas performances em musicais como Cinderella, começou a escutar os grandes nomes do jazz, como Duke Ellington, Louis Armstrong, Nat King Cole, Billie Holiday, Thelonious Monk, Charlie Parker, Charles Mingus, Ella Fitzgerald e, finalmente, John Coltrane.

– Depois de muito aprender com eles, decidi arriscar e ouvir como a minha voz soava ao tentar cantar alguns temas. Até que comecei a ganhar prêmios e o pessoal da cena de jazz começou a elogiar meu trabalho, essas coisas.

Também no Brasil, onde se apresentou ano passado, seu requintado trabalho chama atenção. Um dos maiores colecionadores de vinis do país e fã incondicional da música negra americana, Ed Motta passou a admirar a voz encorpada do cantor após conhecer The dreamer.

– Ele é a grande continuação de cantores como Joe Lee Wilson, Mark Murphy, Leon Thomas, Bobby Cole, entre outros – compara. – Um timbre com som envelhecido em barricas de carvalho.

Frustração em Nova York e sucesso em Londres

Com Coltrane, Billie Holiday e Marvin Gaye ressoando em seus ouvidos, José James deixou, em 2000, sua Minneapolis natal e zarpou rumo a Nova York, mas para uma frustrante e desencorajadora experiência. Lá, não conseguiu estabelecer contatos e muito menos atrair o interesse dos nova-iorquinos. De uma hora para a outra, sua paixão por cantar evaporou. Durante três longos anos não soltou a voz em casa, e muito menos em shows. E até a sua namorada, à época, desconhecia o requinte de sua criatividade, que transportava para a escrita.

Ao regressar a Minneapolis, a inspiração voltou a brotar. E após uma série de shows, JJ fez o caminho de volta e, em 2004, ingressou na prestigiada New School For Jazz & Contemporary Music – a mesma que abrigou nomes como Roy Hargrove, Robert Glasper e Brad Meldau. Três anos depois, armado pela autoconfiança recuperada e por um EP que emprestava sua voz a uma versão para Equinox, de Coltrane, além de uma composição própria, The dreamer, JJ chegou às mãos do DJ inglês Gilles Peterson.

– Gilles recebeu meu EP durante uma viagem para Londres, que fiz em 2007 – conta. – Lembro que ele me escreveu logo, porque tinha adorado os caminhos que eu seguia e decidiu me contratar.

Preterido por NY e abraçado pelos clubes e selos londrinos, como Brwonswood Recordings, de Petterson, JJ pôs à baila seu debute.

– A partir daí, o disco foi um processo natural. Trabalhei intensamente nele até que estivesse pronto – diz o cantor. – Nova York é ótima para você aprender, ninguém se importa. Existe uma atitude esnobe de quem já ouviu e viu de tudo, enquanto Londres se interessa mais por música nova. Em NY, tudo que você acredita ter de maravilhoso é posto à prova a todo momento. Às vezes é fácil ficar meio metido lá, algo que pode te fazer crescer ou quebrar completamente, ou as duas coisas.

Dividido entre as duas cidades, o cantor diz que hoje se sente à vontade em NY, mas a insegurança de se reconhecer como um artista de porte internacional, ele diz, só foi descartada ano passado, após um show no North Sea Jazz Festival

– Até ali, eu tinha me apresentado por mais de 10 anos em lugares menores. Aquela noite me fez acreditar que o meu público e o meu talento realmente tinham se tornado internacionais. E que eu tinha uma mensagem a passar. Durante o último ano, pela primeira vez, eu tenho sido 100 % música e esse caminho não tem volta.

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